quarta-feira, 27 de maio de 2020

Entrevista - Rentes de Carvalho

(sublinhados meus)

"Achei divertido um ministro holandês dizer em voz alta o que se cochichava sobre Portugal"

J. Rentes de Carvalho abandona Portugal em 1956. Volta à aldeia de Estevais todos os anos, mas além desse regresso nada mais do que os livros que escreve, a maioria sobre o nosso país. Não deixa a Holanda por nada.

O escritor J. Rentes de Carvalho ganhou fama literária na Holanda, um filho gerado em Estevais de Mogadouro e nascido em Vila Nova de Gaia e que, segundo a sua biografia online, é "neto de um sapateiro e de um guarda fiscal, frequentou o liceu no Porto, em Viana do Castelo e em Vila Real. Estudou Línguas Românicas e Direito nas faculdades de Letras e de Direito da Universidade de Lisboa, após o que, por razões políticas, foi obrigado a deixar Portugal. Viveu no Rio de Janeiro, em São Paulo, Nova Iorque e Paris. Trabalhou como jornalista para O Estado de S. Paulo, o Correio PaulistanoO Globo e na revista O Cruzeiro. Mudou-se para Amesterdão em 1956, para trabalhar na embaixada brasileira. Colaborou com o Diário Popular e depois com o Expresso. Fez um mestrado na Universidade de Amesterdão, apresentando uma tese intitulada "O povo na obra de Raul Brandão". Após a reforma continuou a carreira de jornalista e romancista (...)." Aqui chegados, Rentes foi descoberto em Portugal e a sua obra - toda focada no nosso país - editada. As suas narrativas falam de um Portugal que nos nossos escritores passa ao lado e num conjunto de ensaios que provocam perguntas que, mais uma vez, pouco interessam aos nossos ensaístas. Viver na Holanda, de onde saem frequentes bojardas políticas nonsense contra os países do Sul, é um bom pretexto para entrevistar um autor que faz no dia 15 os seus 90 anos. Nada que o impeça de provocar os que obedecem cegos à quarentena e ultrapassam os piores receios do Big Brother imaginado por Orwell.
Esperava ver na sua longa vida a situação em que todo o mundo está devido à pandemia?
Não esperava, porque na minha ingenuidade epidemia ou pandemia não era desastre que me assustasse, e isso pela simples razão de acreditar que a ciência sempre levaria a melhor. Infelizmente assim não é. De modo que me vejo obrigado a perder mais essa ilusão e também outra que tinha: a de supor que como catástrofe as guerras seriam o pior que nos podia acontecer. Para mal de todos, esta situação causa vagas de medo que nada prenunciam de bom e podem espoletar inesperadas transformações políticas e sociais, dando razão ao provérbio que diz que o medo é mau conselheiro.


A situação vai ao encontro do que escreveu num seu livro há quatro anos, A Ira de Deus sobre a Europa: "Desde os 15 até aos 86 anos que agora conto, a minha visão do mundo e da história tem sido um suceder de decepções políticas, sonhos desfeitos, promessas mentidas, amanhãs contrários." Ou seja, nada mudou?
Talvez tenham mudado as técnicas da manipulação, hoje tão bem aceites, em que os boatos de antigamente são agora as fake news que à vontade do freguês servem para desestabilizar, influenciar, preparar e, em certas circunstâncias, até para ajudar à solução de uma crise. Tenho ideia de que vivemos num mundo em que a realidade muitas vezes cede à ficção, fabricada com desagradáveis intenções e para benefício de poucos.
Esta doença - covid-19 - mereceria um romance ou preferia ter como protagonistas de um livro governantes da União Europeia que tomassem decisões para manterem vivo e atual este Velho Continente?
De certeza optava pelos mandarins da União Europeia, pois formam uma interessante casta que, como todas as castas desde o princípio do mundo, cuida em primeiro lugar dos seus interesses e depois, ineficaz como sempre foram todas as burocracias, morosamente vai dando uma no cravo e outra na ferradura, com a, para ela agradável, certeza de que, porque não os elegeram, os cidadãos não lhes podem pedir contas.
Posso deduzir que não é um grande adepto da forma que tomou esta União Europeia?
