sábado, 29 de julho de 2017

sábado, 15 de julho de 2017

Saúde- Perda de memória ( 13.07.2017 )

Em 13. 07.2017 perda súbita de memória. (escrito a partir da gravação que Isa fez no TM)

Tínhamos programado ir para as Termas das Caldas de Felgueiras no dia seguinte (14.07.2017). Íamos ficar em casa dos pais da Isa, em Campo de Ourique, para assim ser mais fácil chegar à Gare do Oriente e apanhar o inter-cidades pelas 08.35. 
Fomos de manhã para Lisboa, a isa foi ao ginásio, almoçámos em Campo de Ourique, fomos comprar a secretária para o apartamento da Miguel no IKEA  e depois regressámos a casa dos pais. Adormeci na sala a ver televisão. Como a televisão estava muito alta, Isa disse para ir dormir para o quarto. Acordei e fui para a cama. 
Fizemos amor e tive aquela dor de cabeça que já tenho há anos neste momento, mas com baixa intensidade. Decidi ir tomar banho e Isa foi para a sala ver televisão. Demorei-me muito tempo e Isa ouvia a água do duche a cair. Resolveu ir ver o que se passava. Eu estava de olhar fixo no chão do polyban com água a cair-me em cima, com olhar perdido. Isa perguntou-me quando acabas de tomar banho? Eu não respondi logo, continuei a olhar para o chão. Isa Insistiu e eu retorqui : estou aqui um bocado perdido. Isa não percebeu o que eu queria dizer com aquilo. ISA perguntou o que queria eu dizer? Aos poucos lá fui dizendo que estava confuso, que estava perdido, e comecei a perguntar o que estava ali a fazer? 
Eu não sabia o que estava ali a fazer! Não me lembrava de nada. Nem das termas para onde íamos no dia seguinte, nem que tínhamos ido ao IKEA, etc. Não me lembrava de nada do que tinha feito naquele dia nem no passado recente. Nem de ir ao aeroporto buscar o Luis Filipe no dia anterior. Isa trouxe-me para a sala, e comecei a insistir nas mesmas perguntas: - porque é que estou nu? O que é que estamos aqui a fazer? Que dia é hoje? Que horas são?  
E as perguntas eram sempre as mesmas! E dizia que estava baralhado, confuso. E voltava às mesmas perguntas. Dentro do mesmo minuto fazia três vezes a mesma pergunta: - que dia é hoje? Que horas são? Porque é que estou nu? Às vezes variava: -porque é que estive a tomar banho? Então eu adormeci? Adormeci porquê?
- Aqui na sala, retorquia a Isabel. -Mas aqui na sala? Respondia eu. E estive quanto tempo a dormir? E as perguntas eram assim em ondas mas sempre à volta disto. Sempre que Isa respondia, eu voltava às mesmas. 
Foi quando Isa optou por escrever as respostas num papel. E foi assim que quando eu fazia a pergunta, Isa mostrava a resposta escrita no papel. Entretanto Isa estava a ver que não estava em condições de aproveitar a viagem do dia seguinte, e telefonou à Aurora para saber se queria aproveitar a viagem? Disse-lhe o que se passava. E ela aconselhou-nos a ir à CUF. Aliàs tal como o pai que igualmente a aconselhou a ir à Cuf. 
Isa estava à espera que, assim como fiquei sem memória, a recuperasse igualmente . Como Aurora falou na possibilidade de embolia cerebral, Isa chamou um táxi e lá fomos para a CUF. Na Cuf estivemos quatro horas no total. Chamaram para a triagem, deram a pulseira cor de laranja. Fui atendido pelo médico que mandou fazer TAC. 
No TAC estava muito desorientado e como não percebia o que estava ali a fazer a técnica veio chamar a isa para ter um apoio para fazer o TAC. Fiz o TAC, trouxe de volta para a sala e queixei-me de uma pressão do lado esquerdo do peito. Isa foi ter com o médico que mandou fazer um electrocardiograma. 
Chamaram-me pouco depois, fiz o ECG . Como não tinha a noção de quão perdido eu estava demorei a dar com a sala de espera porque andei perdido lá dentro. O enfermeiro que fez a triagem veio dizer para eu fazer análises. Chamou 15 minutos e Isa disse-me para me trazerem porque senão iria andar aí perdido. (Não sei se te terás lembrado mas alguém te terá trazido à sala). Vinha com um cateter na mão, não fosse necessário administrar algo. Enquanto lá estivemos continuei a fazer as mesmas perguntas.
Como nao tinha nada que escrever, Isa  passou a escrever as respostas no telemóvel e mostrava-me. -Que dia é hoje? Que hospital é este? Que horas são? Já me chamaram? Que me mandaram fazer?
Logo a seguir eu perguntava: -já me chamaram? Então e vou fazer algum exame? -Fizeste um TAC. E era constante. E quando eu perguntava Isa mostrava a resposta no telemóvel. Estavam lá as respostas todas. Como viemos? Como me trouxeste? Já me chamaram? O que é que o médico disse? 
Depois da 1ªavaliacao, o médico disse que suspeitava de um AVC. Depois de lá estarmos três horas e meia, então o médico veio ter comigo e disse que não havia sinais de AVC, que estava sedado, a dormir. O ideal, em virtude de não terem camas, seria eu ficar lá em observação. Ficava sentado numa cadeira. Aconselhou-nos então a ir para casa onde estaria mais confortável, devendo ser continuamente observado por Isa, ir vendo o que se passava e caso houvesse alterações levar de novo ao hospital. Se não, ver como acordava, e entretanto ir na terça fazer uma consulta de neurologia.  
Isa foi ter comigo, estava a dormir, com um cateter na mão. Isa esperou que me tirassem o cateter, pediu na recepção que chamassem um táxi, marcou consulta de neurologia para terça seguinte. O táxi veio logo.  
Depois eu nao parava de fazer perguntas apesar de estar sedado. As mesmas perguntas: -Porque fomos ao hospital? Fizeram-me algum exame? O que é que eles disseram? 
Isa notou ao longo da noite que eu ia retendo alguma informação. Lembrava-me do enfermeiro que me tinha atendido, do médico , quando Luiz falou com o médico tive a preocupação de dizer ao médico para ir ter com Isa para a acalmar. O médico notou que Isa estava calma quando falou com ela. Ao longo da noite isa notou ligeiras melhorias, ou seja, apesar de as perguntas serem as mesmas, havia pequenas coisas que ía retendo, o que não acontecia antes.
Na cama não parava de falar e Isa estava cansadíssima porque já eram três e tais da manhã. Lá me mandou calor e adormeci logo. 
Dormi muito pouco. O normal é eu dormir oito nove horas sem estar sedado. Nessa noite dormi e de manhã acordei bem e estava a lembrar-me de tudo. Ainda um bocado perdido, por causa de não estar habituado a tomar calmantes e comprimidos para dormir. Fizemos a revisão do dia anterior. Havia coisas, por exemplo, eu sabia o nome da minha mãe mas não recordava que estava no lar ( na noite anterior), sabia que Filipe estava na Suíça mas não me lembrava que estava em Portugal e eu o tinha ido buscar. Outra pergunta que eu fiz no hospital era se Isa já tinha dito aos meus filhos? E Isa dizia que não e eu voltava a perguntar. Fazia perguntas sobre o Filipe e sobre o Diogo. Levantámo-nos, tomámos o pequeno almoço, entretanto Isa tinha telefonado para a CP por causa dos bilhetes e da possibilidade de adiamento da viagem. 
Fomos a Sta. Apolonia e teve de ser a Isa a tratar do assunto, já que eu fui lá mas não consegui pois ainda estava baralhado.

