São uma moda, e um mundo. Curiosíssimos.
Desde que se entra, até que se sai. Quando se sai..
A inflacção aparvalhada de sorrisos com que nos presenteiam, desde que chegamos às instalações, até ao momento em que as abandonamos, é digno de poder recuperar qualquer bipolar, ou outro doente psicótico que por ali ande. E só com o número e com a intensidade dos sorrisos.
Parece que a maioria foi concebida entre um filme do Batman, com o Jack Nicholson na pele do Joker, e de pai, e a maluquinha de Arroios no de mãe ...
A sensação que querem fazer perpassar, é que "todos conhecem todos", como uma fraternidade (doentia claro), e com o concomitante reconhecimento desta pequena sociedade que ali foi criada, que (sobre)vive com sorrisos, músculos, mas pouco mais, e na qual, desta forma, se exterioriza aquela (pseudo) solidariedade: " Tu és dos nossos, nós reconhecemos-te".
Pessoalmente senti-me, e sinto-me, sempre a mais naquela sociedade. E porquê? Basicamente porque me quer impor um padrão, que não só não é o meu, como - sobretudo -, está errado, já que pretende impor as suas marcas; o da parametrização dos corpos, da clientelização diferenciada (os que alinham nas aulas de grupo, ou têm Personal Trainer, são mais “bem vistos” do que os ascetas que agem sós) , da integração silenciosamente compulsiva, e da crescente supressão da individualidade ( são cada vez mais raros os indivíduos, como eu, que fazem sós a sua aula)
Ponho os phones, tento não olhar nem para os sorrisó -dependentes, nem para as ladies que se pavoneiam, nem para os galanteadores, nem para os "personal trainer" (:)), e vou vendo a televisão e apreciando a fauna; a residente e a de passagem.
Na zona dos halteres, é ver o "manancial de massa – muscular, não cinzenta… -, desperdiçado em montanhas de hormonas e de recalcamentos por resolver. É puxar literalmente pelo cabedal, mirando-se, segundo sim segundo sim, aos espelhos que preenchem as paredes da zona.
Ridículo, parecem as mulheres a apinocarem-se, que não as de Atenas, como dizia o Chico Buarque.
Mas ver aquela fauna, a mirar-se e remirar-se nos espelhos, é dos momentos que me faz sorrir, para dentro claro (...), enquanto ali estou. Devem ser - também - muito pikixito no resto das vidas...
Quanto aos PT, personal trainer, PeriTo (adequação, da minha autoria), confesso que os sentimentos são mixtos; entre um profundo desprezo pela falta da parte pedagógica, alguma admiração pela paciência que os instiga a continuar, e de algum lamento pela evidente falta de alternativas profissionais para alguns...
A exigéncia, completamente disparatada, que alguns "personal trainer" - elementos que, suponho pelo que vejo, oiço e me relatam, depois do 12º ano, tiraram um curso de seis meses de educação física... -, fazem a pessoas que, vê-se, nunca fizeram exercício na vida, é de bradar aos céus, e lamentar, claro! Não percebem que, antes de "obrigar" as pessoas a fazerem as coisas bem feitas, têm de as sensibilizar para ali estarem; a sentir-se bem, claro está!
Os ares de doutorados que a maioria exibe, a par, ou do aspecto abrutalhado de alguns, ou do menos bem formado corpo de outros (como é possível ser-se PT com alguns corpos que já vi...), até tem uma certa graça. A verborreia ( como se imagina, o " português" utilizado, deixa muito a desejar...), com que mimam os clientes, a resposta rápida, objectiva, sempre presente (não têm dúvidas e nunca se enganam...), são tudo indicadores simples, da relativa e limitada preparação, que a parte mais significativa dos "personal trainer" exibem.
"Admiro" a ingenuidade de algumas vozes de trovão quando chamam para os abdominais. Vozes de trovão, claro, que infeliz e paradoxalmente, nunca puseram os penantes numa parada, nunca estiveram debaixo de fogo real, etc.
Eis, para mim, uma das melhores definições (in "pequeno almoço com Sócrates" de Robert Rowland Smith):
"Hoje em dia, fazer exercício fora das salas iluminadas e cada vez mais clínicas dos ginásios não é somente amador, é também perigoso, e os jovens de pele suave licenciados em ciéncia do desporto que patrulham os ginásios são como monitores vivos a transmitir a mensagem subliminar: não tentem fazer isto em casa"
O ginásio está aí para nos convencer de que o nosso próprio corpo não nos pode ser confiado, por isso é melhor deixá-lo entregue aos peritos, e, se a má consciéncia é a primeira alavanca a puxar-nos de volta ao ginásio, este alerta subtil quanto à nossa incompeténcia é a segunda
Nos balneários, a maioria dos machos segura, compulsiva e orgulhosamente, uma toalhinha de palmo e meio a cobrir as " partes".
Eu, que sempre andei, e ando, nu, causa-me toda a perplexidade, esta nova forma de os homens se passearem nos balneários.
Outros, igualmente representativos, e ostensivamente "trólaró", vagueiam, lançando olhares insistentes a todo e qualquer incauto vizinho. É demais!
Outra forma que esta micro-sociedade desenterrou, para nos aliciar, é feita através da publicidade aposta por todo o ginásio. Ali, vêem-se pessoas a fazer exercício, muitas vezes em posturas incorrectas, mas sempre, sempre (!!) a rir, aparentando destilar felicidade a rodos.
É na verdade extraordinário como as pessoas "engolem" esta publicidade. Olham, e interiorizam-na, sem qualquer espírito crítico.
A maior parte deve interpretar a mensagem, da forma que os "assediadores" pretendem difundi-la, ou seja, se eu praticar "isto" x vezes por semana, fico mais jovem, mais bela, mais leve, mais feliz.
Que falta que faz a Cultura! Que pobre que é a nossa cultura!
A mais recente "crise", e o aparecimento de uma concorrente de peso, a Virgin, fez com que o HP reequacionasse o quadro de pessoal, inclusive com o despedimento de dezenas de colaboradores. Novas exigéncias foram feitas, tanto no que diz respeito à amabilidade e simpatia com que nos assediam no tempo em que ali estamos, como no recrudescimento de campanhas de aquisição de novos associados. É vê-los que nem uns galfarros a rirem- se para a esquerda e para a direita, para baixo e para cima, perguntando se não quero ganhar não sei o quê, se conseguir angariar mais não sei quantos amigos.
Enfim, tenho pena que tenhamos chegado a estes tempos, em que se tem de recorrer a um conjunto de subterfúgios, manobras, "jinganços", mas que nada têm a ver com profissionalismo e bom senso, para sobreviver neste pobre mundo que (des)construímos.