sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Reflexão - Vários

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Infelizmente, como pudemos acompanhar nos debates sobre o tema, os números exatos ou estimados não existem. O Estado nunca tem números nenhuns. Desculpa-se com a tradição. Apesar de sermos um país com recursos escassos, que tem um problema orçamental doloroso, com cortes violentos na provisão dos bens públicos, a justificação do financiamento público é meramente conceptual e genérica. E quem duvida das externalidades positivas é despachado por "bota--abaixista", em vez de ser confrontado com as estatísticas oficiais muito positivas. Mas, se é lamentável que o Estado (seja governo, seja CML) não tenha qualquer número ou estatística concreta para justificar o seu generoso financiamento público quando já vamos no segundo ano, mais surpreendente é a ausência de indicadores quantitativos por parte da organização da Web Summit. Ao contrário do que se poderia esperar de uma iniciativa privada virada para o futuro, com cinco anos de experiência na Irlanda, insiste-se no uso de linhas de comunicação do passado. Hipérbole, promessas de grandes benefícios, feira de vaidades e famosos, mas nada de concretizar os ganhos. Para uma feira de negócios, parece-me bizarro.
Quando pressionados pelas tais externalidades positivas, os promotores privados e públicos da Web Summit rapidamente rejeitam o economicismo dos números e optam pela conversa dos imensos ganhos intangíveis. Curiosamente, os tangíveis não se medem quantitativamente, mas os intangíveis são uma realidade qualitativa inapelável que supostamente deveria calar o "bota-abaixismo". O problema dos intangíveis é que Portugal já não consegue viver com tanta fartura - os intangíveis da Expo98, do Euro 2004, das capitais da cultura, da economia do mar, das autoestradas, dos choques tecnológicos, da paixão pela educação são de tal forma avassaladores, que o Orçamento do Estado, coitado, tem dificuldade em lidar com eles. Que a Web Summit insista em intangíveis em vez de acabar com o "bota-abaixismo" mostrando os números concretos apenas revela que, infelizmente, mesmo após a bancarrota de 2011, nada mudou na cultura dos agentes políticos, das elites portuguesas e da comunicação social. Continuamos a discutir o que não pode medir e não medimos o que deveria ser discutido. Extraordinário. Suponho que a isso chamam a resiliência dos portugueses.

(Nuno Garoupa in DN)

Nesse sentido, termos a oportunidade de ser directamente confrontados com manifestações dessa realidade transformacional deveria ser aproveitado para nos interpelarmos sobre o desafio que essas transformações nos colocam e melhor nos prepararmos para lhes responder e delas podermos beneficiar. Em lugar de sobre tal oportunidade despejarmos a sobranceria intelectual de quem, perante um dedo que aponta um desafio, se regozija a discutir a forma do dedo.
Foi demasiada, e provinciana, a atenção mediática dedicada ao evento? Mas medida contra quê? Contra os assuntos que nos últimos dias têm enchido horas televisivas, páginas de jornais e bytes de redes sociais, como sejam as impropriedades do comportamento pessoal do Sr. Kevin Spacey, que vive na América, a anacrónica fundamentação de uma sentença judicial sobre a vida de duas pessoas, uma cena de violência que, grave em si mesma, não tem relevância social significativa, só para citar alguns exemplos. Sem mencionar as omnipresentes angústias do futebol, como se à volta delas girassem as nossas vidas? É isso mais relevante para a vida das pessoas e o seu futuro do que o objecto da Web Summit? Então, talvez sejamos mesmo provincianos.
O foco mediático, e a manipulação do seu zoom valorativo, distorce frequentemente a perspectiva do mundo e da vida, subvertendo a escala da importância que os acontecimentos têm para a vida das pessoas, e acabando por subverter com isso as prioridades da própria política.
Seria bom, pois, que aproveitássemos esta oportunidade para sair do paroquialismo temático e nos debruçarmos, por exemplo, sobre a interpelação deixada pelo historiador Yuval Harari: "O que acontecerá à sociedade, à política, e à vida diária, quando algoritmos não conscientes, mas altamente inteligentes, nos conhecerem melhor do que nos conhecemos a nós próprios?"

