terça-feira, 30 de julho de 2019

Reflexão - Gabriel Mithá Ribeiro

A deficiência moral da esquerda branca e activista

A troca de opiniões entre, por um lado, Maria de Fátima Bonifácio (crítica das quotas para as minorias raciais) e, por outro lado, Manuel Carvalho (Público)Marta Muckznic (Observador)Ferreira Fernandes (Diário de Notícias) e um rol de comentadores foi bastante sintomática da psicopandemia em que vivemos. As razões são tantas que abordarei apenas algumas.
Uma panóplia de brancos discutiu com vivacidade clubística o destino das minorias raciais sem que indivíduos que partilham essas identidades interviessem. Pelo menos, com ou sem a opinião de «pretos» e ciganos, nada se alteraria numa troca de argumentos entre brancos. A omnisciência branca ou, em rigor, o narcisismo branco basta-se a si mesmo.
Este novo paternalismo branco limitou-se a reciclar o do tempo colonial. Agora já não é o dever moral dos brancos «civilizar e cristianizar os pretos» mas proteger os ditos cujos, mais os ciganos, da «discriminação». As raças inferiores, essas, continuam no quintal, no recreio, infantilizadas.
Em dias de tempestade verbal como esta, se me sobra algum respeito (ainda assim muito) reservo-o a brancos que falam em nome próprio, em defesa da sua identidade branca, como Maria de Fátima Bonifácio. Não me sinto obrigado a respeitar brancos que usurpam sentimentos, identidades, representatividades de terceiros. Não por uma birra qualquer, mas porque usurpar identidades alheias é profundamente imoral. A representatividade social existe para ser tomada a sério. Os homens não representam as mulheres; os idosos não representam os jovens; os ricos não representam os pobres; logo, os brancos não representam negros, ciganos ou quaisquer outros.
Quem não respeita isto, não respeita os outros, não respeita a democracia, não reconhece dignidade às outras identidades, mesmo quando elas preferem o silêncio, ou sobretudo por isso. Há sempre razões para silêncios, mesmo quando não são óbvias. O silêncio pode ser a forma mais inteligente, em certas matérias, para os indivíduos pesarem custos e benefícios a longo prazo.
É preciso deixar muito claro que a questão racial tem uma dimensão de dor psicológica para a intimidade de negros, mestiços, mulatos, ciganos e outros mais, e pode não ser tanto pelas razões propaladas, antes por uma impossibilidade quase genética de os indivíduos se descartarem de responsabilidades próprias no seu destino, nos seus sucessos e falhanços. Trazer tais matérias para a praça pública pode ser justamente o contrário da solução que a sanidade mental dos indivíduos pode necessitar. Há matérias em que não se deve ser invasivo da intimidade, sensibilidade, identidade de terceiros. Se é para ser estridente, desbocado, deixem que as minorias o façam na primeira pessoa.
Ninguém tem o direito de forçar um indivíduo a tomar partido, a tomar posição ou a assumir assuntos que pode querer guardar para si mesmo, para a sua intimidade. Por que razões é que quando se discute racismo são quase todos brancos? O que hoje se passa é de tal modo grosseiro que equivale mais ou menos a questionar o filho de pais de pertenças raciais distintas: Olha lá, tu és do «clube» racial da tua mamã ou és do «clube» do teu papá? Afinal tu és branco como o teu pai ou «preto» como a tua mãe? 
Por absurdo que possa parecer, é deste modo que se comportam os atuais sistemas sociais face a situações de miscigenação racial, e pertenças raciais das minorias em geral. As questões identitárias foram remetidas para o espaço público por vias de tal modo patológicas que as nossas sociedades necessitam de uma profunda reforma moral.
Deixar em aberto a questão das identidades raciais, não ser social ou, pior, politicamente invasivo na matéria para que cada um decida o sentido e relevância que lhes queira atribuir em função da sua própria identidade é, por norma, a opção mais digna e favorável à gestão do interior de famílias que integram identidades raciais distintas, uma realidade crescente nos dias que correm, mas também a opção mais favorável à gestão de questões inter-raciais que oriente a ação do Estado. O papel pedagógico do Estado é o de se demarcar do fator racial, regular-se por princípios universais permitindo que a vida social tenha autonomia na gestão por si mesma do que é complexo, íntimo.
Colocar sequer a hipótese de quotas raciais jamais libertará os seus defensores de propensões totalitárias, violentas, que atingirão os supostos beneficiados, além dessa atitude ser contrária à dignidade de qualquer moral social, o referente por excelência que faz funcionar as sociedades. Estas só escapam à anomia (uma forma polida de dizer loucura) se se orientarem por valores, normas, princípios e regras universais válidas do mesmo modo para todos. É tão perversa a discriminação negativa (do passado) quanto a discriminação positiva (do presente) porque num e noutro caso está-se justamente a perpetuar a discriminação social, a fragmentação das sociedades, a recusar a unidade do género humano.
Há outro detalhe da loucura dos tempos. Ao longo de quatro séculos, negros das mais variadas origens, estatutos (as comunidades ancestrais africanas organizam-se por linhagens, isto é, desde a origem que marcam diferenças sociais), línguas, crenças, hábitos, tradições em África eram, depois, amalgamados nos países de destino da escravatura como se fossem todos iguais. Bastava serem negros para se reconverterem numa massa coletiva indistinta homogénea, para desaparecerem enquanto indivíduos e, com isso, dissolvia-se a singularidade e subjetividade que a condição humana acarreta. Por ironia, esse passado está hoje bem vivo pela ação do igualitarismo de esquerda.