NOTA - no dia seguinte mantenho uma sensação na parte traseira (perto da nuca) ligeiramente sobre a direita, no local da dor de cabeça que aparece no final do acto sexual, quase dor de cabeça mas sem o ser.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Música - The Chieftains

Incluído na série Fargo (S2)  

Deep Purple

Em 04.07.2017 fui assistir, com o Jorge Infante, no Pavilhão Atlântico, ao espectáculo dos Deep Purple. Oferta do Filipe a mim e ao mano, o Diogo declinou, pelo cansaço e pela vida profissional que tem tido. Optou por ceder o bilhete.
Para lá de ter sido um espectáculo de duas horas em pé (Filipe!, querido filho!, o teu pai fez 50 e dez anos!!, não me lembro do mal que te fiz para me ofereceres um bilhete destes :)), de ter tido alguns jovens da mesma idade e outros bem mais novos à minha volta, ter ficado com metade dos gajos com 1,80m (ou mais) de altura à minha frente, foi agradável recordar o "Lazy", o "Black Night", o "Strange Kind of woman" entre outras. O som, aquele som dos DP com a sonoridade inconfundível do órgão, com aquela guitarra eléctrica e a voz do Ian Gillan, continua cá dentro. E com ele, claro, a saudade dos bailes e daqueles tempos tem de vir à tona! Grandes tempos!
De resto, alguma malta continua a querer charrar, beber, fumar, etc., mais do que assistir propriamente ao espectáculo.
A repetir mas...sentado :)















'Grande Adeus' dos Deep Purple aterra em Lisboa

Acaba hoje na capital portuguesa a primeira parte da digressão da banda inglesa. Seguem-se os Estados Unidos, naquela que poderá ser a última grande viagem pelos palcos.
Qual a canção que já foi cantada 2929 vezes por 197 artistas, entre os quais Black Sabbath, Yngwie J. Malmsteen, The Smashing Pum-pkins, Red Hot Chili Peppers, Iron Maiden, Joe Satriani, Ten Years After, Pat Boone, The Cult, Fairport Convention, Green Day, Luciano Pavarotti, Procol Harum, Sepultura, The Stone Roses, Uriah Heep, Steve Vai e Whitesnake? Que foi ouvida pela primeira vez num concerto em Minneapolis a 11 de julho de 1971? Que todos os que alguma vez pegaram numa guitarra nas últimas quatro décadas aprenderam os seus acordes iniciais? Que a banda que a compôs tocou-a pela última vez em palco em Espanha este fim de semana? E que vai poder-se ouvir em Lisboa, no Meo Arena, hoje na 16.ª posição de um alinhamento cheio de sucessos? A resposta é fácil: Smoke on the Water, dos Deep Purple.
É isso mesmo, os Deep Purple regressam hoje a Portugal numa digressão mundial em que vão interpretar os grandes temas de cinco álbuns míticos: InFinite (o mais recente), Fireball, Deep Purple in Rock, Now What? Perfect Strangers e Machine Head (onde está Smoke on the Water).
Ficam a faltar alguns temas importantes para os fãs de outros álbuns da época dourada da banda, mas nunca cabe tudo, mesmo que não seja esquecida a versão de Hush, de Joe South, aquele primeiro grande sucesso destes britânicos e que chegou ao quarto lugar da lista norte-americana da revista Billboard. Ausentes do alinhamento estarão Hey Joe e I"m So Glad que tornaram a banda conhecida no final da década de 60 mal apareceram, quando os solos de guitarra que nunca mais terminavam eram a marca do grupo, nem quando o seu primeiro álbum, Shades of Deep Purple, abria o caminho do sucesso para uma entre muitas bandas de rock que pipocavam na Inglaterra.





