(Reflexão do RLM, meu camarada no serviço militar obrigatório, ao artigo do prof. Bethâmio de Almeida no "Público")
Concordo com a tua avaliação e manifesto o meu apreço pelo autor do artigo.
Mas, esqueceu a diferença entre a ciência (teorema) e o dogma (crença).
A ciência, como bem refere (ainda que por outras palavras) é a hipótese, o experimento, a generalização e a tese, a comprovar pela antítese e expressa pela síntese.
E esse é um processo moroso, nem sempre o perigo eminente permite o "tempo" para o processo.
É onde entra o conhecimento consuetudinário, o "tal" dos mais velhos:
Em situação similar fiz assim, e resultou.
Ou, foi feito assim, e deu mau resultado.
O dogma é inquestionável. É assim... porque sim!
E para a sua aceitação tem que estar a jusante muito mais do que uma mera eleição (perdida) e o engendrar de uma geringonça.
Muito menos quando emanada de um conjunto de "artistas circenses" que nem sequer conseguem organizar um espectáculo decente, bem expresso pela execrável gestão da comunicação associada à auto-proclamada pandemia.
Ora, assumindo-se como divindades gnósticas, estes gestores - PR, (des)governo e entidades administrativas associadas - optam por postular dogmas que impõem por decreto.
Também aqui subscrevo a opinião expressa no artigo. Mas discordo quando refere que "foram obrigados a comunicar...". Obrigados por quem?
Só conheço uma profissão em que é necessário viver sobre os "bicos dos pés". O bailado clássico. E segundo dizem dá umas "dores do caraças".
Os tais gestores optaram por se pôrem em bicos dos pés. "Somos um exemplo para a Europa", "Mostrámos como é"...
Hoje, o inefável PR declara que no aumento de infectados na grande Lisboa "o problema é a co-habitação dos cidadãos e não a promiscuidade nos transportes públicos. Mesmo depois de ver as imagens amplamente difundidas. Mas que o impede de estar calado?
Qualquer burro sabe que quando agita a cauda levanta as moscas. Até um burro sabe isso!
E claro, agora declaram-se as artroses.
Não mostraram nada além de mais um exemplo de manipulação (de dados), de aproveitamento (negócios), de "esperteza saloia" com a tal "nojice" do ministro holandês e ausência total de espinha vertebral com o lamurioso pedido de não exclusão nas rotas turísticas.
Custa-me aceitar como "foram obrigados" o que não passou de pequenez mental e moral.
Gostei da expressão de "numa praia, um cidadão sénior disse: "Compreendo que eles (as autoridades) têm razão, mas não gosto que me digam." O "prof. (eng!) de Hidráulica Bethâmio de Almeida" apresenta-a com "eis os desejos contrariados". :)
Penso que a frase do cidadão sénior estaria inserida num contexto que desconheço.
E não foi essa a minha leitura.
Cuidados e caldos de galinha... Lavar as mãos... Manter a distância social... e de imediato vem à memória o Senhor de La Palice.
E depois impõem-se por decreto do governo (?) a privação dos mais elementares direitos constitucionais, a começar pela autonomia e liberdade de decisão. Não estão autorizados os funerais, os velórios, a privação de contacto familiar com os avós e... se se portarem mal não vão à praia, e "vamos pôr drones a monitorizar as praias não vigiadas".
Se não fosse mau de mais, na generalidade, seria péssimo pelo ridículo.
Todas as imposições, mais ou menos ridículas, seriam pacificamente aceites se expressas como
"Em vez da sociedade do conhecimento e da responsabilidade pessoal, surge a tendência de menorização e de robotização dos cidadãos face aos riscos."
"Saber decidir face a situações com contradições é uma capacidade primordial do ser humano. Não a percamos!"
Penso que bastariam estas duas frases. É o que realmente importa.
Mas o rebanho gosta.
Abraço
A ciência também pode ser contraditória
Para o melhor conhecimento deste vírus e da protecção contra a contaminação, a comunicação social pode ajudar divulgando mais conhecimentos aprofundados sobre a doença e menos opiniões. Saber decidir face a situações com contradições é uma capacidade primordial do ser humano. Não a percamos!
“A ciência em momento algum é totalmente exacta mas raramente é inteiramente errada.”
