(extracto da entrevista no Observador)
livro "Megathreats"
Vejo que continua atento ao que se passa em Portugal. É verdade que o país não faz tantas manchetes na imprensa económica como fez há cerca de 10 anos, na altura do resgate da troika mas além do que acabou de dizer qual é a sua perceção sobre como o país está a evoluir desde esse resgate?
O país parece estar a progredir bastante bem, tem atraído muita gente por ser um país lindo e com bons recursos, continua a atrair muito turismo – que está a regressar após a Covid – mas é mais do que turismo, como dizia… A entrada das pessoas qualificadas que referi antes são um impulso para o sucesso económico do país. Isto são os aspetos positivos, mas também há aspetos negativos: dívida pública que continua elevada, défice orçamental, aumento dos juros da dívida, inflação elevada a pressionar o poder de compra dos cidadãos, falta de investimento nas infraestruturas que atraiam mais gente qualificada de fora, investimento em educação, na qualificação do capital humano local… É preciso dar qualificações às pessoas para que elas consigam sobreviver num mundo global e digital. Há que usar de forma inteligente os subsídios que vão chegar da Europa, do fundo de recuperação (PRR), apostar fortemente na transição digital e energética… Todas estas coisas estão a caminhar no sentido correto mas, aparentemente, demasiado devagar comparando com aquilo que seria desejável.
Como assim?
É preciso aumentar a produtividade e a capacidade produtiva do país para que o potencial de crescimento se torne maior. É preciso trabalhar muito para isso. Julgo que a situação em que Portugal se encontra é positiva, porém no curto prazo há um risco associado ao aumento da inflação e das taxas de juro. O crescimento foi de mais de 6% no ano passado mas agora prevê-se apenas 1,5% – preocupo-me que seja ainda menos do que isso, não por causa de Portugal mas por causa do impacto da contração mundial e europeia. Em alguns cenários desfavoráveis, é possível prever um crescimento perto de zero. Porém, desde que o país continue a investir nas suas pessoas, nas suas infraestruturas, no médio e longo prazo Portugal pode continuar a ser uma história de sucesso que atrai capital estrangeiro, pessoas e também atrai capital interno para investimento, à medida que se aposta na qualificação das pessoas. É possível continuar a ser uma história bem sucedida no médio prazo, mesmo que este ano o caminho vá ter alguns solavancos.
Acha que Portugal, entre os vários países que tiveram programas de ajustamento económico e financeiro, tirou partido das reformas receitadas pela troika? Ou acha que também terá havido aspetos negativos na execução do programa que prejudicaram as perspetivas económicas do país?
Bem, aqueles foram anos difíceis, os anos após a crise financeira. Havia excessos nos setores público e privado, foi necessário apertar o cinto. Portugal, de um certo prisma, seguiu o seu próprio caminho: aplicou austeridade nas contas públicas, lançou estímulos fiscais localizados – depois beneficiou muito das políticas monetárias expansionistas do BCE mas também fez por se tornar um destino atrativo para as pessoas e para o capital vindos do estrangeiro. Por vezes, é preciso uma crise para se fazer mudanças. Tínhamos países em posições muito baixas em termos de competitividade internacional e atualmente países como Portugal, Grécia, também Espanha estão muito mais bem classificados nesses indicadores, além dos indicadores de qualidade de vida. Mas não se pode tomar estas conquistas como garantidas porque os tempos do dinheiro e do crédito baratos, e das políticas orçamentais expansionistas, ficaram para trás das nossas costas.
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