Faz parte do ativismo-progressista insistir em distribuir rótulos de negros vitimizados a todos os não-brancos. Nessa amálgama cabem o dr. António Costa e demais canecosmulatos, mestiços das mais variadas ascendências, africanos de distintas proveniências, ricos e pobres, sul-americanos, asiáticos, árabes e berberes, animistas, cristãos ou islâmicos, nascidos dentro e fora do Ocidente, entre múltiplas diversidades que até podem alimentar conflitos entre elas, no entanto, enquanto minorias tuteladas pela esquerda ficam compelidas a amar-se entre si e instigadas a odiar os brancos, a sua nova carta de alforria. Os ativismos antirracistas e anti-discriminação fazem tábua rasa da multiplicidade de sentidos de pertença, interesses, hábitos de vida, atitudes, comportamentos, costumes, tradições, condições socioeconómicas dos não-brancos.
Em matéria de relações raciais existe, portanto, uma relação direta entre ignorância e defesa convicta de determinadas posições. E não me estou a referir a Maria de Fátima Bonifácio que teve a dignidade de se colocar na pele branca, a dela. Estou a referir-me aos que partilham essa mesma pertença racial mas que vestem sem pudor a pele de «pretos»ciganos ou de outras minorias. O tal Rui Pena Pires que espoletou a atual vaga em favor das quotas para as minorias no parlamento ou nas universidades faz parte de uma universidade que nunca me deu uma oportunidade, o que me fez bater com a porta. Há minorias e minorias, «pretos e pretos», pobres e pobres. O ISCTE-IUL havia de ter vergonha nesta matéria, uma universidade carregada de brancos especializados em África – a minha área de especialização – e que fez de mim um proscrito intelectual, felizmente o preço da minha liberdade. E vejam-se as barbaridades que se escrevem e dizem sobre África. As quotas não são para os «pretos» e «ciganos», são para fabricar esquerdistas.
Mas é importante clarificar ainda outra questão. O que marca as sociedades ocidentais é o primado do indivíduo sobre o coletivo, sendo o inverso na tradição islâmica ou na tradição soviética. Isso para sublinhar que, no mundo ocidental, nunca serão os negros ou os ciganos enquanto coletivos a «subir na vida», mas todos os indivíduos de todas as pertenças raciais, e cada um por si. Negros, brancos, mestiços, pobres, remediados e todos os demais. É por serem assim que as sociedades ocidentais articulam, melhor do que muitas outras, mobilidade social com coesão social.
Por isso, é do caminho cultural da descoberta do indivíduo enquanto tal de que mais necessitam os segmentos que mais recentemente se vão integrando na tradição ocidental, as minorias.
Acontece que só é possível libertar o indivíduo do seu grupo de pertença primário ou natural (racial, religioso, étnico) quando o meio social é favorável à crítica social, ainda que ela possa ofender. É tão fundamental a crítica social entre os mais variados grupos de pertença, quanto – como muito bem explicou Nietzsche – a crítica virada para o interior do próprio grupo de pertença. A última é a condição primeira da libertação do indivíduo do coletivo primário a que está filiado, isto é, nenhum indivíduo é livre se não partir de pressuposto de criticar sempre que entender o seu grupo de pertença, a sua religião (pessoal, familiar ou dos ascendentes), o seu estado, os que no quotidiano estão mais próximos de si, as suas origens. Sem isso não existe liberdade que, no Ocidente, ou é individual ou simplesmente não existe. E não existindo nas sociedades livres e dinâmicas, o indivíduo não se consegue afirmar.
A desgraça negra, cigana ou islâmica que há décadas as empurra para a guetização é justamente filha do paternalismo da esquerda. O texto de Maria de Fátima Bonifácio deixou isso a nu. A esquerda impede, e de forma dolosa, qualquer crítica vinda de fora às minorias raciais, étnicas ou religiosas. Quem o faz é logo «racista», «islamofóbico», entre outros rótulos que visam o seu silenciamento e, se possível, assassinato social da branca ou branco que arrisque tal ousadia. Desse modo, não apenas o indivíduo pertencente a minorias sensíveis não se liberta do seu coletivo guetizado, como ainda quem pertence a uma minoria está interditado de criticar os seus grupos de pertença ou, no mínimo, o aparelho ideológico em peso (imprensa, universidades, ensino, partidos políticos, intelectuais, meios artísticos) desincentiva fortemente tais ousadias.
Mesmo que tenha razões de sobra (querer estudar, viver tranquilo, trabalhar, estar em casa em segurança e sem ser incomodado pela música do vizinho, educar os filhos e filhas, entre outros), o pobre não pode criticar o pobre, o negro não pode criticar o negro, o cigano o cigano, o islâmico o islâmico, por aí adiante. Todos só podem criticar o branco. É assim que a esquerda, a nova escravocrata, os educa a afundarem-se nos seus bloqueios e traumas.
A esquerda branca cujos rostos andam pelas universidades e pela comunicação social – Rui Pena Pires, Boaventura Sousa Santos, Manuel Carvalho, Ferreira Fernandes, Daniel Oliveira, Fernanda Câncio, Isabel Moreira, Alexandra Lucas Coelho, entre tantos outros – transformou a pobreza material das minorias, por tradição circunstancial, em miséria moral que torna a pobreza endémica. Estamos perante um grupo de indivíduos com rostos e nomes concretos (fora os internacionais) que mais tem produzido pobreza, instabilidade social, violência, desintegração social entre as minorias. Sujeitos moralmente patológicos.
Claro que estas matérias não se esgotam aqui. Mas é por uma profunda diferença na orientação da moral social (matéria para outros textos) que são contranatura – e ainda bem! – as aproximações entre a direita e a esquerda. Não vejo qualquer problema moral, bem pelo contrário, na aproximação entre a direita moderada e ideias e movimentos que uns apressados rotulam de extrema-direita. Antes vejo um problema moral profundo na aproximação entre a direita moderada e a esquerda moderada e qualquer outra esquerda, as últimas moral e intelectualmente falidas e, por isso, nociva para as sociedades.
Gabriel Mithá Ribeiro in Observador 