Anos depois de 1968, os Deep Purple foram passando por várias formações, mas continuam a ter alguns membros fundamentais nessas trocas, dos quais só Ian Paice (mesmo do início) e Roger Glover estarão em Lisboa. Para os fãs dessas várias formações a não presença de nomes como Ian Gillan, Ritchie Blackmore e Jon Lord são um pecado. Até mesmo as de David Coverdale e Glenn Hughes, de formações posteriores! Mas, as bandas mudam e só os sucessos ficam, daí que baste fechar os olhos e ouvir o alinhamento escolhido para perdoar estas alterações constantes, pois está lá a principal produção musical desta banda e pensar que pode estar em palco a formação de 1984, com Ian Gillan, Jon Lord, Ian Paice, Roger Glover e Richie Blackmore...
Afinal, quem vai ao Meo Arena sabe que está perante uma banda que vai comemorar cinquenta anos em 2018, coisa que não assusta o baterista Ian Paice, tanto que há pouco tempo disse que os Deep Purple ainda são uma banda em que os seus membros não perderam as características dos adolescentes que já foram. No entanto, também teve de dar explicações aos fãs escandinavos pelo cancelamento de vários espetáculos no que seria o início desta digressão porque teve um mini- ataque cardíaco. O que se poderia ter tornado um momento único ao longo de todas as formações pois tornar-se-ia a primeira vez em que não subiria ao palco num concerto dos Deep Purple.
O que se ouvirá nesta vinda a Lisboa dos Deep Purple? O alinhamento diz tudo (ver caixa), mas é também um espetáculo que integra a promoção do novo álbum saído em abril, o vigésimo, intitulado InFinite, e que faz parte de uma gigantesca digressão mundial: The Long Goodbye Tour. Que poderá ser a despedida da banda das grandes digressões, como Ian Paice já admitiu: "É uma digressão gigante. Poderá ser a nossa última, ninguém sabe o que vai acontecer. Mas não temos planos, mesmo que seja óbvio que já não temos 21 anos e isto fica mais difícil."
A chegada da banda a Lisboa acontece depois de três espetáculos em Espanha, Bilbao, Barcelona e Madrid. Portugal marca o fim da primeira parte desta digressão, seguindo-se a segunda etapa nos Estados Unidos, onde estarão em agosto e setembro. Aí, terão como bandas suporte Alice Cooper e The Edgar Winter Band, numa expedição que começa em Las Vegas e terminará em Cincinnati, sem parar em Nova Iorque (!). Em novembro, voltam à estrada para compensar os espetáculos cancelados no Norte da Europa, seguindo depois pelo Reino Unido - Escócia, País de Gales e Inglaterra, terminando em grande na Arena O2 em Londres, a 23 de novembro.
A formação dos Deep Purple será: Ian Gillan na voz, Steve Morse nas guitarras, Roger Glover no baixo, Ian Paice na bateria e Don Airey nos teclados.

Capuchos - Mariana Alcoforado

02.07.2017 - Soror Mariana Alcoforado (Ópera)











Neuza Magalhães (Expresso)

São 22 profissionais e 84 amadores os que participam na ópera “Soror Mariana Alcoforado”, que esta sexta-feira, 16 de junho (e com repetição a 17 e 18), tem marcada a estreia mundial no Convento dos Capuchos. Nesse momento, chegará ao fim um processo posto em marcha há seis meses, quando a Câmara Municipal de Almada e a Musicamera Produções encomendaram a obra ao compositor Amílcar Vasques-Dias e abriram as portas daquilo a que chamaram “residência artística para a construção de uma ópera”.
“Um projeto como este não depende dos resultados, mas também da importância do processo. Um não existe sem o outro“, explica Brian MacKay, o diretor musical e coral que desde janeiro está a trabalhar com os músicos ao lado de F. Pedro Oliveira e Aldara Bizarro, responsáveis pela encenação e o movimento. Das mais de 70 pessoas que apareceram nas quatro audições, cerca de 30 foram escolhidas, e destas ficaram 22, com idades a oscilarem entre os 13 e os 70 anos. Porém, a comunidade participa também na elaboração dos figurinos, dos vídeos — está presente em toda a parte técnica, lado a lado com os profissionais.
“É muito gratificante“, diz F. Pedro Oliveira. “A maioria não está porque quer ser artista, mas para se divertir, para usufruir de uma experiência. E isso é ótimo.” E se no início se deparou com algum pudor por parte do grupo, as barreiras foram-se quebrando ao longo dos ensaios. Nos primeiros meses, esse foi o principal objetivo, conseguido graças a 12 workshops com ênfase na expressão corporal, no improviso e no movimento. Mas rapidamente Pedro sentiu a atmosfera distender-se: “As pessoas vão-se conhecendo, começam a dar boleia umas às outras, cria-se uma amizade.”


