quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Reflexão - FJV

Francisco José Viegas em "A Origem das Espécies" (18.10.2018)


Revista de Variedades
Sempre que tropeço em notícias sobre “grandes avanços da humanidade” fico petrificado. Apenas por instantes. Refiro-me a pessoas & coisas estapafúrdias que povoam redações e universidades. Outro dia um lunático (formado numa universidade portuguesa de vanguarda e docente numa outra, onde espalha o seu credo – porque hoje os credos substituem a ciência e o saber) defendia que obrigar as crianças a dar um beijo aos avós era um acto agressivo e violento que, naturalmente, traumatiza os jovens seres. Uma outra, mas no estrangeiro, sugeria que dar de mamar a crianças do sexo masculino podia transformá-los, mais tarde, em violadores. Uma psicóloga australiana acaba de anunciar que os pais devem aguardar por alguma forma de consentimento dos bebés para lhes mudar as fraldas; de contrário, trata-se de uma forma de abuso sexual. Uma universidade proibiu as palmas no fim das conferências a fim de não ofender os estudantes surdos ou “com problemas cognitivos”. Como disse, fico petrificado – mas finjo surpresa. Depois murmuro “que maravilha”, e sigo adiante. Vivemos tempos interessantes.

Banksy, vamos lá rir
Tem graça: uma peça de Banksy, o adorado grafiteiro por quem se babam, desfez-se em tirinhas logo depois de ter sido licitada por 1,2 milhões de euros num leilão da Sotheby’s em Londres. Quem aprecia o género merece ser aldrabado – e em público, no meio de gargalhadas. A verdade é que as obras de Banksy são o que são: intervenções de rua, ‘grafiti’ em campanhas políticas, aparições de humor, opiniões populares sobre coisas correntes – mas o seu valor em termos de “arte contemporânea” (ou seja: muito valorizado por papalvos, colecionadores e filósofos do género) atingiu um estatuto de primeira linha. Os últimos grandes pintores (Freud ou Rêgo, por exemplo) foram ultrapassados pelo linguajar desse material histriónico ou apenas irónico, que os “curadores” bem queriam numa loja de “artes decorativas” dos seus museus, junto de caixas de plástico, pneus reutilizados, bonecos de madeira, sujidades, tudo com propósitos provocatórios contra “o sistema” e a arte tradicional. A suprema ironia de Banksy parece de flibusteiro, claro – mas não é: ele só provou quão ridículo é o sistema. 

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