Não pode, porque sou adepto da União Europeia desde a fundação; aplaudo o que ela tem feito de construtivo, não me queixo das possibilidades que oferece a toda a espécie de burlões e traficantes. Como português estou-lhe grato pelo muito que nos tem dado, pois sem ela teríamos continuado um país do terceiro mundo. Isso, contudo, não quer dizer que ande de olhos fechados para a situação em que a União se encontra ou ignore os jogos de interesses e de poder, que mostram não se tratar de um organismo verdadeiramente democrático, mas um em que manda quem pode.
Confessava nesse livro que receava mais que a Europa fosse presa fácil do islão, que o Brexit viesse a acontecer, a permissividade holandesa perante os refugiados, e que a União Europeia mais lhe parecia o Titanic. Mudou de opinião com o passar destes anos ou a atual Europa está no seu pior estágio?
Pior não saberia dizer, mas a União Europeia nem vai conseguir ser aquele poder que se senta à mesa como igual dos Estados Unidos ou da China, além do mais porque sob a aparência de união nem é preciso mencionar o Brexit como sintoma de que o edifício é frágil, está à mercê de abalos que não precisam de ser muito fortes para levarem a um terramoto em que todos perderão, tanto os que a financiam como os que dependem dos seus subsídios para sobreviver.
Confinado há semanas, ponderou sobre até que ponto este vírus será capaz de mudar os valores das sociedades ou não acredita nesse virar das atitudes?
Gostaria de ser profeta, daqueles que anunciam boas novas, mas para ser franco devo dizer que nada do que aconteceu no mundo desde que nasci me causou um abalo tão forte como o que esta pandemia prenuncia. E não falo das mortes, pois de uma maneira ou de outra é esse o nosso destino, mas deste medo generalizado que pode levar a mudanças radicais. Assusta-me ver como as pessoas tão docilmente aceitam medidas que lhes coartam a liberdade, lhes impõem uma quarentena drástica, como as autoridades calam os cientistas que provam a insensatez de tanta obrigação. Assusta-me também a perspetiva de que este ambiente de medo veio para ficar, porque ajuda eficazmente a manter o cidadão assustado, obediente, pronto a denunciar o vizinho que não obedece. Por muito democráticos que sejam ou aparentem ser, todos os governantes sonham com um rebanho dócil, e nenhum é mais agradável do que aquele que sem discutir aceita as ordens do pastor. Em situações assim, e dando esse resultado, pouco importa se o rótulo é do centro, dos extremos ou das alturas, socialista, comunista, liberal ou monárquico, o que conta é que o povo tenha medo. E o medo que já está connosco vai ficar, como vai ficar e crescer a nova casta de comentadores que tudo sabem de virologias, epidemias, cuidados intensivos, febres, contágios, etc. Numa questão de meses esses ultrapassaram já os comentadores da política e da economia, serão eles os novos e muito eficientes lacaios do poder, vão subir ao estrelato os que melhor souberem assustar.
"Se estou em Portugal, torna-se-me difícil ser severo." Fazia esta reflexão em Pó, Cinza e Recordações. Em Amesterdão é-lhe mais fácil dizer o que pensa deste país?
Não é, só que quando estou em Portugal dá-me mais pena o confronto com o que vai mal, a ingénua ou fingida docilidade com que o povo se deixa enganar, a confiança que continua a ter no jeito e na cunha, do que resulta uma sociedade que não acredita no poder que tem e por desleixo ou preguiça acomoda-se na passividade, iludindo-se de que o passo de caracol também é um avanço.
Já jurou que se renascesse após esta vida desejava que fosse sob a forma de holandês - não como estrangeiro mas aí nascido. Mantém esse "projeto"?
Acho que não, porque se renascesse holandês iria ter menos razões para me rebelar, por isso tenho a intenção de recomeçar por Vila Nova de Gaia e fazer um caminho que, pelo menos, seja tão interessante e variado como este que percorro há 90 anos.
Há umas semanas, o primeiro-ministro António Costa considerou "repugnante" a intervenção de um ministro holandês. Revê-se na acusação portuguesa, principalmente quando - estranhamente - estava a defender a "rival" Espanha?