A ópera foi sendo montada através de uma residência artística, com 12 workshops de teatro e música 
Neuza Magalhães 

Ao mesmo tempo, Brian MacKay ia trabalhando as vozes. “Era preciso treinar as competências do canto coral, que não é um canto a solo. No caminho, muitos jovens revelaram um potencial incrível, enquanto os mais velhos traziam a sua própria experiência de vida”, conta o maestro. Alguns nunca tinham cantado e esta ópera representou uma primeira vez. Seis meses passados, é “incrível” o que conseguiram. Para Brian, talvez a parte mais difícil tenha sido estar a ensaiar o grupo enquanto a música estava a ser criada e o libreto escrito. “Tudo acontecia em simultâneo, pelo que eu próprio desconhecia o que viria a seguir.”
E a seguir viria a música, que Amílcar Vasques-Dias compunha em estreita colaboração com a libretista e sua mulher, Helena Nóbrega. O tema que lhes fora proposto era a história de Mariana Alcoforado e as cartas de amor que terá ou não escrito a Noël Bouton, Marquis de Chamilly — que se tornaria Marechal de França durante as Guerras da Restauração —, e em 1669 editadas em Paris sob a forma de um romance epistolar intitulado “Cartas Portuguesas”. “É uma história forte, polémica, cheia de contrastes psicológicos, de tristeza, de alegria, de sensualidade, de dramatismo”, diz Vasques-Dias. A tais mudanças, a música de raiz contemporânea respondia introduzindo o flamenco, o jazz, o canto gregoriano. E o cante alentejano, que surge em evocação das raízes de Mariana Alcoforado, nascida em Beja em 1640 e aos 16 anos ingressada na clausura da Ordem de Santa Clara, onde morreria em 1740, aos 83 anos.


“A maioria não está porque quer ser artista, mas para se divertir, para usufruir de uma experiência”, explica o encenador, F. Pedro Oliveira 
Neuza Magalhães

O compositor revela que o cante está presente na música de duas formas: como citação na própria partitura e como elemento cénico. “O cante surge como algo estrutural na composição, mas também é entoado pelo grupo Cantares de Évora, cujo 'cantador-alto', Pedro Calado, também desempenha a personagem do pai de Alcoforado”, explica, revelando-se “orgulhoso” com o resultado. “Comove-me assistir aos ensaios e ver a capacidade e a força de vontade destas pessoas, pois algumas partes não são fáceis nem sequer para os profissionais. Tiveram de aprender um texto, uma partitura e seguir um encenador. E isso é espantoso”, confessa.
Com um elenco profissional formado por Natasa Sibalic no papel de Mariana Alcoforado, Manuel Caldeira, Telma Valente de Almeida e Maria João Augusto, há também uma pequena orquestra especialmente criada para a ocasião. E desta fazem parte Luís Pacheco Cunha, André Fresco, Chiara Antico, Catherine Strynckx, Alejandro Erlich Oliva, Andrew Swinnerton, Paulo Gaspar e Agostinho Sequeira. A figurinista é Maria Luiz.
Depois da primeira edição em Paris, as “Lettres Portugaises”, atribuídas a Mariana Alcoforado, acenderam e mantiveram a discussão sobre a veracidade da história, sendo reeditadas uma centena de vezes até 1800. Em Portugal, aparecem em 1824 — e a sua receção não foi menos controversa. Figuras importantes tiveram algo a dizer ao seu respeito, como Pinheiro Chagas, Camilo Castelo Branco ou Alexandre Herculano. Nunca ficou claro quem escreveu as cartas, se é que foram escritas. Mas a sua popularidade foi tal que elas são lidas até hoje. Em 1972, três séculos após publicadas, inspiraram as “Novas Cartas Portuguesas”, escritas por Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa. São 120 textos de crítica social, que não podiam deixar de fora o papel da mulher na sociedade de então.

terça-feira, 4 de julho de 2017

Medina Carreira (1931 - 2017)





Medina Carreira, o homem que não tinha medo de morrer

Augusto Mateus lembra o antigo ministro das Finanças como um homem preocupado com o país e com a melhoria do mesmo
Após um mês de internamento, faleceu esta segunda-feira num hospital de Lisboa vítima de doença prolongada, aos 85 anos, Henrique Medina Carreira, ministro das Finanças do I Governo Constitucional.
Em 2009, numa entrevista concedida a Anabela Mota Ribeiro, teve uma declaração rara sobre a morte. "Não tenho vontade de morrer, mas não é da morte que tenho medo: é da maneira de morrer. Defendo que desde a nascença devíamos ser portadores de uma ampola com cianeto de potássio. Os nazis andavam com uma. Quando dava para o torto, dentavam e caíam para o lado. Acho que devíamos ser senhores do nosso fim", disse na altura.
O homem que adorou ser, em 1975, sub-secretário do Orçamento no consulado de Pinheiro de Azevedo e detestou ser ministro das Finanças, de 1976 a 1978, no Governo liderado por Mário Soares era conhecido pelas opiniões assertivas e por ser um crítico da política despesista dos últimos governos da República. "Eu não sou candidato a nada, e por conseguinte não quero ser popular. Eu não quero é enganar os portugueses. Nem digo mal por prazer, nem quero ser popularucho porque não dependo do aparelho político!", gostava de referir.

