quarta-feira, 27 de outubro de 2021

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Livro - "Com os holandeses" (Rentes de Carvalho)

 Que forma mais serena, sensata e objectiva de caracterizar esta rapaziada, seja da Holanda seja "aqui do bairro"...


Filme - Cercados (Ridley Scott)

Old, but one (more...) fantastic film from Ridley Scott

The true meaning (and SENSE!) of war.


Best scene and "thought" from Eric Bana

 

https://www.youtube.com/watch?v=WsyVRpW4xNk




 

And the music...

https://www.youtube.com/watch?v=14qpF5MoEms





domingo, 3 de outubro de 2021

Reflexão - J.N. Pinto (Observador)

 

A última sondagem /premium

Será uma “frente popular” que bloqueie a gestão da capital do país uma boa opção para uma Esquerda que já conheceu melhores dias? Esperemos que o senso comum e o interesse público prevaleçam.


 

      

A grande e nobre arte da sondagem

As eleições autárquicas trouxeram uma série de surpresas. Ficámos, por exemplo, a saber que “a realidade é dinâmica” e que “as chamadas sondagens pré-eleitorais não servem, nem nunca serviram, para prever resultados eleitorais”.

 

Para que servirão então as sondagens? Para sondar o insondável, para fotografar, num fugaz momento e a partir de uma fugaz amostra, os contornos de um futuro que sempre nos ilude. É, evidentemente, de arte que se trata: a apresentação de margens de erro é um excesso lúdico. E quem não percebe isto, sofre de “iliteracia”.

Há uma outra coisa para qual as sondagens nos podem também alertar: para o valor atribuído às obras desta arte, independentemente da sua inoperância, incompetência, divórcio do “país real” ou insistência em moldar o mundo.

Assim, cinco dias antes do escrutínio, uma destas sondagens dava 40,6% a Medina, 33,1% a Moedas. E, cerca de um mês antes das eleições, em 30 de Agosto, uma outra sondagem, mais impressionista, dava a Medina 51% e a Moedas 27%. Moedas venceu. E então? A realidade é dinâmica e, nunca é demais repeti-lo, as sondagens eleitorais não servem para prever resultados eleitorais.

 

 

Também nunca saberemos, nestas coisas, se é de incompetência, sonho ou estratégia deliberada que se trata. E a estratégia tanto pode ir no sentido de desencorajar os partidários do candidato em desvantagem, em quem “já não vale a pena votar”, como de tranquilizar os partidários do que vai à frente, pondo-os em ledo sossego. No entanto, o cada vez mais frequente desconcerto da análise pré-eleitoral tem estado quase sempre associado a uma certa inclinação para um dos contendores ou a uma certa fobia em relação ao outro.

Há grandes exemplos históricos. Um dos mais recentes, mas já clássico, é o da eleição americana de Novembro de 2016. Nas vésperas da eleição, a Reuters/Ipsos dava Clinton a ganhar por 45% contra 42% no voto popular e com 90% de chances de vencer no Colégio Eleitoral, onde precisava de 270 lugares mais 1. O resultado foi de 47,7% contra 47,5% no voto popular a favor de Hillary e, no Colégio Eleitoral, de 303 votos para Trump contra os 233 de Clinton. Tendo eu sido, em Portugal, uma das raríssimas pessoas que pôs a hipótese da vitória de Trump, e para que o inesperado contraditório fizesse um bonito contraste com a inevitável unanimidade, acabei por ir a três televisões nessa noite e por estar em directo quando, surpresa das surpresas, a vitória de Trump foi confirmada.

A surpresa popular

Surpresa das surpresas porque o grosso da comunidade mediática e analítica, e até académica e política, tende a viver no reality show que cria, ou seja, numa realidade paralela, delimitada e vigiada, numa bolha feita de cenários, sondagens, comentadores residentes e ordens vindas do alto em voz off. Por isso cada vez mais lhe acontece surpreender-se momentaneamente quando do confronto com a realidade – até que o programa siga.

 

Todo o cidadão da “jovem democracia” portuguesa sabe que os responsáveis políticos sempre procuram explicar que ganharam ou que, pelo menos, não perderam as eleições que acabaram de concluir. Ainda assim, quando o líder do PSD, para quem o 26 de Setembro foi “um dia positivo”, mostrou alguma justa indignação com a discrepância entre a prestação prevista e a prestação real do seu partido, “contra as sondagens e contra muitos comentadores”, era escusada a pronta acusação de “iliteracia”. Tanto mais que um dos argumentos apresentados, o de que a campanha eleitoral mudava as vontades, não era dos mais convincentes para sondagens a cinco dias das eleições, como as que davam Medina a vencer por 7,5 pontos percentuais.