De modo geral, as explosões verbais dos políticos não podem ser levadas a sério, menos ainda neste caso em que o sentimento de "repugnância" era um efeito teatral dirigido à plateia, pois quando se sentam à mesa para tomar decisões todos eles sabem que não manda quem mais berra a exigir, mas quem tem a carteira na mão e nos dedos o poder de desapertar os cordões.
Já não é a primeira vez que um governante holandês se "atira" a Portugal. O ministro das Finanças, Jeroen Dijsselbloem, disse em 2017 que os países do Sul "gastavam todo o dinheiro em copos e mulheres e depois pedem ajuda". O que achou dessa declaração?
Achei divertido, porque foi involuntário e um exemplar lapsus linguae do que um ministro da Holanda diz em voz alta e de maneira pouco diplomática o que entre colegas se cochichava. Um passo em falso de que ele próprio mais tarde pediu desculpa, mas com desculpas ou sem elas a impressão do esbanjamento meridional continua presente.
Apesar de viver na Holanda há tantos anos, ainda sente algum constrangimento em relação ao português que existe em si ou tratam-no como um deles?
Constrangimento? Bem ao contrário, de facto alguém que ganhou o direito de pertencer.
Faça a busca do meu nome no Google, verá que as entradas holandesas excedem as portuguesas. Perdoe a involuntária vaidade a que me obriga: na Holanda consideram-me um escritor holandês e têm honra nisso, ao longo dos muitos anos tanto as pessoas, como as autoridades, os políticos, os burgomestres de Amesterdão, ministros de vários governos e a própria Família Real, sempre me acolheram com excecionais provas de carinho e cordialidade. Ainda no Google, procure no Arquivo de Amesterdão - Stadsarchief Amsterdam - Rentes de Carvalho e verá que a cidade lá guarda o meu retrato entre os que se orgulha de que nela vivem, trabalham e contam.
Neste ano vai a passar uns dias na aldeia de Estevais ou é melhor ficar por Amesterdão?
Tinha as malas prontas, as reservas feitas, estava a dois dias da partida quando a quarentena me apanhou. Desde então vivo confinado, mas com suficientes possibilidades de movimento. No dia em que terminarem as medidas e a autoestrada estiver aberta ponho-me a caminho, com a intenção de desta vez não passar dias mas meses na minha aldeia.
O exílio e a opção de vida na Holanda alteraram a sua forma de ser?
Creio que sim, e muito. Pela oportunidade que me deram de aprender e de relativizar, de tentar ser menos impulsivo nas minhas razões e nas minhas certezas, de temperar o nervosismo mediterrânico com uns pozinhos de frieza nórdica.
Os europeus do Norte desdenham mesmo os do Sul ou são mais fake news?
Não desdenham e a prova dão-na eles próprios, que aos milhões correm para os países onde o sol brilha mais e mais tempo, gozam umas semanas de vida meridional e regressam contentes. O caso é que os nórdicos esforçam-se por poupar, ter a casa em ordem, confiam nos governos e nas instituições e fazem quanto podem para que o futuro dos seus filhos seja melhor do que o deles. Ao mesmo tempo veem que uma boa fatia das suas poupanças é dada aos países meridionais a fundo perdido, e esses surpreendem-nos, não só por se mostrarem desagradecidos mas por, ainda por cima, terem a lata de lhes chamar repugnantes. O pedinte a insultar quem o favorece é uma situação que mesmo numa comédia teatral seria insólita.
Já comparou os hospitais holandeses aos portugueses, dizendo que quando frequentava os de cá sentia necessidade de se "obrigar a um sangue-frio holandês". Depois desta pandemia, mantém a opinião?
Acho que sim, o ambiente continua calmo e contido, são muito raras as expressões públicas de dor, mesmo os emigrantes e os refugiados parecem ter aprendido a aceitar que os gritos e as lágrimas se reservam para a intimidade, que a cada um já basta o próprio sofrimento, não fica bem afligi-lo com o nosso.
Entre a maioria dos países europeus, Portugal foi dos que reagiram melhor à covid-19 e teve menos mortes e infetados. Não preferia ter feito o seu confinamento por cá?