O melhor do Diário de Notícias no seu email

O antigo ministro da Economia, Augusto Mateus, ressalva a coragem de Medina Carreira e confessa uma aproximação ocorrida nos últimos anos. "Conhecia muito bem. Éramos amigos, apesar da nossa diferença de idades. Ao longo das últimas décadas fizemos uma aproximação, falávamos e era uma pessoa pela qual tinha grande apreço e respeito. Sempre foi uma pessoa que nunca teve dificuldade em expressar com coragem as suas opiniões e essa é uma qualidade que aprecio muito, independentemente de concordar ou não. Era um homem que falava em função da experiência que tinha sobre os assuntos, preocupado com o país e com a melhoria do país", disse ao DN, acrescentando ainda que Medina Carreira deu contributos relevantes relativos à "procura da eficiência e ao equilíbrio da gestão da coisa pública".
Quem olhava para Medina Carreira via um economista. Sim, formou-se em Economia mas antes disso fez um bacharelato em engenharia mecânica, tirou os cursos de pedagogia, direito e quando estava a frequentar economia... abandonou por falta de tempo e logo aquele que era "um sonho de 20 anos".
Nos últimos anos foi um oposicionista das políticas económicas dos governos, o que lhe valeu ser visto como uma espécie de arauto da desgraça. Em vida não teve pejo em responder a quem o via dessa forma: "Os arautos da desgraça são os irresponsáveis que andam a dizer isso. Andam de olhos fechados, ou para se servirem, ou para fazerem carreira política. Se não mudarmos a economia, vamos estar numa pobreza como não conhecemos desde princípio do século passado."
Filho do historiador António Barbosa Carreira e de Carmen Medina Carreira, nasceu em Bissau, capital da Guiné a 14 de janeiro de 1931.
Curiosa a revelação feita em 2009 de que o pai lhe tinha chamado "burro" por ter aceite o cargo de ministro das Finanças "de um país falido". Sem complexos, assim se definia, em jovem praticava futebol no Inverno, remava na Primavera e fazia atletismo no Verão.
E garantia que não desapontava. "Só posso ter desapontado trafulhas. Pessoas sérias, não. Eu tenho uma qualidade: sou uma boa pessoa. Sou uma pessoa que não trafulha, que não intriga, que não se vinga, que não persegue, que não odeia. São as minhas grandes qualidades."