D. Sancho - La Rose

Em 09fev.2019, e a propósito da passagem dos centenários de Fernando Namora, Sophia Andressen e Amália, o espectáculo na Oficina da cultura em Almada.
Cantei, a pedido do Jorge Silva, a canção "La Rose" de Gilbert Bécaud.
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quinta-feira, 25 de julho de 2019

Manuel Sobrinho Simões

“Há 100 mil anos, quem fosse vegetariano morria. Ficámos espertos porque comemos carne”

Resiste ao telemóvel e ao computador. É uma forma de preservar o tempo. A idade tornou-o “hiper frenético”, confessa. A velhice é o que mais o inquieta. O país vai ter de se adaptar.
Como ficámos espertos? Como é que vimos de uma célula às escuras, sozinhos, todos iguais? As perguntas multiplicam-se. Se estivesse hoje a começar, Manuel Sobrinho Simões, eleito em 2015 o patologista mais influente do mundo, dedicava-se às neurociências ou aos mistérios do desenvolvimento. É fascinado pela complexidade, que ao mesmo tempo o assusta e baralha. Na Anatomia Patológica e no estudo do diagnóstico do cancro encontrou um terreno objetivo, mais “fácil” do que doenças do foro mental e outras tantas orgânicas, até quando entram os genes. “Dentro das ciências biológicas, a genética é a única coisa que é uma ciência mesmo, o resto é muito arte”, diz. E como o Homem é capaz de arte é outro mistério. Não tem telemóvel nem computador no gabinete, é uma espécie rara. Aos 71 anos, o tempo anda sempre contado. Depois da conversa, esperam-no duas patologistas, da Jordânia e de Abu Dhabi, a fazer uma pós-graduação no IPATIMUP, o instituto de investigação em patologia e imunologia molecular e celular da Universidade do Porto, que criou em 1989. Há de ajudá-las a navegar pelas imagens da tiroide ao microscópio, seguindo as suas conclusões sobre alguns dos casos que lhes chegam de fora do país. Continua a ter na transmissão do conhecimento um dos seus motores e, ao mesmo tempo, confessa uma ânsia cada vez maior de fazer coisas, estado de espírito que começou quando o declararam professor emérito e sentiu que era nada mais nada menos que o fim. Até que idade quer trabalhar? “Até aguentar”, sorri.
Nasceu na Cedofeita. Era onde viviam?
Não, nas Antas. Naquela altura nascia-se nas casas de saúde, era a Lapa. Nasci eu e as minhas irmãs.
Há pessoas que recordam até cheiros e sabores da infância. Tem dessas memórias?
Tenho muito poucas memórias. Reconstrui sempre tudo a partir de fotografias. Nem tenho a certeza se sou muito fiel. Não me lembro das minhas irmãs pequeninas, nem me reconheceria a mim próprio. Há pessoas que ficam muito parecidas, eu mudei muito. E depois ficamos com aquela dúvida, será que estamos a inventar? É verdade? Sempre tentei fixar a memória no objetivo.
Sempre gostou dessa objetividade? Já era o espírito científico?
Não é gostar, é medo da falta de objetividade. Tenho muito medo de não ser objetivo.
Mas veio-lhe de quê?
Não sei. É engraçado que sendo muito assertivo do ponto de vista profissional, sempre fui mau a lidar com a incerteza. É por isso que, de resto, fui para patologista. Queria ser médico mas não queria ver doentes. Tinha medo de errar
Mas errar no diagnóstico também é mau, não?
Mas é muito raro. Há mais defesas, segundas opiniões.
Não teria coragem de assumir uma falha perante o doente?
Coragem tinha, mas sofria. Nunca gostei de perceber que os elementos emocionais me tiravam objetividade. Se gosto muito de uma pessoa, se tenho muita ternura por um velhinho, se tenho pena de uma pessoa que está muito doente, isso tira-me segurança.
Sendo filho de médico, era obrigatório seguir Medicina?
Não, mas era cultural. O meu pai nunca forçou. Era bioquímico, interessei-me pela biologia. Percebi logo que queria ser médico e estudar, no sentido de perceber as doenças. 
Nunca se arrependeu de não ter ido para o lado clínico? Não há o retorno de salvar.
Pois, o patologista não sente nada. Tem o gosto de ajudar, é-se muito orgulhoso, gostamos de acertar num diagnóstico difícil, em que percebemos que se ia fazer uma burrice. Mas é uma manifestação de vaidade, se quiser, é totalmente uma questão interna. O doente nunca percebe nem nós vemos depois o impacto, o próprio clínico disfarça. Mas é engraçado a forma como esta questão da incerteza acaba por me moldar.
Era daqueles miúdos que, quando não sabia a resposta no teste, não respondia, não inventava?
Exatamente. E hoje em dia é o mesmo: as perguntas fraturantes, a eutanásia, o aborto, vejo-me sempre à rasca.
Em ter uma opinião?
Para mim tenho. Agora extrapolar para os outros, isso não. Tenho dito isto muitas vezes e as pessoas ficam sempre irritadas. Trabalho com cancro. O cancro é das doenças mais fáceis que há: as células não pensam, o cancro não pensa. 
O cancro não pensa, multiplica-se?
Sim, por variáveis que são dificílimas de topar, mas multiplica-se.
E por questões genéticas.
Essa é a parte mais fácil, os genes que herdamos e aumentam o risco. Depois é verdade que há mutações ao longo da vida muito relevantes, coisas somáticas, porque se fuma, porque nos pomos ao sol, por infeções crónicas. Mas, dentro das ciências biológicas, a genética é a única coisa que é uma ciência mesmo, o resto é muito arte. Hoje no cancro tratamos mal os doentes avançados, os doentes precoces tratamos muito bem e cada vez melhor. Agora um tipo esquisito do ponto de vista intelectual é muito difícil: é a diferença que os anglo-saxónicos fazem entre disease e illness. Diz-se “é maluco”. A maior parte de nós somos mais ou menos malucos. Tudo o que é espiritual, do foro mental, e mesmo o que é orgânico - a sinapse, a ligação de células - é extraordinariamente complexo e difícil. No cancro não, as células multiplicam-se, são filhas da mesma mãe. 
No seu livro sobre o cancro, começa por explicar que neoplasia significa tecido novo. 