Como sou fatalista, quando tiver chegado a hora de ser infetado e morrer, o vírus não vai levar em conta o lugar onde me encontro. Em matéria de confinamento, as medidas na Holanda são menos drásticas do que as adotadas em Portugal e, por conseguinte, menos desagradáveis. Para mim foi o acaso que escolheu e é o menor dos males.
No diário que publicou evoca o primeiro dia de 2000 e afirma: "O mundo não acabou." Se mantivesse um diário, o que iria escrever no dia em que seja declarado o fim desta pandemia mundial?
A declaração do fim da epidemia será para inglês ver, os políticos ainda não se recompuseram da enorme surpresa deste inesperado maná que lhes permitiu cortar sem oposição nem dor nas liberdades, lhes ensinou que o caminho está aberto para cortar mais fundo e de modo permanente. O rebanho aceita a quarentena, a perda de liberdade - temporária, prometem eles -, a perda da vida social, o carnaval das máscaras, a paródia da desinfeção constante, as luvas, o termómetro à entrada do restaurante, o fim dos abraços, dos beijos, dos apertos de mão, enfim, de tudo o que é intrinsecamente humano e mostra de amor, carinho, amizade, vida social. É o mundo que George Orwell previu, um mundo de fracos, medrosos e subservientes.
Ou seja, nunca imaginou ser possível uma tão grande redução dos direitos das pessoas sem a eleição de um populista ou de um golpe de estado à escala mundial?
Em matéria de catástrofes, a minha imaginação tem tendência para disparar, mas em momento nenhum me ocorreu que isto poderia acontecer, como ainda considero incrível o pouco valor que os indivíduos dão à liberdade e o tremendo poder do medo. Aliado às facilidades de comunicação, vemos que o medo reduz o mundo às dimensões de uma aldeia, com as terríveis consequências que a pequenez acarreta. O próximo já não é um chileno da Patagónia ou um chinês de Pequim, mas um nosso vizinho, razão de sobra para o temer e odiar quando nos parece um assassino potencial. Mais um abalo depois deste e temo que vamos riscar do vocabulário a palavra solidariedade.
Uma das suas melhores tiradas político-literárias está na comparação entre o que Soljenítsin disse - "Um grande escritor é um segundo governo" - e que os autores contemporâneos portugueses mais não são do que "uma junta de freguesia". De que mal sofre a nossa literatura atual?
Não direi que é um mal, mas uma maneira de ser. Por volta dos anos 1960, a nossa literatura deixou de se interessar pelo país e passou a ser a expressão dos desejos, dos sonhos e das aflições lisboetas, com tudo o que isso pode ter de mesquinho, pequeno-burguês, de autossatisfação e sobranceria. A literatura portuguesa não conhece nem se interessa por Portugal, vive entre as Avenidas Novas e Cascais e o resto do país é um território estranho habitado por gente tosca e pobre, com hábitos, emoções e problemas que não são deste tempo nem merecem atenção.
Afirmou que foram muito poucos os escritores portugueses que se opuseram ao anterior regime e que a nossa literatura nunca foi de revolta. O que fez e faz falta aos autores?
Sair de Lisboa, procurar outros ares, descobrir que se respira mal no Chiado e trocar a poluição pela frescura do Minho ou do Gerês. Deixar de olhar para o que se escreve nos Estados Unidos com o mesmo pasmo e inveja com que antigamente se olhava para a França, e talvez também descobrir que a nossa língua é um extraordinário, melodioso, rico e refinado instrumento, que merece e necessita de mais e melhor atenção do que a que lhe dão as escolas, as universidades e os próprios escritores.
Num dos seus livros recorda que a PIDE censurava os horóscopos do signo Touro, que era o de Salazar. Estava a ser irónico?
Não estava. Era mesmo assim e tenho pena de ter perdido o recorte do Diário Popular onde li que a censura era fiel nesse cuidado.
"Houve um tempo em que eu confiava cegamente na memória. Hoje, com mais modéstia e maior cautela, mesmo as recordações de ontem me parecem infiéis e duvidosas." Ainda subscreve estas palavras que estão em Os Lindos Braços da Júlia da Farmácia?
