sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Reflexão - J. Araújo

1 - OBJECTO - REFLEXÃO DE JOÃO ARAÚJO

https://observador.pt/opiniao/um-enigma-cultural-e-educativo-a-qualidade-e-fruto-da-quantidade-sim-ou-nao/

Um enigma cultural e educativo: “A qualidade é fruto da quantidade, sim ou não?”
“Porque é que Portugal tem poucas medalhas olímpicas, poucos Nobel, poucos cientistas de topo?” Resposta típica: “É de sermos poucos! Fôssemos mais, teríamos mais campeões.” Será assim?

29 jan 2022, 00:01
“Porque é que Portugal tem poucas medalhas olímpicas, poucos Nobel, poucos cientistas de topo?” Resposta típica: “É de sermos poucos! Fôssemos mais, teríamos mais campeões.” Será assim?

Vejamos.

O prémio Nobel. A Suíça tem 7 vezes menos pessoas que a Itália, mas tem o dobro de prémios Nobel.  Os EUA são quem tem mais Nobel nascidos no país, mas não são quem tem mais população. Aliás, China e Índia juntos tem 1/3 da população mundial, mas têm menos Nobel que a Suíça, que aliás tem menos gente que Portugal. Não há relação entre Nobel e o tamanho do país.
Nas medalhas olímpicas. A Hungria ou a Suécia são tão grandes como Portugal, mas têm 20 a 25 vezes mais medalhas que nós. O Paquistão tem 20 vezes mais pessoas que Portugal e tem um terço das nossas medalhas. A Chinatem 140 vezes mais gente que a Suécia, mas menos medalhas.
Que aconteceria se, em Portugal, o problema fosse a quantidade?

Se fosse assim, deveriam aparecer atletas medalháveis nas modalidades mais variadas. Mas não: 4/5 das nossas medalhas estão concentradas em 6 modalidades. Será que os génios nascem aos pares?

O caso curioso da Universidade de Stanford

Stanford tem apenas 16.000 alunos e em Tóquio-2021 ganhou tantas medalhas (26) como Portugalganhou em cem anos a participar nas olimpíadas.

Stanford totaliza 302 medalhas (só há 13 países a ganhar mais medalhas que esta universidade).

Um adepto da teoria “quantidade é qualidade” tentará explicar que Stanford, a segunda melhor universidade do mundo, atrai os melhores atletas dos EUA e é por isso que ganha muitas medalhas.

Parece uma “explicação que explica”… até conhecermos alguns factos:

Stanford ganha em poucas modalidades e sobretudo em senhoras; se os melhores são atraídos para lá, não deveria ter um leque vasto e proporcional de bons atletas?
Stanford tem muitas modalidades em que não ganha medalhas nenhumas.
Fazer Escola: “make school not war…”

Fazer Escola (com maiúscula) é cruzar, numa mesma comunidade de pessoas interessadas, um conjunto profundo de saberes e experiência, e também governança, relações interpessoais de qualidade, know how, domínio das variáveis relevantes e sua transmissão, tradições virtuosas, política sustentável e esclarecida de desenvolvimento e aquisição de meios, etc. É uma teia muito delicada e frágil.

As medalhas e records que Portugal teve no fundo (em homens e mulheres) não resultaram do acaso feliz de nascerem aqui atletas excecionais; foi a Escola de fundo portuguesa que ofereceu condições excecionais de desenvolvimento de todo o seu potencial a atletas como Carlos Lopes, Rosa Mota, António Leitão, Fernando Mamede, Fernanda Ribeiro, Manuela Machado, Domingos e Dionísio Castro, Sérgio Paulinho, Rui Silva, etc.. Não fomos nós a ter sorte com o seu nascimento. Eles é que tiveram a sorte de ter imenso potencial precisamente na área em que Portugal tinha Escola.

E algo se passou para perdermos essa Escola (seja ao nível da transmissão, seja na sustentabilidade dos meios, etc.).

Portugal dá cartas em futebol (de 11, de 5 ou em treinadores) porque tem Escola de jogadores e treinadores, uma Escola que começa nas ruas e vai até aos centros de alto rendimento. O mesmo se diga do hóquei, e em mais algumas.