Medina Carreira. O problema de fundo não é o euro mas a desindustrialização

É uma condição necessária mas não suficiente. Existe porque não há dinheiro para que o Estado provoque défices mais altos e gaste mais. E também porque sem ordem nas contas públicas, com dívidas brutais, com impostos selvagens e com juros demolidores, não se investirá em Portugal. Sem se investir na produção de bens exportáveis ou que evitem as importações, o que vamos dizendo destina-se apenas a ludibriar-nos uns aos outros.
O congelamento das reformas antecipadas resolve o problema de fundo da Segurança Social? Ou é preciso ir-se muito mais longe?
Creio que não passa de um expediente de tesouraria. A sustentabilidade tem muito mais que se diga e exige um trabalho sério, ainda não iniciado. Quer isto dizer que é indispensável uma reforma global do social e não apenas cortes de circunstância aqui e ali. Preocupante é que nenhum responsável político, que se saiba, tenha feito qualquer alusão a esta tarefa, essencial e urgente.
E a sucessiva utilização dos fundos de pensões para pagar despesa corrente e amortizar dívida pública, ao invés de a transferirem para a Caixa Geral de Aposentações ou a Segurança Social?
São apenas expedientes. É precisa uma reforma. Quanto a isso, e como já disse, deploro a passividade do governo. O problema das políticas sociais será, talvez antes de 2020, explosivo. Na verdade, só a preservação do Estado social – adaptado às novas realidades económicas, financeiras e demográficas – poderá evitar uma situação ainda mais dramática em Portugal.
Critica muito os políticos por só olharem para as folhas em vez de para a floresta. Quais são os verdadeiros problemas de Portugal?
Tenho para mim como certo que a origem da presente crise do Ocidente emerge da sua desindustrialização e da dependência energética, com custos crescentes. Foi isso que afundou as economias e foi esse afundamento que motivou os endividamentos já referidos, destinados a evitar uma quebra acentuada do padrão de vida ocidental. Entre nós, sentem-se também os efeitos da incompetência e da irresponsabilidade governativa vigente nos últimos anos. A fragilidade económica ocidental gerou os endividamentos e foram estes que originaram o subprime americano, tanto quanto a chamada crise das dívidas soberanas na Europa. A crise da zona euro surge na sequência desses factos. Sem se enfrentar esta realidade mais ampla, os esforços em curso na Europa do euro, mesmo que bem sucedidos, não evitarão a progressiva decadência do Ocidente. Neste emaranhado de circunstâncias, de que ainda não se fala em Portugal, as árvores são a austeridade, a falta de crescimento e o desemprego. Estão na orla da floresta e por isso são visíveis por todos. Mas a reviravolta do mundo, que é tudo o resto que a liberalização económica provocou, ultrapassa a Europa e o euro, e constitui a verdadeira floresta em que avançamos, desorientados.
Na sua opinião, este governo fez ou mediatizou as reformas?
Das muito urgentes e decisivas, creio que pouco. Talvez distracção minha! É altamente preocupante a lentidão na execução dessas reformas. E sem explicações públicas para este arrastamento de pés.
Concorda com o novo Código do Trabalho ou ainda estamos longe dos nossos mais directos concorrentes, que neste momento são os ex-países de Leste? 
Há muitos anos que não trabalho nessa área. Tenho por isso dificuldade em me pronunciar acerca da adequação das soluções a introduzir no Código do Trabalho. Nunca escutei uma palavra acerca do ponto de referência que foi escolhido, por isso tenho a convicção de que o método tenderá a falhar. Portugal precisa de atrair investimentos, para o que
se impõe escolher medidas competitivas como as adoptadas, nestas e noutras áreas, pelos países europeus que nos têm roubado os investimentos. De facto, se é essencial sermos competitivos em relação ao que produzimos, é indispensável que o sejamos também no que toca ao que se investe. Trata-se de uma consequência inexorável do funcionamento dos mercados abertos. Se o governo não está a proceder assim, comparativamente com o que se passa na Europa Central e do Leste, de pouco servirão as reformas que estão a ser estudadas. Repito: falamos de reformas sem as quais não teremos um crescimento razoável e continuado, susceptível de combater o desemprego.
Como vê a actual crise da Europa?
Já mencionei há pouco as causas situadas fora da Europa. Pela sua importância decisiva, volto a sublinhar que são, primeiro, a instalação das indústrias transformadoras nos países de mão-de--obra muito barata, em geral no Oriente; segundo, os custos crescentes do petróleo. Por isso ficaram connosco: o desemprego industrial, que não diminui; os empregos mal pagos nos serviços pouco qualificados; a obrigatoriedade de importar o que antes produzíamos e agora já não produzimos, provocando de- sequilíbrios, que não existiam, nas nossas balanças comerciais; a cada vez mais pesada factura do petróleo. São estas as causas essenciais do afundamento das nossas economias. Iludimos esta realidade com os “endividamentos” destinados a manter um nível de bem-estar que já não estava, nem está, ao alcance do que produzimos. As sociedades desta parte do mundo estão a ser enganadas,
todos os dias, por um número excessivo de irresponsáveis.
A actual crise é mais política ou mais económica?
É económica na sua génese e política pela incapacidade de correcto diagnóstico dos estados. E sem um diagnóstico acertado não haverá políticas adequadas.
E que papel tem a Alemanha neste contexto? Como vê a actuação da senhora Merkel? 
A Alemanha também sofre as consequências. Atenuadamente, porque as suas indústrias de exportação ainda não fugiram e porque se aproveita muito dos países vizinhos aos quais compra o que ali se produz muito mais barato. A Alemanha também beneficia muito da credibilidade da sua economia e da sua organização, pelo que se financia a taxas de juros impensáveis para os outros países. Além de tudo isso cuida com muito rigor da sua competitividade, com políticas salariais muito contidas. Porém, que ninguém se engane: a economia da Alemanha também rasteja, a um ritmo médio anual, entre 2000 e 2010, de 0,9%. Nós, portugueses, registámos 0,7%!
Ainda há diferenças entre uma governação de esquerda e de direita no actual contexto da zona euro?
Cada vez menos. Entenda-se que aos estados da actual zona euro foram sendo subtraídos poderes de intervenção económica de relevância decisiva, relativos às tarifas aduaneiras, à emissão de moeda e à definição da sua quantidade em circulação, à fixação das taxas de juros, às taxas de câmbios, à fixação autónoma dos défices orçamentais e ao controlo da circulação de capitais. Impõe-se ainda recordar os efeitos da internacionalização económica, que permite que as empresas se movam no âmbito global, ficando a soberania dos estados amarrada dentro dos seus territórios. Há também o afundamento das economias desde há 30 anos. A considerar, igualmente, o envelhecimento demográfico, só por si inviabilizador das políticas sociais tais como foram instituídas. Tudo isto condiciona decisivamente a prática de políticas económicas mais à esquerda ou menos à direita, como aliás se verifica em toda a Europa. A social-democracia está confinada ao pretenso monopólio da sensibilidade social, que não passa de um discurso vazio. O sindicalismo tornou-se ineficaz porque não vale a pena reivindicar, face a falidos, como estão hoje o patronato e também o Estado. Vivemos assim num mundo novo em que os modelos de há 30 anos já não cabem e só são defendidos por alguns distraídos que se recusam a abrir os olhos e a descortinar a realidade que os cerca.