De facto, ainda assim é e quanto mais avanço em anos mais filtros vou pondo nas recordações. O lado negativo desses filtros é a canseira que dão e as dúvidas que acarretam, porque tudo isso impede o entusiasmo e empresta aos anciãos uma imagem de calma e sabedoria, quando na realidade é apenas fadiga e aborrecimento.
Em Portugal, a Flor e a Foice não deixa pedra sobre pedra no que respeita à identidade nacional. Recorre ao historiador C.R. Boxer para afirmar: "Os portugueses têm demonstrado ao longo dos séculos uma notável capacidade de sobrevivência à má governação, vinda de cima, e à indisciplina, vinda de baixo." Para si, este país não tem cura?
Creio que nos anos que ainda me restam de certeza não terá, e também me arrisco a afirmar que nas duas próximas gerações ainda não vai ter. Depois será o que Deus quiser e o meu receio é que o Todo-Poderoso uma tarde se impaciente, tenha um acesso de mau humor, decida que não valemos os aborrecimentos que damos e opte por uma solução drástica.
Cita frequentemente o historiador Oliveira Martins. Acha que os fazedores de história contemporâneos não lhe chegam à altura e são mais uma espécie de redes sociais da história?
Nas universidades e no público os historiadores estão hoje, o que é um desastre e grande pena, relegados a um lugar menor. Perderam muito da sua importância e da influência que tinham, as suas opiniões tornaram-se quase só notas de rodapé que os jornalistas usam quando fingem querer dar peso ao que escrevem. Há poucos com grande competência e são cada vez menos os que lhes prestam atenção.
Nunca sentiu vontade de voltar a contar a história portuguesa como já fez ou de 1975 para cá pouco aconteceu?
Se fosse historiador, o que aconteceu desde 1975 de certeza me interessaria, mas o que Portugal espera e precisa é de um Balzac que aproveite o manancial de personagens bizarros e exemplares de corrupção, de pulhice, madraçaria, baixeza, falta de vergonha e maus costumes, que de longe ultrapassam os que antes estiveram no poder. Verdadeira mina de ouro, merece que um grande talento a saiba aproveitar.
Quando diz os "que antes estiveram no poder", refere-se àqueles que o fizeram abandonar Portugal?
Certamente, mas, vistos à escala dos corruptos que atualmente infestam a nossa sociedade e os organismos do Estado, os mandarins de então eram uns pobretanas. Poderiam deitar mão a uns contos de réis, mas nunca, mesmo nos sonhos mais delirantes, esperariam que os seus filhos e netos arrecadassem milhões.
Considera o enterro do Presidente Sidónio Pais como o momento em que os portugueses "choram a morte de uma ilusão". Depois da imensa multidão no funeral de Salazar, só Álvaro Cunhal teve tantos portugueses a despedirem-se. É um país de extremos?
De extremos só raramente, mas, sim, de choro fácil e das emoções de superfície que denotam ligeireza de carácter e mentalidade de cata-vento, mas também a carinhosa pieguice que muito desculpa e me dá a ideia de ser a marca registada da nossa muito exclusiva e portuguesa maneira de ser.
Em Montedor conta que "quando o tempo está bom subo ao Monte." O livro tem muitas descrições geográficas do Minho, entre outras. Enquanto as escrevia, existia a intenção era matar saudades ou esse sentimento ficou para trás quando teve de se exilar?
De matar saudades não seria, antes uma maneira de registar o que voluntariamente abandonava sem qualquer desejo de retorno, talvez uma estranha vontade de ajustar contas com um meio e uma realidade que queria esquecer e a que não tinha intenção de voltar, ilusão juvenil a que 14 anos de ausência bastaram para pôr fim.
Em O Meças escreve: "Alguém terá de lhe emprestar as palavras." Alguma vez sentiu necessidade de uma ajuda dessas?
Felizmente não. Terei alguma dificuldade em encontrá-las e mais ainda em arranjar maneira que com elas consiga traduzir o sentimento que quero comunicar, mas essa é a pena de trabalhos forçados a que há muito voluntariamente me condenei e espero poder cumprir até ao fim.
Qual é o título do seu próximo livro?
Título? Como assim, se ainda poucas páginas tenho? Mas se o tivesse não diria, é imprudente vender a pele do urso antes de ir à caça.

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