Portugal ou Stanford ganham nas áreas em que têm Escola. Mesmo que importassem talentos, jovens e promissores, provenientes do mundo inteiro, só os conseguiriam transformar em campeões nas áreas em que têm Escola.

Os EUA ganham mais medalhas e em mais áreas que qualquer outro país, não por serem mais, nem por serem melhores, mas por terem feito Escola em muitas modalidades.

Dão cartas no cinema, nos Nobel, na música, etc., sempre pela mesma razão: é talvez o país do mundo que melhor percebe a importância da Escola, onde a primeira coisa que os pioneiros fizeram ao fundar uma povoação, foi instalar a escola.

Num país com 250 anos, a universidade mais antiga (Harvard) é de 1636, sendo mais antiga que todas as portuguesas, exceto Coimbra. No top 10 das universidades, 8 são americanas.

A explicação típica para que os EUA sobressaiam muito mais que Portugal em música, cinema, ciência ou desporto é quase sempre a quantidade de pessoas, mas essa explicação é falsa.

Portugal bateu americanos nas provas de fundo em atletismo não por ter mais pessoas, mas por ter uma Escola melhor. Portugal bate americanos em futebol, não por ter mais pessoas mas por ter uma Escola melhor. Mas o nosso problema não são as Escolas que temos, são as que não temos. O problema não é nascerem poucas pessoas com potencial. O problema de Portugal é não ter Escolas para desenvolver o potencial de quem nasce.

Uma tirada de Einstein a não “relativizar”   

No final do século XIX e início do XX, as universidades alemãs dominavam a ciência mundial; a joia de uma coroa científica muito rica era o Departamento de Matemática de GÖttingen.

Einstein queixou-se no final da vida que em Princeton nunca conseguiu produzir como na Alemanha pois “faltavam-me os colegas do Departamento de GÖttingen”, a Escola matemática por excelência.

Ora aqui vai uma história para afixar em gabinetes de ministros, em salas de conselhos de administração, em autarquias, em escolas, etc.

A Alemanha nazi também tinha orgulho neste departamento, mas incomodava-a haver lá uns poucos judeus, que foram expulsos.

Tempos depois, o ministro responsável por essa decisão cruzou-se com o então patriarca da matemática mundial, David Hilbert, e perguntou: “Corre o rumor de que o departamento de GÖttingen se ressentiu um pouco do saneamento dos judeus; é verdade?” Hilbert respondeu: “Esse rumor é completamente falso: o departamento está morto”. Mas os que ficaram não eram bons? Eram, mas ser bom só não basta pois uma teia delicada de relações, know how, tradições e saberes, quando perde um nó, perde o Norte.

Isto é: custa muito (em tempo, meios e sorte) construir uma Escola  e custa ainda mais construir uma escola que perdure para lá da morte dos seus fundadores e impulsionadores. Já destruir uma Escola é muito fácil. Reerguê-la custa imenso e pode nunca voltar a conseguir-se, tal como GÖttingen nunca recuperou o seu lugar cimeiro.

Foi, por tudo isso, incompreensível ver Portugal fechar em cadeia, ao extinguir os contratos de associação, escolas que eram, muitas delas, as melhores do concelho ou distrito onde serviam toda a população e não apenas filhos de pais ricos.

Vejamos o lugar de algumas dessas escolas nos rankings anteriores à sentença de morte aplicada em 2016:





 

Em 2016 justificou-se com poupança de dinheiro quando uma turma nestas escolas custava ao Estado 80.500 euros enquanto na escola “do outro lado da rua” custava ao Estado 103 mil euros em 2015 e custa hoje 136 mil euros.

Querer ver melhor para ver mais

Uma pessoa, uma organização ou um país medem-se pela qualidade do seu propósito. Portugal será grande se o seu propósito for a Escola.

Hoje nasceu em Portugal a Ana com potencial para chegar ao topo em alguma coisa (matemática, ténis, violino, treinadora de cavalos, pintora, seja o que for). Só o vai conseguir se em Portugal houver Escola na área do seu potencial.  Terá sorte se tiver potencial para ser futebolista ou hoquista. Terá azar se o seu potencial for na maioria das outras áreas. Custa dizer. Mas custa muito mais não o fazer.

