sábado, 20 de junho de 2020

Reflexão - Alberto Gonçalves (no Observador)

(sublinhados meus)

As minhas indignações não são menos do que as deles 
Venho por este meio informar as autoridades competentes das coisas que me incomodam, as quais gostaria que fossem removidas sem demora e, nos casos aplicáveis, incineradas de seguida.
20 jun 2020, 00:12

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Lamentavelmente, ainda não atingi a sofisticação necessária para combater o racismo, o sexismo, o capitalismo, o fascismo, o colonialismo, o cubismo e outras calamidades através da vandalização de estátuas, da destruição de propriedade alheia e do roubo de televisores em lojas da especialidade. Isso não significa que eu não seja sensível e não me ofenda. Pelo contrário, sinto muito e ofendo-me imenso. Sucede apenas que reajo a impulsos diferentes daqueles que movem os comunistas, perdão, os pacifistas que arrasam tudo o que lhes surge à frente. E que não sou pessoa para me manifestar em público, arriscando apanhar covid ou sarna. Assim, venho por este meio informar as autoridades competentes das coisas que me incomodam, as quais gostaria que fossem removidas sem demora e, nos casos aplicáveis, incineradas de seguida.
Estatuária
As estátuas “clássicas” e figurativas não me maçam. Nem me entusiasmam: nunca me aproximei de uma para descobrir a personagem representada. Poderia haver um busto de Idi Amin na minha rua e eu continuaria sem saber. Se calhar, até há. O que não há é direito de encher o país com rotundas e, depois, encher as rotundas com o esterco visual designado por “arte pública”. Às vezes, o esterco é despejado fora das rotundas, como aconteceu – agora sim – perto de minha casa com a “obra” de um tal Cabrita Reis. Consta que aquilo custou 300 mil euros. Venda-se ao ferro-velho e recupere-se 50 paus. É verdade que os hábitos recomendam a mera vandalização, mas vandalizar “arte pública” é, inevitavelmente, melhorá-la.
Toponímia
No Norte o problema é menos grave. No Sul, porém, existe a hipótese de darmos por nós a conduzir na Avenida Álvaro Cunhal, na rua General Vasco Gonçalves, na rua Che Guevara (juro: é na Amadora) ou na rua Vladimir Ilitch Lenine (na Póvoa de Santa Iria, que não conheço e fique ceguinho se um dia vier a conhecer). Parecendo que não, é aborrecido aturar homenagens a assassinos, consumados ou platónicos. É favor trocar os nomes em questão por gente que não colaborou, directa ou indirectamente, com opressões e chacinas. De caminho, aproveitem para rever a rua de Leça da Palmeira evocativa de um professor de físico-química que era pedófilo, e a quem o meu pai, seu explicando, ameaçou, cito, “partir-lhe o focinho”.
Audiovisual
 A HBO proibiu o “Gone With The Wind”. A BBC censurou o “Fawlty Towers”. A Netflix varreu não sei quantos filmes a título de “ofensivos”. Por mim, podem continuar a sanha e desaparecer com tudo. Fora o “Us” (com restrições) e o “Better Call Saul” (sem restrições), há anos que não aparece filme ou série ficcionais de que goste. E o que gosto tenho em DVD. Mesmo os documentários, o último género a fintar ocasionalmente as palermices vigentes, estão a especializar-se na “denúncia” – do sr. Trump, do sistema judicial americano, do sistema prisional americano, da indústria alimentar, da indústria farmacêutica, dos dramas “ambientais” e do que calha. Detesto denunciantes. E detesto “causas”.
Literatura
Alfabetizadas através da leitura de tutoriais de guerrilha urbana e embalagens de tofu, as patrulhas da moral correm logo a vetar Mark Twain e George Orwell. Não faz mal: tenho as obras completas em local seguro. No entanto, se é para queimar livros, reclamo a queima de: 1) “narrativas” dedicadas a divulgar ao mundo os debates do autor com o respectivo “eu interior”, estilo José Luís Peixoto ou Gustavo Santos; 2) “romances históricos” cujo romancista confunde a História com o enredo do “Vamos Jogar ao Totobola”, estilo Isabel Stilwell ou o filho do prof. Freitas; 3) derivações pacóvias e “exóticas” do “realismo mágico”, estilo José Saramago ou Mia Couto; 4) lirismo a cargo de “poetas” interessadíssimos nos resultados da bola e em rimar obsessivamente “país” com “diz”, estilo Manuel Alegre e Manuel Alegre; 5) toda a literatura que é infantil na medida em que os perpetradores são demasiado limitados para rabiscar textos legíveis por um adulto normal, estilo Isabel Alçada e Alice Vieira; 6) qualquer obra consumida na Festa do “Avante!” e no acampamento de Verão do BE (estou a brincar: os camaradas só conseguem ler slogans em t-shirts, e alguns desistem a meio).

Universidade
Sempre ofendidos, os “progressistas” que berram na rua, e praticam homeopatia em casa, querem cancelar o ensino de factos e trocá-lo pelo ensino das comichões que lhes perpassam a meninge. Exemplo? O papel de Churchill na II Guerra deve ser escondido porque o velho Winston não apreciava indianos e era brusco com as senhoras. Dado não frequentar universidades, tanto se me dá. Só reivindico o encerramento, e subsequente demolição, de toda a instituição académica que aceite, ou sequer pondere aceitar, a docência de Boaventura de Sousa Santos, ou que permita que os seus docentes mencionem o nome de Boaventura de Sousa Santos em tom abonatório e não para saudável efeito de galhofa.
“Media” e “redes sociais”
Os comunistas, perdão, os anti-racistas pretendem a censura das opiniões que os fazem chorar. Eu não pretendo censurar as opiniões que me fazem rir.

Humanidade
Conforme lhes compete, os “anti-fascistas”, “anti-racistas” e anti-etc. desejam, assaz legitimamente, abater as criaturas que não pensam como eles – ou, se formos exactos, as criaturas que pensam. Neste domínio, não tenho apetites de reciprocidade. É certo que quando, três anos após Pedrógão e no início da maior derrocada económica da contemporaneidade, as mais altas figuras do regime se juntam em cerimónia patética a celebrar a realização de uns jogos da bola em Lisboa, a minha vontade imediata era que um raio fulminasse os figurões e fosse por ali fora, a fulminar as figurinhas da hierarquia. A cada dia, as afirmações do Presidente da República, do primeiro-ministro e das “autoridades” em geral refinam o carácter grotesco e o desprezo profundo pela ralé. Mas não sou adepto de soluções drásticas: basta-me que deportem os figurões e as figurinhas para um ermo a milhares de quilómetros daqui. O problema é que, por causa da covid, já quase nenhum país aceita portugueses. E esses portugueses em particular não seriam tolerados mesmo sem covid. Voltemos então à hipótese do raio fulminante.









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