É a boa definição. O benigno é o tecido novo que respeita as nossas fronteiras. O maligno, sinónimo de cancro, é quando não respeita. E a forma como se desenvolve é muito determinada pelo hospedeiro, pelo órgão e pelo microambiente e tudo varia de pessoa para pessoa. Não há um cancro. Se for uma velhinha de 80 anos, um rapaz de 15 anos, uma coisa da tiroide ou da próstata; se tiver uma resposta imunitária diferente, alguém que fez um transplante e não tem resposta, são casos extraordinariamente diferentes. Agora, apesar de isto tudo, para mim será sempre muito mais fácil de perceber do que você estar deprimida.
Acha que algum dia será possível perceber o cérebro com esse detalhe?
Não sei, adorava. Se fosse agora, ou estudava neurociências ou o desenvolvimento. Como é que vimos de uma célula às escuras, sozinhos, todos iguais? Todos nós fomos essa primeira célula. É uma coisa extraordinária. Como é que as células se juntam, aparece o narizinho, com os erros todos que podia haver? Quase sempre que há erros as células morrem, foi assim que se deu a evolução. Somos filhos dos que sobreviveram, ao longo de milhões de anos. Antes de sermos homens éramos hominídeos, antes de hominídeos éramos primatas não humanos e por aí fora.
Guardamos ADN de quantas gerações?
Se falamos de ADN vírico, temos uma grande percentagem de material genético nosso hoje que é considerado ADN de mamífero que foi incorporado há milhões de anos através de vírus. É o que tem graça nos genes, saber de onde viemos. Não é saber o futuro. O futuro é estilo de vida, é comportamento. Os genes dizem-nos que viemos todos do mesmo sítio. Condicionam quando há uma doença hereditária, mas na grande maioria das pessoas são variações menores.
Chegou a pensar-se que a inteligência estava nos genes.
Foi um erro, uma excessiva crença na genética. Hoje em dia ninguém acredita nisso. Mas voltando àquela pergunta que estava a fazer das gerações: encontramos no nosso ADN muitas sequências que vêm de animais muito inferiores.
Macacos?
Muito mais inferiores. Ou plantas. Vá para os brócolos. Os brócolos têm aí 15% de biologia connosco. Vivemos todos das mesmas células originais, quando tudo começou, quando começaram as bactérias. Claro que quando nos separámos não era este brócolo, era o ascendente do brócolo.
Estamos então a comer...
Primos afastados, sempre [risos]. Se for um pato já é um primo menos afastado. 
Isto pode baralhar os vegetarianos.
Bom, mas aí entra a questão da carne, do sofrimento. E é verdade que exageramos no consumo de carne, há um consumo como se não houvesse amanhã e hoje em dia é possível que as pessoas façam um auto-controlo e algumas sejam vegetarianas, mas temos de perceber que há um milhão de anos, ou há 100 mil anos, quem fosse vegetariano, morria. É um luxo.
É um luxo do homem moderno?
Não tenha dúvidas. Ficámos espertos porque comíamos muita carne.
Mas por causa do ferro?
Do ferro, magnésio, mesmo a proteína.
Quem não come carne corre o risco de regredir?
Não, agora não, e há muitas formas de compensar nos nutrientes. E aí está mais uma questão que me levava para as neurociências: como é que ficámos espertos em 8 mil anos? Ficámos espertos como o diabo. Eu não sou crente, nunca fui, mas acho que há qualquer coisa de extraordinário num tipo que num curto espaço de tempo fica assim esperto.
Alguns autores defendem que o controlo do fogo muito antes foi crucial, poder dormir mais tempo, em segurança.
Sim. E ficarmos de pé. Mas não deixa de ser assustador como ficámos tão espertos, tornámo-nos predadores como ninguém. E continuamos a aumentar: não há mais nenhuma espécie a aumentar, nós comemos tudo. E não vamos caber no planeta, que é outro problema. O Homem tornou-se quase sagrado: começa a tocar música, a cozinhar, a cantar. Foi muito chato pormo-nos de pé, mas libertámos as mãos e começámos a escrever. Antigamente dizia-se que o que distinguia o Homem de outras espécies era saber que vai morrer. Hoje em dia sabemos que há muitas espécies que sabem que vão morrer. Não sei em que momento é que sabem, há quanto tempo, mas vemos os elefantes, alguns peixes... Retiram-se. Não é por aí. Não é também a vocalização, há muitos animais que comunicam, as formigas.
O que é? A auto consciência?
Auto consciência e capacidade de abstração que se representa pela escrita.
Os pássaros não fazem desenhos no céu quando voam?
Não é igual. Quer dizer, vão para ilhas pequeninas, voam de um sítio para outro milhares de quilómetros. É um GPS. Diz-se que é o instinto. O instinto é a memória da espécie. Se estamos cá é porque a espécie sobreviveu a fazer assim. Sei que é uma vulgata de Darwin, mas a gaivota que vai e não acerta, morre. E nós durante milhares de anos, milhões de anos, fomos sempre selecionados pela eficiência, pela sobrevivência.
E o que se segue para o Homem?
Agora fala-se da substituição de homens por robôs. Vamos diminuir o emprego, a não ser que encontremos uma forma de ocupar as pessoas. Haverá o lado social, tomar conta de crianças, velhinhos, funções em que é preciso um fator humano. Mas o operariado clássico vai ser substituído. Como vai ser? Não sei. Teria tendência a achar que as crianças, uma vez que vão viver num mundo em que vai haver muitos robôs, em vez de as treinar na matemática e na física, deviam ser treinadas era na arte, na música ou na dança. Mas estou a inventar, não sei nada disto: sou um gajo que vê ao microscópio e faz diagnóstico de cancro. Recebemos casos e analiso, isto é a minha vida, muito objetiva.
Recebe amostras de todo o mundo?
Sim, em parafina ou lâmina, faço 200 ou 300 casos para fora de Portugal.
Sempre de tiroide?
Sim, claro, ai de mim.
De todos os órgãos, porquê a tiroide?