Quando era ministro as pessoas não reivindicavam como hoje quando os salários desvalorizavam? É certo que não havia cortes como agora mas a inflação absorvia os aumentos provocando cortes muito maiores que os actuais...
Não havia uma noção rigorosa do fenómeno. A grande massa não tinha a noção da erosão provocada pela inflação. Ou seja, os salários cresciam por hipótese 15% com uma inflação de 25%, o aumento nominal criava a ilusão de que estavam a ganhar mais. Em seis meses, um ano, a crise passava. Hoje não há nada disso. A capacidade de adaptação às novas circunstâncias é muito mais difícil hoje. Os mercados são mundiais e as nossas leis são locais.
Há mais de duas décadas que se fala do declínio dos Estados Unidos e da emergência da China. Afinal quem está a ir ao fundo é a Europa. Porquê?
Nos últimos dez anos – de 2001 em diante – todas as economias desenvolvidas do Ocidente registaram desacelerações muito acentuadas, na zona euro como nos Estados Unidos. Compreende-se. Foi neste período que as deslocalizações e os investimentos industriais directos procuraram o Oriente, com saliência para a China. Foi nesse tempo também que os preços do petróleo mais subiram e mais altos se mantiveram. Estes factos explicam muito, a meu ver, as crises dos endividamentos, que nos trouxeram até à dificílima situação actual. Se se mantiverem estas tendências, a decadência do euro e da Europa será rápida e irreversível.
Não receia que o fim do Estado social, tal como ele é hoje percepcionado pelos europeus, e o desemprego abram caminho à extrema-direita na Europa?
Se nada for feito, ajustando o regime do Estado social às novas realidades financeiras, económicas e demográficas, são previsíveis rupturas sociais com consequências inimagináveis. É por pensar assim que há muito tempo insisto na necessidade, absoluta e urgente, da reforma do Estado social. De outro modo, poderemos ter o caos e a desordem no nosso país.
A democracia está em perigo?
Se a crise que atravessamos persistir e o governo se limitar à política dos cortes, em vez de à reforma do Estado social, tudo poderá acontecer.
Como vê a França depois da vitória de François Hollande?
Vive-se um tempo de fantasia, agora animado pelo novo presidente francês. Só por cegueira ou por estupidez se pode pensar que há quem não queira o crescimento e o emprego. Para tanto é porém essencial criar fontes de financiamento e definir o destino dos meios conseguidos, em termos de assegurar o êxito da sua aplicação. Quanto ao primeiro problema levanta-se a dificuldade da sua obtenção: a palavra alemã, que é fundamental, não vai ser favorável a esquemas de facilidade – como o dos eurobonds – porque o eleitorado não estará disposto a suportar os riscos e encargos, conhecida que é a irresponsabilidade na gestão dos dinheiros públicos, em alguns países. Quanto ao segundo problema, fala-se em aplicar o dinheiro em infra-estruturas, em energias verdes, em grandes projectos, etc... Nós, portugueses, sabemos muito bem o que é tudo isto, através da pré-bancarrota e da desgraçada situação para que nos arrastaram. Vítimas do excesso do endividamento e da má aplicação dos dinheiros, iremos repetir a solução que nos desgraçou?
A receita dos impostos indirectos agravou a tendência de queda em Abril e a Unidade Técnica de Apoio Orçamental já alertou para um buraco potencial de 800 milhões de euros na receita no final do ano (0,5 pontos do PIB). À medida que for percebendo que a meta do défice orçamental está em risco o governo deve lançar mais medidas ou procurar tolerância por parte da troika?
O governo tem afirmado que só se falharmos por razões que nos sejam estranhas se promoverá uma alteração das condições da troika. Aliás, como também o disse o ministro das Finanças alemão. Creio que o assunto está esclarecido.
O Conselho para as Finanças Públicas alertou para a continuação de erros clássicos no processo orçamental: dependência de medidas transitórias e de cortes cegos na despesa, cortes excessivos no investimento público e previsões futuras demasiado optimistas. O que lhe parece a qualidade do ajustamento orçamental português? Poderia ser outra dada a urgência da situação?
Desse Conselho espero apenas, e é muito, a apresentação de números rigorosos e completos.
Como vê as próximas eleições na Grécia? 
A situação na Grécia é muito complexa. Não possuímos elementos que nos permitam discernir com muita segurança a respeito da evolução no país. Pessoalmente temo que esteja a caminhar para um regime autoritário. Se houver um colapso financeiro, não é de excluir que surjam problemas de rua. Quando é assim, os países temem em entregar-se a alguém que de volta tranquilidade.
E vê o país a sair do euro?
Alguma Europa, a que tem dinheiro, começa a cansar-se do problema grego. Já houve dois acordos de assistência e não se vê as necessidades gregas chegarem ao fim. Não se percebe o que está feito ou não está. Sabe-se que precisa de dinheiro todos os dias. Se a Grécia tem o direito de democraticamente escolher o seu próprio rumo, é preciso perceber também que os países ricos também podem democraticamente fazer as suas opções.
E a situação em Espanha?
A Europa rica vai fazer tudo para evitar problemas muito grandes na Espanha. Primeiro, porque não se encontra em estado de desagregação política e social como a Grécia. Segundo, porque a Espanha tem um peso na Europa em relação ao qual não deve haver descuidos. Qualquer dos países que se encontram em grave crise precisa de financiamentos, que naturalmente passam pelo sistema bancário. E esses financiamentos que muitos querem que se faça pelos eurobonds dificilmente avançarão. Por um lado, os países que se financiam a baixos juros, como a Alemanha. Pela via dos eurobonds, irão sofrer um agravamento das taxas de juro. Por outro lado porque se os países necessitados vierem a falhar os seus compromissos serão os países ricos a suportar as dívidas destes. Tudo isto leva a crer que os eleitorados europeus vejam com maus olhos essa figura dos eurobonds. Creio que só serão viáveis quando os países necessitados se submeterem a uma disciplina financeira que não deixe receio aos países do centro da Europa que vão ter de pagar ainda mais pelo não cumprimento das regras por alguns estados-membros.
Ou seja, primeiro a disciplina e depois os eurobonds. É essa a posição implícita da Alemanha...
Sim. Se põem dinheiro a circular sem se instalar uma rigorosa disciplina financeira na Europa, num prazo muito curto corre-se o risco de voltarmos ao ponto de partida.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Reflexão - LBC ( o novo aeroporto na Ordem)

