segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Reflexão-Leonídio Ferreira no DN

 

O Le Monde diz que é a mais velha fábrica de França. Os historiadores hesitam se a fundação foi em 1478 ou 1510. E no edifício uma placa reivindica o ano de 1452. Certo é que a antiguidade de nada parece servir agora à papeleira de Docelles, pois na sexta-feira fechou portas. São 161 trabalhadores no desemprego e uma cidadezinha do Leste francês em estado de choque.

A indignação é geral em Docelles. Os donos são os finlandeses da UPM, um dos gigantes da indústria do papel. Proprietária há décadas, a firma nórdica decidiu encerrar o local porque as suas fábricas mundo fora apresentam excesso de capacidade. É fácil apontar o dedo a esses estrangeiros que se instalam, ganham dinheiro e dizem adeus quando surgem dificuldades.

E, contudo, a UPM esforçou-se por encontrar um comprador. Durante um ano ouviu propostas. Até um cliente fez uma oferta: os finlandeses deixavam 18 milhões de euros em caixa, o novo dono assumia a gestão e a atividade era redirecionada para produtos de maior valor acrescentado que o papel para impressora ou os envelopes, vítimas do e-mail. A resposta foi não, apesar de a UPM poupar em relação às indemnizações (generosas, diz toda a gente).

Será difícil por estes dias encontrar admiradores da globalização nesta cidade dos Vosges. Haverá quem se lembre da máxima de que o capital não tem pátria. É verdade, se bem que as leituras possam ser várias. A mesma UPM que fechou agora a papeleira em França também já fez o mesmo a instalações na Finlândia, até porque tem fábricas do Uruguai à Austrália. Uma multinacional olha para os interesses dos acionistas, não para o passaporte dos trabalhadores.

As cartas de despedimento começam a chegar hoje. E adivinham-se tanto lágrimas como gritos de revolta. Os trabalhadores, porém, não desistiram ainda. Afinal se a sua fábrica sobreviveu às guerras de religião, à Revolução Francesa e a dois conflitos mundiais, por que não pensar que outro futuro é possível. Ideia? Uma cooperativa que possa absorver parte dos funcionários.

Voltemos à globalização. Não falemos demasiado mal dela. Pode vir a dar nova oportunidade à papeleira de Docelles. Tal como os finlandeses chegaram em 1978 e asseguraram trabalho até agora, adivinha-se a vinda de um empresário indonésio. O grupo Paper Excellence comprou nos últimos anos duas fábricas de celulose em França e ameaça não parar por aqui. E há meses, outra papeleira francesa foi resgatada por um tailandês.

Máquinas modernas, trabalhadores especializados, possibilidade de produzir topo de gama. E tradição. A papeleira de Docelles, uma resistente, ainda não se dá por vencida. É um bom exemplo para a indústria europeia. Veremos como acaba esta história.

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