Quando fui para o Serviço de Anatomia Patológica, ainda aluno do último ano do curso, havia no Norte de Portugal muita patologia da tiroide e eu queria estudar casos reais, doentes. Ainda por cima, tínhamos sido desafiados a apresentar, em 1971, na Reunião Luso-Espanhola em Sevilha, a experiência do nosso serviço. Foi assim que comecei. Depois a tiroide entranhou-se, como diz o outro…
Como se chega ao patologista mais influente do mundo?
[risos]. Fui presidente da Sociedade Europeia de Patologia muitos anos, antes disso secretário muitos anos. Foram muitos anos em que Portugal era periférico, trabalhava muito com a Noruega, e conseguimos desenvolver a escola de Patologia na Europa, no norte de África, ainda hoje faço toda a patologia da Argélia. Fiz cursos na Turquia, na América do Sul, sempre com a ideia de desenvolver o diagnóstico. Acho que não ganhei a votação pelos americanos e canadianos, foi pelos sul-americanos, asiáticos. Gosto do contacto com os jovens, com os internos, de poder ajudar os alunos.
Como olha para a Saúde em Portugal? Para a resposta do SNS?
Não sei o suficiente da clínica. Desenvolvemos uma Medicina muito boa em Portugal. Tivemos uma evolução extraordinária na mortalidade infantil, na esperança de vida. O que me preocupa? Além de termos poucas crianças, temos muita obesidade e diabetes infantil. Vamos pagar por isso. Temos mais do que Espanha, do que a Galiza.
Se já somos dos países europeus com uma esperança de vida com menos tempo de qualidade de vida, há o risco de piorar?
Acho que esse é o grande ponto. Vamos ter uma questão de compaixão, uma população cada vez mais envelhecida a precisar de cuidados. Era o avanço que mais gostava de ver: o aumento do tempo de vida com qualidade da vida, preservando a autonomia, a capacidade funcional e a alegria das pessoas envelhecidas. Agora temos de começar a olhar desde já para as crianças. As crianças têm de saber saltar à corda, mais ninguém tem cáries como nós. Estamos a ter em Portugal uma grande quantidade de chatices por falta de cuidado inicial. Temos poucas crianças e não estão a ser bem acompanhadas. Vemos até mais alcoolismo, o tabagismo não melhorou tanto como esperaríamos: nos adultos sim, nos jovens nem tanto, sobretudo nas raparigas. Mas há outras questões que não são exclusivas de Portugal como a falta de empatia. Os miúdos estão muito centrados em si mesmos. Não sabemos qual vai ser o resultado, mas existe um claro problema de socialização e comunicação.
À conta dos telemóveis, dos tablets?
Também, sim.
Continua a resistir?
Não uso telemóvel, computador pouco. 
Não se sente a perder nada? 
Sim, perco a facilidade com que se tira dúvidas de coisas que gostava de saber.
Nem tem computador no seu gabinete.
Tenho em casa um tablet, vejo os emails à noite, e durante o dia tenho a Fátima, imprime e eu vejo.
Mas porque é que não tem um computador?
Nem sei ir bem.
Então é por isso?
Também não queria, sou muito obsessivo, ia estar sempre ligado. Faço uma coisa com o Júlio Vaz que é um podcast, “Old Friends”, nem sabia ir ver. Vá lá não fiz aquela pergunta: “A que horas dá”. Mas porque é que não tenho... Tenho uma necessidade absoluta de ter tempo. Com a idade, se tiver de identificar o que mais me assusta, primeiro é ir morrer. Depois é o tempo.
Assusta-o cada vez mais a morte?
Tenho pena. Tenho medo de sofrer, claro. Mas tenho medo de tudo, do gás, dos aparelhos elétricos, de abelhas, de cobras.
O que é que lhe metia mais medo em miúdo?
A escuridão, a luz ia muitas vezes abaixo. Mas tenho estes medos, sempre tive. Vou a Washington e não me meto no metropolitano. É medo do risco. Um risco difuso, não sei explicar. Como é que um tipo como eu, vou para toda a parte, tem estes medos? Mesmo hoje, estou a ficar um velhinho frenético. Foi o medo. Quando fiz 70 e me fizeram “professor emérito” na Universidade, tive medo. Não sei se foi de pensar que era o fim, mas tive uma coisa reativa. Em vez de diminuir a atividade, tornei-me hiper frenético.
Para mostrar que continua a ser útil?
Pode dizer isso, se calhar é. Mas faço figuras tristes de sobre comprometimento. Na outra quinta-feira à noite fui fazer uma palestra com a associação de golfistas do Norte de Portugal, para discutir envelhecimento ativo. Na sexta-feira à hora de almoço foi uma conferência sobre melhoramento humano. Nem lá pude ficar porque fui para Arouca discutir na academia sénior, umas velhinhas amorosas, cantaram cantigas de Covelo de Paivô, terra do meu bisavô. Fui discutir os desafios do século XXI. Envelhecimento ativo, longevidade, solidão e insegurança. É isto.
Falta as alterações climáticas.
Eu já não vou assistir àquela coisa do Guterres com a água pelo joelho.
Não o preocupa?
Se pensar nos meus netos, claro que sim. Não está mau, está muito mau. A gente agora não morre, ainda por cima. Quando vivermos até aos 110, 120, não vamos caber. Damos cabo das outras espécies, da energia, da água. Há um esgotamento óbvio do planeta. Fogos em Arouca, estou habituado. Fiquei mais espantado quando houve na Suécia. Fiz o meu pós-doc na Noruega, é impensável ver um fogo naquelas florestas. Mas, no meio disto tudo, dou comigo preocupado com o esgotamento da atenção. O esgotamento da empatia é assustador. Os miúdos não brincam uns com os outros, não é que sejam hostis ou mal criados, mas não constroem em conjunto. E a nossa capacidade de resolver coisas com política parece estar-se a esgotar. Vamos ter desigualdades sociais. Portanto, há um esgotamento dos recursos físico-químicos, sem dúvida, mas tenho receio que demos cabo da sociedade antes de darmos cabo do planeta.
Há quem veja no combate às alterações climáticas um caminho para recuperar cidadania.
Talvez. Temos sem dúvida de reutilizar, de apostar na economia circular. Na década de 50 fez-se a revolução verde, não havia comida, incentivou-se a agricultura. Já aconteceu. Lá está, porque é que acho tanta graça às neurociências. Somos um bicho muito bom, finos, espertos, mas depois como é que pomos estes tipos a colaborar uns com os outros? É aí que estamos a falhar.
