segunda-feira, 6 de março de 2017

Reflexão Rui Hortelão (Sábado 02.03.2017)

A transparência é a arma de arremesso dos tempos políticos modernos. De caso em caso, em Portugal e lá fora, sucedem-se as suspeitas e as investigações, as desconfianças e as (raríssimas) condenações. É excepção a Islândia, onde em 2008 a Justiça declarou o ex-primeiro-ministro Geir H. Haarde culpado por ter escondido a crise financeira do restante governo; e onde, no ano passado, o então primeiro-ministro, Sigmundur Gunnlaugsson, teve de se demitir por ter omitido na declaração de património os 50% que detinha de uma empresa offshore, que nem era ilegal.

Em Portugal, pelo contrário, há ministros que alteram leis à medida dos interesses pessoais dos gestores que querem contratar; secretários de Estado dos Assuntos Fiscais que escondem, durante anos, informação relevante sobre 10 mil milhões transferidos para offshores ou que viajam para ver a bola à conta de empresas do sector que tutelam; há um primeiro-ministro que recebeu uma recomendação da Assembleia da República para fazer uma auditoria forense à Caixa Geral de Depósitos e que a ignora desde 2 de Agosto; há um governador do Banco de Portugal (BdP) que, no momento de contratar um novo director de supervisão nomeia quem tinha esse mesmo cargo durante o período que antecedeu o colapso do BES; há um ex-líder do Bloco de Esquerda que acusou esse mesmo governador de "impreparação técnica" e de ser "um perigo para Portugal", mas que agora aceitou o convite para integrar o Conselho Consultivo do Banco de Portugal; há um governo que, através da Caixa Geral de Depósitos e com o apoio do BdP, contesta uma decisão judicial para divulgar a lista dos maiores devedores do banco público; há um ex-primeiro-ministro que foi preso e está há meses sob suspeita sem acusação, apesar das muitas histórias por explicar relacionadas com empréstimos de amigos e avales do banco público; há um ex-Presidente que falou de escutas ao Palácio de Belém, que patrocinou um encontro discreto do seu assessor pessoal com um jornalista num café da Av. de Roma e que não se coíbe de voltar ao tema para se ilibar do que o seu próprio homem de confiança de décadas escreveu em livro; há todo um grupo que estoirou com dois colossos empresariais portugueses (BES e PT) e que segue vida como se nada fosse; e há um outro, ainda mais numeroso, de deputados, reguladores, auditores, advogados, comentadores e jornalistas que fazem carreira da alternância entre funções públicas e privadas.

Por fim, há a realidade: um desprezo total pela transparência e uma impunidade quase tão grande para todos os envolvidos.

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