(Vitor Bento in DN)

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O problema que enfrentamos é que a resposta tradicionalista pertence a outro mundo. A um mundo sem globalização, sem a primazia do direito de raiz anglo-saxónica no mundo económico, sem garantias constitucionais que são inevitavelmente políticas, sem cidadania ativa, enfim, um mundo de um poder judicial fraco. No mundo em que vivemos, as preferências dos magistrados são necessárias, relevantes e absolutamente influentes. Importa, pois, saber se quem aplica e interpreta a lei em nome do povo é socialista, conservador, ultradireita, esquerda radical, comunista, católico, agnóstico ou ateu (não digo fascista porque a CRP proíbe). Porque, como sociedade pluralista que somos, temos de assegurar que os tribunais refletem equilibrada e efetivamente as nossas múltiplas preferências. Para isso, a atual seleção, formação, avaliação e promoção dos magistrados judiciais está absolutamente desfasada da realidade. São instituições obsoletas e caducas. Vamos reformar isto? Claro que não. As corporações judiciárias não querem, o poder político não se atreve. Inevitavelmente, teremos mais e mais acórdãos controversos, mais crise do poder judicial, mais erosão da credibilidade da justiça. Estamos assim há quarenta anos. E nada, absolutamente nada, mudou. Mas o mundo, por muito que neguem, não volta ao modelo tradicionalista.
Curiosamente, na mesma altura que rebentou esta polémica, ficámos a saber que os tribunais portugueses continuam a ser os mais entupidos da União Europeia. Claro que melhorámos nos últimos anos. Mas os outros melhoraram mais. Depois dos três "importantes" pacotes de descongestão dos tribunais (António Costa/PS, Celeste Cardona/CDS, Alberto Costa/PS), depois da maior reforma dos últimos 200 anos com Paula Teixeira da Cruz/PSD (tanto que o governo dos vinte dias anunciava que estava tudo feito e Fernando Negrão/PSD apenas ia monitorizar os grandes resultados no período 2015-19), depois do novo choque de gestão (porque a época das grandes reformas já passou) com a atual ministra, estamos onde sempre estivemos - entupidos e na cauda da Europa. Ineficientes. Inequitativos. Muito longe das economias competitivas e das sociedades avançadas. Contudo, há um pacto claro para justiça - continuar por este caminho, insistir que a realidade é muito melhor do que as estatísticas dizem, fingir que os tribunais respondem aos nossos desafios, mudar o acessório para assegurar que tudo continua exatamente na mesma. Desse ponto de vista, o êxito está completamente assegurado.

(Nuno Garoupa in DN)
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Como poderia Merkel não ter reparado neste perfil feito à medida do que ela precisava ?! Um técnico brilhante, liberto de tralha ideológica, ministro das Finanças de um pequeno país sem peso na “Balança da Europa”, país que portanto não estorva, como não estorva um economista pragmático, maleável, desempoeirado de convicções e princípios políticos ? O que interessa a Merkel que Centeno tenha deixado o Estado no osso, desprovido de meios para desempenhar as suas mais elementares funções ? Zero. O que interessa a Merkel que o crescimento do PIB português em nada, mas mesmo em nada, se deva às orientações do governo, devendo-se tudo ao turismo e às exportações ? E, maxime, o que interessa a Merkel que o ministro das Finanças da Geringonça tenha contribuído para agravar a pior chaga da economia portuguesa, aberta já no tempo do marcelismo, ou seja, a baixa produtividade do trabalho ? Interessa nada, porque nada disto condiciona a reforma do Euro nem o desenho do tão propalado Tratado Orçamental. Para Merkel, Mário Centeno é o presidente do Eurogrupo ideal. E aposto até em como a chanceler alemã não terá desilusões.
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(Maria Fátima Bonifácio in Observador dez2017)








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