(Aos colegas que desconfiam das queixas desta pobre alma!)
CONTO
Aproximei-me da esquina. Espreitei mas nada vi. Tinha, no entanto, aquela sensação que nos invade de vez em quando e que repetidas vezes antecipamos, seja nos filmes de terror ou de suspense. E ainda, a juntar a isso, a vontade de urinar que persistia. E eu sem encontrar um lugar seguro para me aliviar.
O silêncio era estranho. De qualquer forma, não tinha saída. Tinha de ir por ali. Arrisquei e fiz uma corrida rápida. Nem me reconheci. As costas corresponderam e os joelhos aguentavam fortes o sprint que me poderia salvar a vida. Os sentidos apurados ajudavam a tomar as melhores decisões. Mais à frente, e sem que o previsse, um murete elevava-se de tal forma que me impedia de o transpor. Ultrapassei-o, enrolando por cima como antes fizera nos milhares de quedas que, há 45 anos atrás, tinha feito no Aikido. Fiquei de imediatode pé e atento ao que se desenrolava. A alguns metros, uma criança cruzou a rua, empurrando um arco e gancheta, brinquedo dos tempos antigos. Estacou, olhou para mim e apontou-me um dedo, gesticulou um “não”. Retomou a sua brincadeira. De um outro prédio, saiu um inglês, com um traje tipicamente britânico, sem esquecer um chapéu de chuva, mas com uma estranha companhia: um crocodilo que segurava por uma trela e que tudo indicava ser gay, já que apenas se bamboleava nas patas posteriores, meneando a cauda e, ao pescoço, levava uma echarpe de várias cores .Encostei-me à parede. Era, definitivamente, um sonho!
Ouvi, surpreendido, vozes por cima de mim. Ergui a cabeça. Pendurados em três candeeiros seguidos, o Filipe Melo, o Zé Azevedo e o Amorim incentivavam-me com gritos estridentes e entusiasmantes:
- Vai Luis, força!, corre!, salta!, avança!. Ainda estás a tempo. Tu consegues.Tudo isto era estranho. Parei e olhei em redor. Numa tasca, a cerca de duas dezenas de metros, quatro velhotes jogavam às cartas. Pareceu-me reconhecer o Manuel. Como estavam cada um com chapéu, com um letreiro luminoso acoplado, que acendia e apagava com o slogan “JB”, duvidei, já que ele só bebe “Famous Grouse”. Não podia ser ele!No telhado da tasca, dois outros agarravam num anúncio luminoso e, pacientemente, quais Sísifos, subiam e desciam em dois escadotes, pondo-o e, logo de seguida, tirando-o. O anúncio dizia algo patusco, creio que “Viver em Telheiras é fixe”.Isto enquanto outro marcava o ritmo, com um haltere em cada mão e dizendo consecutivamente: “Guerra é Guerra”Deparei, igualmente, com um indivíduo estranho, qual viking, que tentava, com a mão direita, escrever, na parede, a ementa da Tasca. Parou, , virou-se, olhou-me nos olhos e calmamente disse: “Não te esqueças de que me deves um CD”.Prossegui
Então, ouvi algo por cima de mim. No primeiro andar do edifício que se erguia logo atrás, o incrível Hulk, de braços apoiados no varandim, fitava-me com aquele ar façanhudo e que antecipa um mau momento. Mostrei-lhe o emblema da Ordem dos Engenheiros que trazia no bolso. De imediato, um sorriso invadiu-lhe a face. Virando-se para dentro, soletrou algo. Vestido com um roupão cor de rosa, surge o “eng” Sócrates. Depois disto, já nada me surpreenderia!
-Olá, engenheiro. Por aqui? - perguntou ele.Um súbito torpor apoderou-se de mim. Hulk com Sócrates??
- Deseja subir? - uma outra voz fazia-se ouvir!Desta vez, espreitando por entre os dois, o juiz Ivo Rosa interpelava-me daquela maneira tão pessoal e inconfundível. Era óbvio o que pretendiam.
O pânico apoderava-se de mim. Se fujo, o Hulk salta e apanhar-me-á em três penadas. Se subo, enfim, de imediato afastei esse pensamento.
E fui “orinar”E aquela vontade de mijar persistente!
Amor! Amor!, acorda!
Acordei. Salvo! Apenas mais um sonho. Virei-me para de alguma forma premiar quem me tinha feito sair daquele cenário! Fodas! Encarei com o Portas. Com os olhos esbugalhados e com o outro mais apertado que nunca, estaquei.
Foi então que acordei, a sério! Levantei-me, não sem antes injuriar os meus colegas do volei que, na noite anterior, desconfiaram de todo o tipo de queixas que lhes tinha transmitido. Rolei na cama, apoiei os pezitos no chão e ergui-me, devagarito, muito devagarito. Creio que a unha do 4º dedo do pé esquerdo não me doía…
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