Bertrand Russell, in My Philosophical Development, 1959O momento actual tem-nos rodeado com muitas incertezas. Mas o que seria a vida humana sem incertezas? Para as superar, a humanidade tem encontrado amparos: a tradição, o mito, a amizade, a religião, a ciência e as técnicas são exemplos. Um modo eficaz de afastar uma incerteza tem o conhecimento como raiz, ou seja, uma “crença considerada como ‘verdadeira’ (com convicção) mas devidamente justificada”. Numa pandemia, a humanidade recorre à ajuda mais credível em cada época. Em 2020, o conhecimento científico (baseado nas ciências da saúde) justificou medidas e algumas decisões. Muitos governos rodearam-se de comissões científicas: o exemplo português foi louvado. Mas não é suficiente a relação ciência-decisores políticos para nos tranquilizar. Em 2020, a representação da opinião pública exige mais. Exige-se informação sem contradições, perfeita.A escolha pela ciência é o resultado da ideia de uma relação íntima com a realidade, não obstante as diversas posições contraditórias sobre essa relação. H. Poincaré (1854-1912) disse que a ciência nada nos pode ensinar sobre a verdade e J. Lacan (1901-81) disse, em A Ciência e a Verdade, que a ciência se caracterizaria por uma disjunção dos campos da verdade e do saber. Temos matéria para um mestrado: a análise das diversas posições de cientistas, cientistas-filósofos, filósofos da ciência, filósofos e outros sobre a referida relação. Há posições antagónicas (por exemplo, realismo e anti-realismo) e outras mais subtis como o perspectivismo. Para a opinião pública tudo isto está na “face oculta da Lua”.Durante o século XX, a física absorveu “realidades” novas e contraditórias à luz da ciência anterior: a gravidade como curvatura do espaço-tempo, os diferentes tipos de geometria, a estupefacção dos efeitos da relatividade, o dualismo onda-partícula ou o princípio de incerteza e indeterminação. O extraordinário da ciência é talvez a capacidade de prescindir do desejo de dominar a Verdade e ter como objectivo fundamental propor hipóteses ou teorias para dominar e prever efeitos, aceitando, quando necessário, contradições. Mas para o conhecimento científico ter sucesso deve “ser devidamente justificado”. Eis aqui a chave. Deve seguir um processo, um caminho de pedras”: discussão e competição, confronto com factos, validação, aplicação e consolidação, aceitação, divulgação e ensino. Este processo leva muito tempo e ocorre discretamente em instituições científicas, fora da comunicação social.Anos atrás defendeu-se, com bons argumentos, uma “sociedade do conhecimento”. Essa época passou e sentimos agora a “sociedade da comunicação” na qual as informações tendem a tornar superficiais os conhecimentos. Assim, em período de pandemia, os especialistas da saúde são chamados a dar informações ao público sobre o que sabem de vírus antigos e sobre o novo vírus, ainda muito desconhecido, e sobre medicamentos e vacinas inexistentes. Perguntas feitas em directo, em noticiários, como se os entrevistados seguissem uma bíblia com certezas.A comunicação é agora uma necessidade que não conhece limites. Pedem-se números, previsões, opiniões de virologistas, epidemiologistas e médicos. Ouvem-se algumas perguntas que extravasam o conhecimento científico mas que muitas vezes são respondidas na qualidade de cidadãos com opiniões. Nem todos os convidados reagem do mesmo modo, mas a falta de contraponto faz a ciência parecer detentora de verdades absolutas, mesmo quando o conhecimento científico é ainda muito incompleto e não consolidado.É natural que os especialistas manifestem algumas concordâncias, mas que também tenham opiniões diferentes: por exemplo, a distância física de segurança. Acontece o mesmo nas doenças já conhecidas, sendo normal pedir uma segunda opinião médica. O caso das polémicas internacionais sobre medicamentos e anúncios de avanços em vacinas é paradigmático e evidencia o facto de algumas notícias científicas não serem neutras. Podem estar influenciadas por interesses comerciais ou então o currículo justificar publicações apressadas, por vezes sem revisão dos pares, mas que perturbam o rigor científico das informações. Nas redes sociais é pior: há muita irracionalidade e má-fé.As autoridades e os políticos foram obrigados a comunicar através de múltiplas conferências de imprensa com o risco de gerarem discrepâncias de interpretação. A OMS e a DGS de Portugal são com frequência vítimas desta percepção. Mas há uma outra razão. Não esqueço o que ouvi numa entrevista televisiva em directo da Califórnia. Numa praia, um cidadão sénior disse: “Compreendo que eles (as autoridades) têm razão, mas não gosto que me digam.” Eis os desejos contrariados! Ainda não encontrei quem não conheça as medidas de protecção básicas muito divulgadas (a maioria delas com séculos), mas há desejos pessoais ou necessidades profissionais que se sobrepõem. As barreiras contra desejos ocultos são penosas e há uma compensação simples: “As informações são contraditórias!” Em vez da sociedade do conhecimento e da responsabilidade pessoal, surge a tendência de menorização e de robotização dos cidadãos face aos riscos. Curiosamente, as muitas informações traumatizantes sobre previsões económicas, face às quais o cidadão não se pode proteger, nunca estão sob o cutelo da acusação de contradição. O cidadão é considerado racional na economia mas confuso na saúde. Porque será?Para o melhor conhecimento deste vírus e da protecção contra a contaminação, a comunicação social pode ajudar divulgando mais conhecimentos aprofundados sobre a doença e menos opiniões. Para incentivar a gestão de desejos e necessidades contraditórios, pois, como disse David Hume (1711-76), não devemos confundir o facto (ciência) com o que podemos fazer (acção). Saber decidir face a situações com contradições é uma capacidade primordial do ser humano. Não a percamos!
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