segunda-feira, 13 de junho de 2022

Reflexão - J. Cabrita Saraiva (Jornal "I")

 

Um país que inventa problemas para não resolver os que tem

Há muito que os problemas nacionais a necessitar de solução estão elencados. Mas “pegar o touro pelos cornos” não é tarefa fácil, claro. E por isso os políticos vão-se entretendo com questões acessórias. É por isso que se discute tanto as touradas, por exemplo, o futebol, a eutanásia, a semana de quatro dias e outros devaneios.

Se olharmos para a história do país, perceberemos sem grande dificuldade que muitos dos problemas com que nos confrontamos hoje já nos perseguem há muito.

O endividamento excessivo, só para dar um exemplo, é quase uma constante pelo menos desde 1891-92, quando a monarquia se viu obrigada a declarar bancarrota. Atualmente, cada português deve em média cerca de 26 mil euros ao exterior (mesmo um recém-nascido!). Este endividamento tem um preço a pagar: além dos milhões que se escoam para o serviço da dívida, traduz-se numa dependência externa que também tem feito consistentemente parte do panorama nacional.

Outro problema que temos visto agravar-se nas últimas décadas é o do envelhecimento, que coloca um sério desafio à sustentabilidade económica e da Segurança Social. Em vez de se estimular a natalidade, fecham-se maternidades.

Juntemos-lhes a baixa produtividade, os baixos salários, a pobreza endémica, o crescimento tíbio da economia, e obtemos quase um retrato - não muito entusiasmante, reconheço - do país. Que só ficaria completo com os períodos de seca prolongada, a falta de ordenamento florestal e os fogos de verão.

Há muito que os problemas nacionais a necessitar de solução estão elencados. Mas “pegar o touro pelos cornos” não é tarefa fácil, claro. E por isso os políticos vão-se entretendo com questões acessórias. É por isso que se discute tanto as touradas, por exemplo, o futebol, a eutanásia, a semana de quatro dias e outros devaneios.

Julgo que não será exagerado dizer que inventamos problemas para não termos de lidar com os que nos afligem de facto. Os políticos criam assim uma espécie de realidade paralela que vai ocupando os telejornais e distraindo os incautos.

Essa atitude tem as suas vantagens. Discutir as questões que estão na ordem do dia dos países mais desenvolvidos proporciona-nos a ilusão de que estamos num patamar mais avançado do que estamos na realidade. E olhar para o lado, em vez de encarar os verdadeiros problemas de frente, sempre proporciona um escape ao cenário pouco encorajador que nos rodeia.

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