A falhar cada vez mais? Os animais cooperam, os macacos.
E as formigas. Mas, mais uma vez, quem não o faz morreu, não é bondade. A questão é que hoje temos medicamentos, temos tudo, nem se morre de infeções, porque é que havemos de cooperar? Durante milhares de anos safávamo-nos porque tínhamos diarreia, o corpo reagia. Hoje damos um medicamento, um antibiótico. Vemo-nos livres dos bichos, mas acabamos com a evolução. A única coisa que continua a evoluir é o cancro. Há cancro porque as células conservam a capacidade de fazer alguma coisa. Quando nascemos, vimos do ovo até ficarmos assim. O cancro é um clone, filho das mesmas células. Temos nas células do cancro a prova de que podemos evoluir. 
De todos os fatores, o que contribui mais para o cancro?
A longevidade e tudo o que é inflamação crónica, alimentação, microbioma. Hoje sabemos que mais doença é muito mais fruto de uma longevidade impressionante, depois em cima disto tudo um estilo de vida filho da mãe em todos os aspetos. Stress, poluição, sol, infeções. Passámos a ter muitas infeções que antes não tínhamos porque com os antibióticos demos cabo dos bichos, surgiram resistências. As crianças, super protegidas pelos pais e professores, não têm um desenvolvimento imunitário quando são novinhas e depois têm mais doenças imunitárias e crónicas. Por exemplo, foi feito este estudo, têm mais infeções graves os filhos das pessoas ricas em Manhattan do que de hispano-americanas ou afro-americanas, porque aquelas mães grávidas tinham mais exposição a tudo e passaram para os recém-nascidos anticorpos que os protegeram
Em 10, 20 anos, que doenças vamos conseguir curar?
Acho que vamos evoluir para a cura ou pelo menos para o controlo de muitas doenças neoplásicas e não neoplásicas, enquanto vamos continuar a debater-nos com a falta de soluções para outras. Desde logo porque o homem, como as doenças, é muito mais, mas muito mais, do que umas dezenas de milhares de alterações genéticas e pós-genéticas. As nossas doenças são sobretudo devidas ao ambiente (estilo de vida, comportamentos, microbiotas,…) e ao factor sorte/azar. Essas variáveis são tão diferentes de pessoa para pessoa, muito para além dos genes, que é dificílimo controlá-las. A coisa torna-se ainda muito pior com a expansão da longevidade e o envelhecimento, tanto no que diz respeito às doenças neuropsiquiátricas como à ocorrência de cancros e outras patologias. 
De tudo, o que o inquieta mais?
De longe a questão da velhice.
Daqui a 50 anos, como imagina a sociedade?
Não sei. Vamos ter muitos velhos, pessoas com 80, 90, 100. As crianças são poucas, temos de educá-las. Mas os velhos, como é que vamos cuidar deles? Pessoas com comorbidades, artroses, isto e aquilo. Sabemos que chegam aos 80 com oito doenças. Uma pessoa de Trás-os-Montes não vai poder vir às 8 da manhã na camioneta de Mirandela para ir ao especialista do coração, depois vem noutro dia para o especialista da diabetes. O sistema vai ter de ser centrado na pessoa velha e no domicílio e continuamos a trazer as pessoas para o hospital. Enquanto forem autónomas e com capacidade funcional, tudo bem, podem ter apoio em casa, telemedicina, mas vão estar sozinhos. 
Medicina personalizada, terapia genética, serão financeiramente comportáveis? 
Não será possível comportar os custos se as situações continuarem a aumentar exponencialmente. Tanto pela identificação de um número crescente de doenças e de doentes, como pelos preços exorbitantes, obscenos, de muitas terapias. Ninguém tem dúvida de que teremos de apostar, a sério, na prevenção e no diagnóstico precoce. Teremos também de conseguir amortecer os custos pessoais, afetivos e económicos com a expansão imparável dos longevos. Em muitos destes casos, a solução é “compreender e não-actuar”, sempre baseado na relação médico-doente e na aplicação prática da ética do cuidar.
Costuma lembrar que uma em cada três pessoas nascida este século vai ter cancro. 
E no futuro um em dois. Será um desafio, mas não é disso que se morre, a mortalidade por cancro não está a aumentar. Tem-se diminuído a mortalidade, está a aumentar a incidência porque as pessoas estão mais velhas. A maioria das pessoas morre de falência orgânica, sepsis. Enquanto as pessoas são autónomas, tendo apoio para não passarem a vida no hospital e de preferência havendo residências, com solidariedade intergeracional, apesar de tudo ainda é a fase boa. Depois, quando a pessoa perde autonomia, precisamos de mais cuidados continuados, paliativos. Somos muito burocráticos, temos tendência a criar silos, quando isto tem de estar integrado. E depois, como vamos morrer? Assusta como caraças. Sei que está na idade em que pensa que é imortal, mas eu também já achei que era imortal e percebi que não era. E fiz autópsias, podia ter percebido mais cedo. Mas como é que vamos morrer? Vão colocar-se questões então como a eutanásia.
Há pouco disse que não sabia responder para a sociedade. E para si?
Eu queria ser ajudado. Se perceber que tenho uma condição final, adorava que alguém, um tipo de eu gostasse muito, um médico amigo, um filho meu, me ajudasse a morrer.
Não colide com a deontologia médica?
Não sei, é uma questão complicada. Para mim consigo perceber, mas para os outros... Nunca estaria na disposição de ajudar uma pessoa morrer, a não ser que fosse muito meu amigo. O meu maior amigo.
Tem-se um maior amigo aos 71 anos?
Tenho vários amigos muito grandes.
De infância?
Amigas são de mais tarde. Mas os amigos homens vêm de quando era estudante.
Falou há pouco do Júlio Machado Vaz.
É dois anos mais novo, fui monitor dele na Faculdade.
Estudantes de Medicina no Porto. Havia rivalidade com Lisboa?