Portugal está a falhar com fragor aos futuros portugueses. Não por sermos poucos e nascermos com pouco potencial, mas por não termos a Escola que o desenvolva.

A imensa quantidade de disciplinas em que não ganhamos “medalhas” dá a medida inteira das Escolas que não temos. É o grito dos bebés com potencial comprometido a tentar acordar Portugal. Haja propósito. FazerEscola.

 

RESPOSTA 1 - Rui L.Maria

 Companheiro

Para ganhar é necessário ter fome de ganhar, de lutar pelo prazer da vitória e não pelo lugar que dá acesso ao subsídio ou satisfaz o patrocinador. É o que faz a diferença.
Não me parece coerente admitir que o atleta não corra se não forem satisfeitas as suas exigências mais absurdas.
Ninguém ganha com a barriga cheia.

Quanto às escolas.
A destruição da massa crítica (deontologicamente coerente e sustentada) é o factor base para o esmagamento das memórias colectivas que sustentam uma nação.
Quando se tornam proscritos os bairros (as colectividades, as "tascas", os cafés tradicionais com o dominó e a sueca), as tertúlias e o polícia de giro, desumaniza-se a sociedade, fomentando o egocentrismo e, por estranho que pareça, a solidão. O cidadão deixa de ver e ouvir, de debater, de discutir com o vizinho. Resta a dependência do que lhe é transmitido através de jornalixo através de monitores.
Grave é que o fabiano aculturado (em que se tornou) não se apercebe da mudança, foi gradual, tal como na estória da rã e da água ao lume.
Por outro lado, encontram-se registos de numa reunião do governo nazi, quanto aos limites das medidas que poderiam ser aplicadas, Hitler teria mandado buscar uma galinha e depois, sucessivamente, arrancou-lhe tufos de penas, afastava-se dela e deixava cair uns bagos de milho. Mesmo já a sangrar a galinha teria continuado a segui-lo. E Hitler concluiu; basta atirar-lhe umas migalhas que eles continuarão a seguir-nos.

Creio que (pelo menos) alguns de nós ainda recordam axiomas como: "fomentem a cultura e fomentam a revolução" e afins.
E é suposto ser nos estabelecimentos de ensino que se inicia a aprendizagem, que deverá ser despertado o desejo de saber mais, de aprofundar e confirmar, de desenvolver o espírito crítico.
Quem aprende na escola actual o porquê de o facto científico (lato sensu) se sustentar na tese, na antítese e no experimento?
E o que isso significa?
E a ignorância da História determina a repetição do erro.
Acabar com as escolas com maior expressão de sucesso, da excelência possível neste rincão perdido a oeste fará assim tão pouco sentido?
O Churchill teria dito que um político se preocupa com eleições enquanto o estadista se preocupa com o futuro da nação.

TPC para este fim-de-semana, e que ajudará à reflexão do voto:
- Dá-me UM exemplo de estadista, em Portugal, no pós 24/04 de 74?
(E não venhas com o Sá Carneiro, mataram-no!)

RESPOSTA 2 - J.COELHO (a quem enviei, por engano)

Bom dia Luiz,
Sentado, no recato de um banco de avião, de regresso da Terceira para Lisboa, acabei de ler o artigo que me enviaste de um "tal Araújo".
Porque estava no ar e embora com manifesta perda do meu tempo, tornei a lê-lo uma vez mais para conseguir encontrar algo de interessante e coerente. Apesar do espírito cartesiano, aprecio os matemáticos e tenho lido bons artigos de muitos deles. Mas este "tal de Araújo" deixa mesmo muito a desejar... É novo, não pensa, e vai ter que estudar e viver muito mais tempo para poder melhor formular as questões. É mesmo  e pobremente um "pavloliano".
"Quero chegar aqui e por tal, crio os fundamentos e as hipótese que me interessam"!
Mesmo pobre, Luiz.
Mas acredito que com a vida, possa crescer.
Talvez seja por isto, que alguns Portugueses, realmente não conseguem singrar!
A trapalhada das medalhas, dos resultados e das quantidade, é de deixar qualquer um de boca aberta, pelo menos a mim...
O "tal de Araújo" está todo baralhado, coitado! Será que é ou quer ser político!? Só pode! Porque de matemático, tem pouco... Mas pronto, vale o que vale e não é para perder muito mais tempo do que já perdi.
Presentemente o Mundo está cheio de analistas, comentadores, consultores, opinadores de simples clique de um dedo Googliano!
São os tempos da mudança...
Portugal continua a ser mesmo uma MARAVILHA que para além do mais, tem ainda a capacidade e a paciência de aceitar TODOS, e lhes permitir existência e opinião.
E ainda bem que assim é.
Somos sempre "os piores", "os da cauda", "os mais atrasados"! Não temos Nobel, artistas, filmes, universidades, gente inteligente, rankings, prémios, medalhas, e mais mil e uma coisas que todos os outros têm, menos nós coitados!
Somos mesmo muito maus!
Eu quero ser mau, mesmo muito mau.
Viva, viva, viva Portugal!
Realmente, não é nada fácil ser MARAVILHA!
Abraço
Jorge Coelho
P.S. Quando pousar, e certamente o vou conseguir, porque não estou a viajar na TAP, envio-te este email, se a rede em Portugal funcionar.
Rezemos

