sábado, 28 de março de 2015

Reflexões (vários)

A coisa mais estranha em tudo isto é que quase toda a gente se queixa imenso de todos os outros que praticam o Quero-lá-Saber, mas é capaz de passar a Querer-lá-Saber no momento seguinte. O Quero-lá-Saber é a mistura perfeita de falta de civismo e chico-espertismo. A única coisa que obtém é fazer abrandar tudo. Quebra sistemas, torna o trânsito mais lento, torna menos simpáticas muitas das trocas que temos de fazer no dia-a-dia, e irrita toda a gente. Toda a gente, e não só esta bifa rígida e fria que não entende a razão por que a maioria dos seus amigos e colegas, normalmente pessoas adoráveis, simpáticas e doces, são no entanto capazes de levar mais de 15 coisas a uma caixa de supermercado só para "15 coisas ou menos", ou de estar sempre fabulosamente atrasados, ou de insistir em circular na faixa do meio na autoestrada.

Quero-lá-Saber: a mais estranha de todas as artes marciais.

Lucy Pepper no "Observador"

 

É por isso que o estúpido programa lançado pelo governo para o regresso de emigrantes não passa de uma tonteria. Em vez do Vem, devia haver o Vai. Com direito a um bilhete de ida numa companhia low cost e um pocket money para as primeiras necessidades. Nesta lixeira a céu aberto, os pais e avós que amam verdadeiramente os filhos e netos só lhes podem dizer uma coisa: que fujam daqui e não voltem. Não voltem para viver num país em que o presente é uma miséria material e moral, não voltem para viver num país sem futuro. Não voltem para viver num país em que desembargadores assinam acórdãos de café com ditados populares e filosofia de pacotilha. Não voltem para viver num país em que se discutem listas vip e listas pop e se crucificam responsáveis que tentam travar as vergonhas da administração pública e punir os criminosos. Não voltem para viver num país em que os políticos fingem indignar-se com tudo e mais alguma coisa só para que tudo fique na mesma. Foi assim ontem, é assim agora e será assim amanhã. De vergonha em vergonha, de miséria em miséria, até à desgraça final.

António Ribeiro Ferreira no jornal i

 

Mas há mais, e esse mais não deve ser ignorado: o regresso de um discurso nacionalista radical não é hoje um exclusivo da extrema-direita, é também, e cada vez mais, uma normalidade para a esquerda radical. E não digam que exagero, pois já estamos a assistir a isso mesmo, ao directo e ao vivo, na Grécia. A aliança entre o Syriza e um partido nacionalista da direita radical não nem resultou de um acaso, ainda menos de uma necessidade, resultou de uma real coincidência de objectivos, de retórica e de métodos.

José Manuel Fernandes no Observador

 

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