Havia, mais do que hoje. Na Medicina era uma competição muito elitista, nao era uma coisa do futebol. Havia uma competição desbragada pela afirmação da ciência, da medicina, da engenharia. Nós queixávamo-nos do Técnico, havia a ideia que eram os melhores. Felizmente o país evoluiu.
O que o irrita mais nos lisboetas?
Não tenho uma irritação. Mas gosto muito de viver no Porto. Mas há os tiques da capital.
Por exemplo?
São mais fake.
Somos mais fake?
Claro, não se compara [risos]. Até na linguagem, nós usamos o calão. O Porto é muito inbred e Lisboa não é, é a primeira grande diferença. Aqui no Porto somos todos primos e cunhados uns dos outros. Em Lisboa a população é muito flutuante, foi muita gente para lá. E desenvolveram-se muito os serviços, que criaram uma classe média, que no Porto não há. No Porto havia profissões liberais, uma classe média alta talvez, e uma classe baixa, não havia a classe média. Em Lisboa à hora de almoço está tudo cheio de gente que trabalha nos serviços. Não se compara, aqui as pessoas almoçam sobretudo em casa.
Mas porque é que somos mais fake?
Há uma competição social muito maior, que depois se passou para a política e para os edis, ligados aos partidos e autarquias, que introduziram um elemento de made believe, que é mais evidente em sociedades mais competitivas.
O país continua demasiado centrado em Lisboa?
Isso é indiscutível. Veja-se o S. João e o Santa Maria. Eles gastam muito mais dinheiro do que nós e os resultados não são assim tão diferentes. Há menos oportunidades.
Mas alguma vez sentiu que devia ter ido para a Lisboa?
Não, nas profissões liberais sente-se menos. Outra coisa diferente é o clima. São 4, 5 graus de diferença e húmido. O Porto tem muito mais vezes mau tempo, por isso e porque há uma organização familiar mais forte, as pessoas fazem mais vida de casa. Se calhar na geração mais nova já não é tanto assim. Eu se calhar não sou exemplo, porque vou sempre aos mesmos sítios.
Vai onde?
Em Lisboa fico há 20 anos no mesmo hotel, o Avenida Palace. Em Âncora é o Âncora Mar, vou ao senhor António, chamam-lhe a cantina do Sobrinho Simões.
É o seu retiro?
Passo lá os fins de semana, exceto no verão, vou para Arouca. A minha mulher é de Âncora, o meu pai era de Arouca. Em Arouca vou ao Parlamento, à Tasquinha ou à Varandinha. Não há por onde errar. Todos os anos vou a Paris dar um mini-curso em junho. Durante anos foi na Sorbonne, este ano foi na Salpêtrière. Tínhamos 20 pessoas de dez países. Tive de arranjar outros sítios. Estava com a minha mulher e comemos num restaurante. Num segundo dia fomos a um jantar e no terceiro dia voltámos ao primeiro restaurante. No último dia, chegado de novo a uma zona de Paris, já lá queria ir outra vez. Estava fechado. Cá está, há qualquer coisa de obsessivo.
Nunca fez terapia? 
Não. Sou muito behaviourista, adapto-me. Sou muito selvagem. Tive sempre a preocupação de me perceber, mas preciso de ter soluções que passem pela ação.
Identifica as suas manias e vive com elas.
Isso, não as tento mudar, vivo o meu dia a dia com pouca graça mas é assim.
Também é pisco a comer?
Ao almoço tem de ser. Se comer bem, bebo vinho ou cerveja, e fico com sono. Agora que estou mais velho ainda é pior. No ano passado adormeci na autoestrada, dei cabo do carro. Felizmente eram quatro e meio da tarde, chamei a polícia, para ver que não estava bebido, mas sei que tinha comido bem. A cultura dos espanhóis de dormir a sesta faz sentido.
Das mensagens que transmite aos seus alunos, o que faz sempre questão de vincar? 
Trabalhar, perguntar, trabalhar.
É isso que define o sucesso?
Não tenho dúvida. Quando não percebe, pergunta, quando tem curiosidade, pergunta e depois tem de trabalhar.
Era um aluno perguntador?
Muito, sempre muito. E ainda hoje. Passo vergonhas. Podia ter ficado suficientemente inteligente para não fazer perguntas estúpidas, mas na dúvida pergunto sempre. Não resisto. Ficam a olhar para mim, os ingleses sobretudo. “Do you really mean?”. E trabalhar, aprende-se a trabalhar. Vou fazer dia 16 em Serralves uma conversa com o Gonçalo M. Tavares num ciclo de arte e espiritualidade organizada pelo Pedro Abrunhosa. Vou falar do erro como aprendizagem.
Qual foi o erro com que aprendeu mais?
Erros de diagnóstico, de longe. Uma vez disse que era um cancro e não era. Tiraram o esófago ao doente, ia morrendo. Teve complicações, mas sobreviveu, mas com grande sofrimento. Cada vez mais não fazemos as coisas sozinhos, mas no começo das biopsias errava-se. Sempre que tive um erro grande aprendi. Erro de diagnóstico, erro de apreciação, uma burrice que disse. Sempre que fui injusto, aprende-se muito.
Ter tido um AVC mudou muita coisa?
Aumentou o medo.
Não lhe trouxe nenhum talento?
Não, perdi muitos. Perdi memória de nomes individuais. Figueiredo. O gajo é José ou Manel Figueiredo? Não faço ideia nenhuma. Perdi nomes e memória imediata. Se me está a contar uma história, posso esquecer-me.
Mas já não anda com um caderninho, ao início tinha dificuldade em dizer algumas palavras.
Já não. E se pegar num jornal e ler uma notícia alto, já consigo ler bem, mas não percebo puto. Fiquei com uma coisa qualquer
Foi muito grave?
Não, agora à posteriori sei que foi pequenino. Não sabia dizer gato, mostraram-me e só sabia que não era um tigre. Fiquei com medo de ficar diminuído. 
Foi no 13 de maio.
No ano passado.
Não ficou nem um bocadinho mais crente?
A minha mãe é que acha que foi um milagre. Fui sempre educado religiosamente e sempre tive uma ternura grande pela virgem, nasci no dia 8 de setembro, dia das festas em Arouca. A minha mãe achou sempre que eu era um ungido. Nunca acreditei, mas também nunca fui um ateu, fui um agnóstico com pena de não ser crente. E vejo este mistério extraordinário. O b-a-bá biológico resolve as coisas do cancro, não resolve este mistério de um homem tocar violino. 
Até que idade quer trabalhar?
Até aguentar [risos]
No país, o que o preocupa mais?
A pobreza, ainda há muito por fazer.  