A Ordem dos Engenheiros não foi consultada para a questão do Aeroporto?
...bem, muito provavelmente foi a Ordem dos Arquitectos? Sim, porque as dos Advogados, Enfermeiros, Médicos, Farmacêuticos não terão sido!


Cartoon - o roubo de Tancos


domingo, 2 de julho de 2017

Séries - Genius (Einstein)



Reflexão - Alberto Gonçalves

(Alberto Gonçalves no Observador)

Contra a descrença de alguns, felizmente poucos, o Estado afinal esteve à altura dos acontecimentos em Pedrógão Grande. O Presidente da República esteve soberbo. Oito dias depois de ter assegurado que fora feito o possível na segurança dos cidadãos, apareceu a exigir que se apurasse “tudo, mas mesmo tudo, o que houver a apurar”. Um burgesso julgaria que a investigação precede as conclusões, mas espíritos superiores do calibre do prof. Marcelo não se deixam tolher pelas amarras do senso comum. Pelo meio, ainda arranjam tempo para atender a uma festança beneficente, faltar aos funerais das vítimas e distribuir abraços comovidos e comoventes a 381 transeuntes – fora os que conseguiram fugir.
O primeiro-ministro esteve impecável. Em vez de explicar, como os fracos, o dr. Costa exigiu explicações. Em vez de dar respostas, como os pelintras, o dr. Costa fez perguntas. Em vez de pedir desculpas, como os malucos, o dr. Costa pediu um “focus group” para avaliar o impacto dos fogos na sua imprescindível popularidade. E sempre com um perpétuo ar compungido, que só interrompeu para participar, aos saltinhos, no “lançamento” de um indivíduo obscuro – e certamente prodigioso – à câmara de Lisboa.
A ministra da Administração Interna esteve excelente. Chorou imenso, o que é prova cabal de sensibilidade. Nos (curtos) intervalos, declarou que: 1) o incêndio de Pedrógão Grande foi um grande incêndio; 2) aquele foi o pior momento da vida dela; 3) não se demite na medida em que a demissão seria o “mais fácil”, e que prefere “dar a cara”. A cara lavada em lágrimas, escusado recordar.
O Bloco de Esquerda esteve magnífico. De início, ao pedir chuva em lugar de demissões. De seguida, ao descobrir que a culpa dos incêndios é dos eucaliptos, que os eucaliptos foram uma invenção de Salazar e que os capitalistas da celulose querem calcinar o país inteiro. Ficou claro que o conhecimento do dr. Louçã & Cia. em matéria de fogos florestais rivaliza com a erudição que demonstram na economia e, de resto, em qualquer assunto que se dignem abordar. Avisado, o governo apressou-se a proibir o eucalipto, em forma plantada ou tentada.
O PCP esteve fabuloso. Perdida a liderança do combate ao eucalipto para o BE, os comunistas desprezaram Pedrógão Grande e mantiveram-se focados nas autênticas prioridades nacionais, leia-se uma greve dos professores convocada para fingir que a classe está descontente.
O parlamento esteve irrepreensível. Os partidos aprovaram uma comissão de especialistas, metade dos quais a nomear pelo dr. Ferro Rodrigues. Elogiar isto seria redundante.
A Protecção Civil esteve fantástica. Dotada há três meses de novas chefias, muitas sem experiência na matéria de modo a refrescar aquilo, a entidade não serve apenas para emitir avisos coloridos: também serve para confundir as calamidades ao adoptar procedimentos caóticos e avulsos. Num instante, o método “andar à nora” (jargão técnico) fintou as expectativas das chamas e mostrou-lhes quem manda.
O famoso SIRESP esteve imaculado. Após numerosos testemunhos de que esta luminosa herança do dr. Costa não funciona, um relatório isento, realizado por uma empresa acionista do próprio sistema, concluiu o contrário.
Os helicópteros Kamov, outra negocia… desculpem, benesse do dr. Costa estiveram formidáveis. Não saíram do chão, logo não são suspeitos de nada que se relacione com a tragédia.
Os “media”, salvo ligeiros deslizes, estiveram estupendos. Às primeiras notícias funestas, correram a auxiliar os que mais precisavam: o dr. Costa, a ministra e as metástases do poder. Raramente se assistiu por cá a acção de solidariedade tão coordenada.
O facto é que, apesar de toda a perfeição acima descrita, em Pedrógão Grande morreram, que se saiba, 64 pessoas, além das centenas de feridos, desalojados e desgraçados em geral. Culpados? A tese oficiosa foi evoluindo. Começou por se desconfiar de uma árvore (radicalizada e já devidamente referenciada pelas autoridades). Partiu-se para a crítica à natureza, que nunca, nunca, nunca na História da Terra se manifestara com tamanha violência. Prosseguiu-se com a acusação dos jornais espanhóis que não veneram a competência do dr. Costa e, movidos pela inveja, acham o nosso Estado um atraso e uma vergonha. Finalmente, chegou-se a um consenso, aliás previsível: a culpa é de Pedro Passos Coelho, que confiou num boato, permitiu-se uns comentários sobre eventuais suicidas na região dos incêndios e, para cúmulo, desculpou-se pelo erro.
De súbito, o tipo de gente que passou anos a misturar jovialmente suicídios e “austeridade” esfregou as mãos e aproveitou a deixa. Não é que essa gente precisasse, mas enfim dispunha de um “pretexto”, grotesco que fosse, para ignorar a incúria, a corrupção, a demagogia, a incompetência, o descaramento, a prepotência e o desrespeito dos, digamos, “responsáveis”. Para alívio colectivo, o horror talvez criminoso de Pedrógão Grande expiou-se numa frase infeliz. E, sem surpresas, os seus autores preparam-se para sair impunes: o “focus group” determinou que a popularidade do dr. Costa não sofreu abalos. No fundo, é que importa.