A Europa Virtual
No tempo das chamadas redes sociais, a nossa vida coletiva sofreu uma dramática inflexão: dir-se-ia que já só nos sentimos participantes de algum acontecimento (social, justamente) se envolver o ruído mais ou menos ululante de alguma multidão, reproduzida em imagens repetidas até à exaustão nos nossos ecrãs de televisão. Na nova ordem social, foi o futebol que se impôs como matriz compulsiva dessa linguagem, todos os dias consolidando um imaginário bélico que, em última análise, se dá ao luxo de dispensar o simples prazer do jogo jogado.Neste processo de "coletivização" mediática da vida social, seria precipitado considerar o Festival da Eurovisão como uma espécie de derivação musical do futebol. Em todo o caso, vale a pena perguntar de que modo o espetáculo celebra aquilo que, em princípio, constitui a sua matéria principal. Que matéria? A música, precisamente, as canções.Nesta perspetiva, a transmissão de Kiev veio consagrar um modelo de encenação em que aquilo que pareceria essencial - a valorização da escuta - se apresenta superado e, mais do que isso, anulado pela multiplicação delirante de efeitos visuais. O "barulho das luzes" parece ser mesmo o objetivo principal do espetáculo, devidamente sancionado pela gritaria compulsiva dos grupos de apoiantes, cada um exibindo a bandeira (ou bandeiras) da sua festa.Não posso esconder o meu desencanto face à paisagem musical que aqui encontramos. Mas não é disso que falo (e escusado será dizer que respeito os que se sentem de algum modo seduzidos por esta coleção de canções). Falo, isso sim, da estranha celebração de "unidade" europeia através da agitação que tudo isto instala nos nossos ecrãs. Se a Europa se define a partir desta festa virtual, então não sei como ser europeu.
Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho a certeza absoluta. (Einstein) But the tune ends too soon for us all (Ian Anderson)
terça-feira, 16 de maio de 2017
Reflexão - João Lopes (DN)
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