António Costa, para quem o 26 de Setembro também foi “um dia positivo”, é suficientemente lúcido para saber que, apesar de ter mantido a maioria dos votantes e de continuar a contar com autarquias grandes, o PS teve revezes importantes nas autárquicas, com Lisboa à cabeça – e Coimbra, e o Porto e o Funchal. E que, no conjunto, dificilmente poderá considerar o Domingo das eleições um dia de sorte. A estratégia de Rio de recomposição parcial da AD, com a escolha de Carlos Moedas, funcionou em Lisboa, e não só. Onde houve “frente de Direita” contra o PS, desceu o voto de protesto à Direita, que se concentrou na “frente” e contornou-se o que é o ponto mais vulnerável do PSD: a indiferenciação do PS em termos de valores e a tentação de Rio de transformar o centrão das ideias num centrão político.

De qualquer forma, com estes resultados o líder do PSD conseguiu, para já, acalmar eventuais concorrentes que teriam aproveitado o anunciado desastre eleitoral do Partido para se apresentarem como alternativa messiânica.

Outro ganhador, neste aspecto, foi o líder do CDS, que negociou bem uma série de alianças, tornando-se útil em coligações vencedoras em Lisboa, Porto e Coimbra, e acalmando também as veleidades de alternativas internas. Talvez seja um momento interessante para Francisco Rodrigues dos Santos pensar em revalorizar uma linha de direita conservadora, entre o nacionalismo popular do Chega e o que é oficialmente o liberalismo social-democrático do PSD.

 

O Chega acabou por ter uma boa estreia autárquica. Apresentou-se na maioria das autarquias e teve 19 vereadores eleitos, quase duas centenas de mandatos e uma votação popular bastante razoável. Foi buscar gente nova e boa – sobretudo no Ribatejo e no Norte –, mas podia ter tido mais cuidado na triagem de candidatos, também para não dar lugar à exemplificação sarcástica, com criaturas saídas não se sabe bem de onde nem para quê. É certo que outros partidos as terão iguais, mas esses partidos não estão sujeitos à exposição hostil a que o Chega está sujeito e para a qual devia estar preparado. Mas de resto, para um partido novo, mostrou presença em todo o país, com uma razoável votação global. E comparando as votações do Chega (por exemplo em Lisboa) na presidência e na Assembleia Municipal, vê-se que muitos dos seus eleitores entenderam o que era o “voto útil”, o voto contra, e o que era o “voto por”,  o voto identitário.

Como também assim o entenderam, em Lisboa, os eleitores da Iniciativa Liberal. Só que a IL é um partido de grandes cidades. No resto do país, ou não apresentou candidaturas ou as candidaturas que apresentou não vingaram.

Também o Bloco de Esquerda, com a agravante de ser um partido com muitos anos de existência e de protagonismo no reality show mediático, continua com uma clara dificuldade de implantação fora dos grandes centros urbanos, onde as causas radicais e fracturantes da Nova Esquerda não colhem. E mesmo assim ainda perdeu eleitores e lugares urbanos. Tal como o PAN.

Também perdeu eleitores e lugares o Partido Comunista, que chegou a ter 50 presidências de câmara (em 305), no tempo em que havia a União Soviética e que ainda tinha 12% do voto popular. Desta vez teve 19 presidentes eleitos e um ainda considerável número de mandatos.

 

Tem de se reconhecer que o Partido Comunista, que depois do fim da União Soviética perdeu o seu carácter de “partido do estrangeiro” ou alinhado numa internacional, tem tomado posições civilizacionalmente próximas do povo e da razoabilidade vital e distantes dos estéreis desvarios urbano-depressivos das novas esquerdas globalizantes. Votou contra a eutanásia, tem apoiado as touradas e os seus deputados no Parlamento Europeu foram os únicos deputados portugueses que votaram contra a condenação da Hungria, alegando que as matérias em causa eram do foro dos Estados e não da União Europeia.

A tomada de Lisboa

Acabo voltando à vitória de Carlos Moedas em Lisboa e às reacções que provocou. As sondagens também servem para isso, para darem aos “iletrados” súbitas e inesperadas alegrias.

É claro que, para uma missão que parecia, à partida, impossível, o candidato beneficiou do descontentamento de muitos perante uma cidade moldada autocraticamente pelos programas europeus e seus subsídios, uma cidade asfaltada para o verde e pedalante deambular de poucos e alheada da vida e do trabalho de muitos. Beneficiou também do apoio de uma aliança centro-direita ad hoc que soube congregar os descontentes. Mas foram também as suas qualidades, nos antípodas do caudilho, que o levaram à vitória.

Eleito, não vai ter uma vida fácil. As contas na vereação não parecem favorecê-lo – 10 contra 7 – como, muito democraticamente, lembrou a coordenadora do BE, acrescentando que o seu partido nunca fará alianças com a Direita. Já não é mau, tendo em conta que os seus mestres inspiradores pensavam na Direita como um obstáculo ao Progresso e à Marcha da História destinado à eliminação física: limitar-se a não querer alianças é já um progresso civilizacional.

Mas será uma “frente popular” que bloqueie a gestão da capital do país uma boa opção para uma Esquerda que já conheceu, por cá e na Europa, melhores dias? Esperemos que o senso comum e o interesse público prevaleçam, apesar dos blocos.