sábado, 30 de agosto de 2014

Reflexão-Nuno Saraiva no DN


E viva a incompetência

Portugal é um lugar estranho, onde, ao contrário de outros poisos, a incompetência é apreciada e, até, premiada.
Esta semana, por exemplo, o presidente da Federação Portuguesa de Futebol chamou a imprensa para fazer um balanço, tardio, da miserável participação da seleção no Campeonato do Mundo. Disse Fernando Gomes que, apesar de terem sido dadas todas as condições, "não fomos capazes, no Brasil, de cumprir o objetivo mínimo exigível". E acrescentou: "Não fomos competentes." Vai daí, e perante a repetida confissão de responsabilidade única, honra lhe seja feita, assumida pelo selecionador nacional, o que é que se faz? Despedem-se os médicos e reforça-se o papel e o poder de Paulo Bento.
O exemplo futeboleiro serve de pretexto para um pequeno escrutínio da nossa memória coletiva. Na verdade, ninguém se lembra de a história registar o despedimento de um qualquer titular de cargo público ou político por incompetência ou má figura.
Senão, vejamos: o atual Governo, manifestamente incompetente no controlo das contas públicas - como se comprova com as derrapagens no défice e com a apresentação de oito Orçamentos Retificativos em três anos -, ainda merece a confiança de 30% do eleitorado que vota - foi assim nas últimas eleições europeias -, e quem veja as sondagens não pode excluir uma vitória da coligação PSD-CDS em 2015.
Por seu lado, a oposição, que claramente tem sido incompetente, ainda consegue ganhar eleições, ainda que de forma pífia, apesar da devastação que a austeridade colossal tem provocado no País.

Saiamos agora do presente e recuemos no tempo.
Durão Barroso, cujo Governo incompetente até registou, a meio do mandato, uma censura violenta nas urnas que levou à "fuga" do ex-primeiro-ministro, acabou promovido a presidente da Comissão Europeia - lugar que ocupa até outubro - e, quem sabe, chegará um dia a secretário-geral da ONU, para gáudio do orgulho nacional.
António Guterres, cuja passagem por São Bento não fica certamente na história pela competência e capacidade de tomar decisões, é agora o nome dileto de uma parte da esquerda - mas também de uma certa direita - para ocupar a vaga que Cavaco Silva há de deixar em Belém, lá para janeiro de 2016.
E, no que a lugares de governação diz respeito, também não foi por incompetência que Pedro Santana Lopes, cujo mandato como primeiro--ministro durou apenas um semestre, acabou por cair. Isto apesar da trapalhada que foi a formação do Governo ou os erros clamorosos cometidos numa abertura de ano letivo, atrasando o regresso às aulas.
Na regulação bancária também não faltam exemplos de promoção da incompetência. Vítor Constâncio ficará para sempre associado - pela inépcia, para dizer o mínimo - ao BPN, o maior escândalo financeiro, até agora, da história portuguesa. Objetiva e factualmente, a incompetente supervisão do então governador do Banco de Portugal, que não detetou em tempo útil as ilegalidades cometidas no BPN, mereceu ser premiada com uma "promoção" a vice-presidente do Banco Central Europeu.

E até D. Sebastião, que se mostrou incompetente na batalha de Alcácer Quibir contra os muçulmanos, ficou na história como "o desejado", inspirando o mito sebastianista de salvação da pátria. Logo ele que, pela morte, espoletou a crise dinástica que haveria de nos empurrar para os braços dos Filipes espanhóis, conduzindo-nos à perda da independência nacional.

O que os factos demonstram é que, definitivamente, estamos condenados - por culpa própria - a viver num país que, perante todas as evidências, encolhe os ombros, se conforma na cultura do "tivemos azar, pá!" e é condescendente com a incompetência. Como disse Salgueiro Maia às suas tropas, na madrugada de 25 de abril de 1974, "há diversas modalidades de Estado: os Estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos". E o estado a que isto chegou é o de "viva a incompetência".

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