segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Reflexão-Rui Moreira (JN)

Os sebastianismos

Nesta semana, o senhor presidente da Republica obsequiou-nos com o seu discurso de Ano Novo, no qual nos informou de coisas deveras interessantes.

Desde logo, disse que Portugal não pode correr o risco de não cumprir os seus acordos externos mas deve utilizar todos os argumentos possíveis para tentar renegociar as condições que nos foram impostas pela troika. De facto, a alteração das circunstâncias externas justifica, só por si, essa alteração.

Depois, invocou a necessidade de se tomarem medidas que estimulem o crescimento económico, sem especificar quais, e sem nos elucidar sobre como as poderemos vir a pagar, como, de resto, vem sendo traço comum a todos os discursos que temos ouvido nesse sentido.

Disse também que não queria ver aberta no país uma crise política, sem se compreender, ao certo, do que estava a falar, anunciando em seguida, e a propósito de equidade, que o Orçamento Geral do Estado iria direitinho para o Tribunal Constitucional. Soube-se, depois, que o PR nem sequer solicitou urgência nessa apreciação. Entenderá porventura que mal não faz ao país se o Orçamento ficar a marinar.

Naturalmente, a ideia de que tudo pode ser salvo pela Constituição da República e pelos seus guardiões agrada às esquerdas conservadoras. Veremos, agora, qual será a interpretação dos juízes. Se, porventura, chumbarem o Orçamento, então veremos, muito provavelmente, eclodir a crise política que o PR diz tanto querer evitar.

Como se sabe, não concordo com o Orçamento Geral do Estado, porque não me parece que seja exequível. Mas também não me parece lícita a interpretação restritiva da sua constitucionalidade. Preocupa-me, por isso, que o chefe de Estado defenda agora essa mesma lógica parcelar de validade constitucional.

Como é óbvio, posso estar enganado. Pode ser que o Tribunal Constitucional consiga resolver todos os nossos problemas. Se interpretar a Constituição literalmente, poderá vir a considerar, como inconstitucional, a fome e o desemprego, a existência dos sem-abrigo e muitas, muitas outras coisas desagradáveis e injustas que infelizmente abundam neste país em crise. Pode, quem sabe, declarar que a falência das pequenas e médias empresas também é inconstitucional. Quem ouve os mais conservadores, depois da canela da Índia no século XVI, o ouro do Brasil no século XVIII, e os fundos de Bruxelas no século XX, a solução para o século XXI está escondida na nossa extraordinária Constituição...

Enquanto a Esquerda celebrava o realinhamento do PR, o Governo deu mostras de não necessitar da Oposição. Depois das privatizações terem sido retiradas ao ministro da Economia e entregues a uma secretaria de Estado que depende do ministro das Finanças, agora são as propostas de crescimento económico que também passam para o ministro plenipotenciário. Depois de vários meses em que o ministro da Economia se empenhou num abaixamento do IRC para novos investimentos em Portugal, eis que Gaspar, que nunca concordou com esses aventureirismos, enterra essa iniciativa, criando uma comissão que, no prazo de dez meses, irá apresentar uma nova proposta sobre esse imposto. Claro que António Lobo Xavier é a pessoa certa para presidir a essa comissão, e as suas propostas serão certamente avisadas, apenas se podendo lamentar que não tenha um cargo no Governo. Mas, desta forma, congela-se o modelo preconizado pelo ministro da Economia, e estudado por Luís Magalhães, também ele um grande especialista em matéria fiscal. Fica a ideia de que, de facto, quem manda em tudo, ou quase tudo, é Gaspar. Fica a convicção de que não há que ter pressa, que a promoção do investimento, seja ele português ou estrangeiro, pode esperar.

Temos, enfim, o país dividido entre dois sebastianismos, entre aquele que crê no fundamentalismo constitucional, e o que ainda faz fé no fundamentalismo troikista de Gaspar. Não me peçam que vos explique, porque o ano ainda agora começou, e não quero servir de voz ou arauto da desgraça, mas tudo isto, não promete nada, mesmo nada de bom, para os dias e meses que se avizinham.

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