sábado, 20 de junho de 2020

Reflexão - Henrique Neto

(sublinhados meus)

Pobreza, ignorância, escolaridade, educação e estupidez

O que continua a acontecer nos EUA, com o assassínio de negros às mãos de alguns brutamontes vestidos de polícias, é não apenas incompreensível mas revoltante.

Nestes meses de pandemia tem-se falado muito sobre a pobreza, quer relativamente a Portugal, quer em relação a muitos outros países, como em África, no Brasil e mesmo nos Estados Unidos. Todavia, fala-se pouco de ignorância, habitualmente ligada à pobreza, mas não só. A ignorância não existe apenas entre os pobres, mas também em muitos outros setores das sociedades em que a escolaridade formal não corresponde, pelo que temos visto, a um nível de desenvolvimento intelectual e cívico minimamente aceitável. Terá de haver outras razões, que serão da área das neurociências, da vida em família, das relações sociais ou outras.
Por exemplo, em Portugal temos tido exemplos de pessoas pertencentes a claques do futebol que se comportam como animais, sem o mínimo de discernimento próprio de seres humanos, mesmo em assembleias-gerais onde alguns energúmenos se deixam arrastar pela paixão, ódios e vinganças várias. Estarão envolvidos pobres e ricos, mas o fenómeno é o mesmo.
Esta semana soubemos que alguns destes seres pouco humanos vandalizaram uma estátua do Padre António Vieira, a quem o nosso grande poeta Fernando Pessoa chamou o príncipe da língua portuguesa – neste caso, provavelmente, com origem na cegueira ideológica que julga o passado com os critérios do presente. Para mais, vandalizar a estátua do homem que mais se bateu pela dignidade dos povos originais do Brasil é não apenas ignorância, para se tornar na estupidez mais perversa. Mas o mesmo seria se a vítima fosse Afonso de Albuquerque.
Para espanto da racionalidade e do conhecimento desenvolvidos ao longo de séculos, temos agora dirigentes de países, como Donald Trump nos Estados Unidos e Bolsonaro no Brasil, que fazem da ignorância e da estupidez a sua marca política. Quando os ouvimos falar não podemos deixar de nos espantar como tais fenómenos são possíveis no séc. xxi, no mesmo tempo em que os homens foram à Lua, viajam pelo espaço, curam doenças, desenvolvem espantosas tecnologias, como o Skype ou o Zoom, que nos permitem ver e falar com as nossas famílias a milhares de quilómetros de distância.
O que continua a acontecer nos Estados Unidos, com o assassínio de negros às mãos de alguns brutamontes vestidos de polícias, anos depois de Luther King, de Kennedy e de Obama, é não apenas incompreensível mas revoltante e coloca em causa o modelo de educação que é fornecido a milhões de crianças e de jovens em todo o mundo.
No nosso tempo temos de ter a humildade de voltar a definir com maior rigor as palavras pobreza, ignorância e educação, tanto como escola e família. Temos de ir à raiz da ciência e das tecnologias que os homens criaram para encontrar novas formas de estudar o fenómeno desta sub-humanidade que compromete os resultados de milhares de anos de avanços civilizacionais do nosso planeta.
Temos de voltar a definir o valor das ideologias. Porque não podemos continuar a julgar o passado e os nossos antepassados apenas, ou principalmente, com base em conceitos ideológicos. Devemos, naturalmente, honrar aqueles que no passado viram mais longe e anteviram os tempos futuros, mas não podemos passar a vida a julgar a esmagadora maioria que não conseguiu fazê-lo no seu tempo. Para não tornar ainda mais confuso e estúpido o processo histórico, temos de deixar em paz os nossos antepassados e as suas fraquezas, deixando o seu estudo aos historiadores, para nos concentrarmos no cumprimento dos valores do nosso tempo.
Neste campo, a batalha ideológica entre os bons e os maus do passado ou o combate ideológico entre os adeptos de Trump e os demolidores dos monumentos da nossa história, como feito pelo ISIS e como está a ser feito por reação à morte dos negros americanos. Ou a comparação ideológica entre os campos de concentração nazis e o Gulag soviético, o que poderá deixar muito satisfeitos os ideólogos de sinal contrário, para ser, de facto, apenas mais uma demonstração da ignorância e da irracionalidade deste tempo em que vivemos.
Repito, o que se está a passar neste tempo, por que o nosso turno é responsável, não é aceitável e é perigoso. Vamos antes tentar estudar as origens da ignorância e da estupidez, com a certeza de que, se tentarmos fazê-lo através de mais ignorância e de mais estupidez de sinais contrários, é porque pertencemos a gerações que não estão à altura das mudanças necessárias no nosso tempo.

Empresário
Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade

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