sábado, 20 de julho de 2019

Reflexão - LBC

If you have any doubts, just make an apointment with...a shrink!...

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Reflexão - Why i'm a atheist

My atheism does not make me superior to believers. It's a leap of faith too


It’s easy to look at terror done in the names of different gods and think, look at these foolish religious folk. But we’re in no position to cast the first stone
prayer
I don’t believe in a higher power, but the fact we’ve never proven there isn’t one means there could be a God. Photograph: Chris Hondros/Getty Images

There are many different ways in which people come to atheism. Many come to it in their early adult years, after a childhood in the church. Some are raised in atheism by atheist parents. Some come to atheism after years of religious study. I came to atheism the way that many Christians come to Christianity – through faith.
I was six years old, sitting in my frilly yellow Easter dress, throwing black jelly beans out into the yard, when my mom explained the story of Easter to me. She explained Jesus’s crucifixion and resurrection as the son of God, going into great detail. And when she was finished telling me the story that had been a foundation of her faith for the majority of her life, I looked at her and said: “I don’t think that really happened.”
I didn’t come to this conclusion because the story of a man waking from the dead made no sense – I wasn’t an overly analytical child. I still enthusiastically believed in Santa Claus and the Easter bunny. But when I searched myself for any sense of belief in a higher power, it just wasn’t there. I wanted it to be there – how comforting to have a God. But it wasn’t there, and it isn’t to this day. 
The same confidence that many of my friends have in the belief that Jesus walks with them is the confidence that I have that nobody walks with me. The cold truth that when I die I will cease to exist in anything but the memory of those I leave behind, that those I love who leave are lost forever, is always with me. 
These are my truths. I don’t like these truths. As a mother, I’d give anything to believe that if anything were to happen to my children they would live forever in the kingdom of a loving God. But I don’t believe that. 
But my conviction that there is no God is nonetheless a leap of faith. Just as we have been unable to prove there is a God, we have also been unable to prove that there isn’t one. The feeling that I have in my being that there is no God is what I go by, but I’m not deluded into thinking that feeling is in any way more factual than the deep conviction by theists that God exists. 
I keep this fact in mind – that my atheism is a leap of faith – because otherwise it’s easy to get cocky. It’s easy to look at acts of terror committed in the names of different gods, debates about the role of women in various churches, unfamiliar and elaborate religious rules and rituals and think, look at these foolish religious folk. It’s easy to view religion as the root of society’s ills. 
But atheism as a faith is quickly catching up in its embrace of divisive and oppressive attitudes. We have websites dedicated to insulting Islam and Christianity. We have famous atheist thought-leaders spouting misogyny and calling for the profiling of Muslims. As a black atheist, I encounter just as much racism amongst other atheists as anywhere else. We have hundreds of thousands of atheists blindly following atheist leaders like Richard Dawkins, hurling insults and even threats at those who dare question them
Look through new atheist websites and twitter feeds. You’ll see the same hatred and bigotry that theists have been spouting against other theists for millennia. But when confronted about this bigotry, we say “But I feel this way about all religion,” as if that somehow makes it better. But our belief that we are right while everyone else is wrong; our belief that our atheism is more moral; our belief that others are lost: none of it is original.
Perhaps this is not religion, but human nature. Perhaps when left to our own devices, we jockey for power by creating an “other” and rallying against it. Perhaps we’re all part of a system that creates hierarchies based on class, gender, race and ethnicity because it’s the easiest way for the few to overpower the many. Perhaps we all fall in line because we look for any social system – be it Christianity, Islam, socialism, atheism – to make sense of it all and to feel like we matter in a world that shows time and time again that we don’t. 
If we truly want to free ourselves from the racist, sexist, classist, homophobic tendencies of society, we need to go beyond religion. Yes, religion does need to be examined and debated regularly and fervently. But we also need to examine our school systems, our medical systems, our economic systems, our environmental policies. 
Faith is not the enemy, and words in a book are not responsible for the atrocities we commit as human beings. We need to constantly examine and expose our nature as pack animals who are constantly trying to define the other in order to feel safe through all of the systems we build in society. Only then will we be as free from dogma as we atheists claim to be.

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Health - Why I won't get a colonoscopy

Why I Won't Get a Colonoscopy

I recently visited a doctor for one problem, and, as doctors are wont to do, he recommended tests for completely unrelated problems. My hearing has seemed muffled lately, so I wanted the doctor to peer in my ears. He said my ears looked fine; I'm probably just experiencing normal, age-related hearing decline. (Delayed effects, no doubt, from sitting in the front row during a Jimi Hendrix concert in 1968.)
The doctor asked me when my last check-up was. Five years ago, I said, after I got a sports hernia playing hockey, but I feel fine. He nonetheless recommended a blood test for high cholesterol and other potential problems, a PSA test for prostate cancer and maybe a screen for colon cancer. No thanks, I said coldly, and left his office. Little did he know he was talking to an anti-testing nut. 
As I reported last fall, men are 47 times more likely to get unnecessary, harmful treatments—biopsies, surgery, radiation, chemotherapy—as a result of receiving a positive PSA test than they are to have their lives extendedaccording to a major study


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As for screening for colon cancer, a new study allegedly finds merit in colonoscopies, a nasty, expensive procedure in which a physician sticks a cable tipped with a camera and clippers up your butt and snips off suspicious-looking lumps on the wall of your bowels. The study, published in the New England Journal of Medicine, involved 2,602 patients tracked for up to 23 years after they had colonoscopies resulting in the removal of polyps. Twelve people in this group died of colon cancer, compared to an average of 25.4 people in the general population.
New York Times editorial proclaimed that the study "ought to goad millions who are still ducking [colonoscopies] to get over their squeamishness." The study ought to do no such thing. First of all, it was not a randomized clinical trial. The screened group might have been healthier to begin with than the non-screened group.
Second, the study looked only at death from colon cancer and not from all causes. The physician James Penston, a consultant to England's National Health Service, argued in the British Medical Journal last October that all-cause mortality is a better measure of the value of screening, both because attributing cause of death can be unreliable and because screening itself can be harmful.
"Invasive procedures may have fatal complications, while overdiagnosis—that is, the identification and treatment of tumors that otherwise would have caused no disease—may also result in death," Penston stated. According to Penston, meta-analysis of four randomized trials involving 300,000 people found that tests for bowel cancer did not reduce overall mortality rates.
Another analysis of British data on colon cancer, by the watchdog group Straight Statistics, concluded that screening 1,000 patients for 10 years will prevent two deaths from the disease. Meanwhile, colonoscopies lead to "serious medical complications" in 5 out of every 1,000 patients, according to a 2006 report in the Annals of Internal Medicine. Given these risks, my guess is that a rigorous examination of colonoscopies will find that their benefits do not outweigh their downside.


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The New York Times, perhaps to offset its ill-considered editorial plug for colonoscopies on February 24, ran a rebuttal of sorts three days later from H. Gilbert Welch, a professor of medicine at the Dartmouth Institute for Health Policy and Clinical Practice and author of Overdiagnosed: Making People Sick in the Pursuit of Health (Beacon Press, 2011). Welch wrote:
"Screening the apparently healthy potentially saves a few lives (although the National Cancer Institute couldn’t find any evidence for this in its recent large studies of prostate and ovarian cancer screening). But it definitely drags many others into the system needlessly—into needless appointments, needless tests, needless drugs and needless operations (not to mention all the accompanying needless insurance forms). This process doesn’t promote health; it promotes disease. People suffer from more anxiety about their health, from drug side effects, from complications of surgery. A few die. And remember: these people felt fine when they entered the health care system."
Now that's a healer who adheres to the ancient precept: First, do no harm. The next time a doctor urges me to get unnecessary tests, I'm going to email him Welch's essay.


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Image courtesy Wikimedia Commons.


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Música - Diogo (com António Chaínho no Trindade)

Em 16.07.2019 no Teatro da Trindade com António Chaínho.
Pé ante pé...