RESPOSTA 3 - JORGE SILVA

Olá, Luíz.

Perfeitamente de acordo em relação à noção de "Fazer Escola".
Talvez porque morreu Moniz Pereira e, não teve sucessores à sua altura, o atletismo de fundo português... foi-se.
Todavia penso que o jornalista em questão joga com as palavras e com a expressão " Da quantidade surge a qualidade"
Esta expressão deverá ser analisada com o trabalho de cada um e não com a quantidade de praticantes do que quer que seja.
Quanto mais tempo dedicares a uma actividade mais vais aperfeiçoar a tua "performance'' - a qualidade do teu trabalho.
Quantos mais exercícios de matemática fizeres, melhor vai ser a tua relação com a disciplina e melhor a tua nota no teste.
Quantos mais "escritos" produzires melhor será a tua escrita.
(Tens o exemplo da Isabel, quando embarcou na disciplina da escrita criativa e foi correspondendo aos exercícios propostos, melhor foi construindo a sua prosa, não aprendeu nada de novo, porque o professor não estava à sua altura, mas o facto de se "obrigar" a escrever, semanalmente, fez com que tivesse produzido trabalhos de muita qualidade.)
A quantidade de tempo que dedicamos a uma actividade, associada à contínua execução de exercícios, treinos, rotinas, apura inevitavelmente a qualidade do produto final.
O "sucesso" que tenho tido com a turma de escrita, prende-se com a entrega dos alunos à disciplina e a sua constante motivação para, semanalmente, escreverem.
E aqueles que mais produzem são os que têm obtido melhores resultados.

Um abraço.
Jorgesilva

RESPOSTA 4 - J. INFANTE

... grande artigo! Bem escrito!

RESPOSTA 5 - C. Heitor

Sim, Luiz, enviaste,
Não achei ofensivo, podemos concordar no todo ou em parte mas, ofensivo não foi.
Mas, em minha opinião toca num ponto de reflexão. A imprecisão que encontro prende-se com o facto de ter de ficar claro que Escola de Algo pressupõe que existam condições estruturais de treino (desportivo ou cognitivo) e condições de acolhimento (onde incluo, por exemplo, apoios de explicadores para que os alunos sejam fortemente enquadrados em atividades que não são o cerne do seu ponto forte (seja ele de índole desportiva ou de natureza cognitiva ou musical, etc, etc, etc).
Abraço
CH

RESPOSTA 6 - J.N.MELO

Eu não diria que há impertinência. Há sempre, contudo, em Portugal, a necessidade de não falar verdade com todas as palavras e essa é a nossa grande desgraça como país.
Grande abraço e tudo de bom.


RESPOSTA 7 - M. V. OLIVEIRA

Ora aqui está um artigo bem interessante e útil.
Felizmente que entretanto o Costa voltou a ganhar as eleições e, tendo deixado de haver empecilhos a impedi-lo de governar o país como ele gostaria,
de agora em diante vamos tornar-nos rapidamente num modelo de desenvolvimento que vai espantar todo o mundo.
O bom povo português deu mais uma lição de sabedoria, bendito seja.




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