terça-feira, 19 de maio de 2020

Reflexão - Vários

(sublinhados meus)


(Francisco José Viegas no Público)


Se o sistema de valores culturais privilegia o espectáculo, o ‘lifetsyle’, os gatinhos nas redes sociais, a velocidade, a superficialidade, os erros ortográficos – esperava-se que o sistema educativo público tomasse entre mãos essa tarefa nobre e urgente de melhorar e ampliar o acesso à leitura, de permitir que as bibliotecas públicas adquirissem, gerissem e aumentassem os seus fundos bibliográficos (e não no sentido de criar “bibliotecas escolares” que, com poucas excepções, separam os estudantes da comunidade e da notável rede de bibliotecas municipais, que – já agora – corre o risco de colapsar), de exigir que a escola promovesse a leitura dos clássicos (porque são eles o grande instrumento para a “inclusividade”) e de espaços de partilha de livros. Se esta situação se mantiver – falo de incúria e indiferença, reunidas –, é provável que, dentro de algum tempo, “o livro” seja mesmo essa raridade atrevida, como queriam os autores mais enclausurados ou os elitistas mais avaros. Mas, repito, por incúria e indiferença

(Gonçalo Portocarrero de Almada no Observador)
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A versão portuguesa deste comportamento tem um nome próprio: Chico-espertismo. Com uma sabedoria aprendida ao balcão da taberna e atestada pela suprema autoridade científica do barbeiro, que já nos tempos de D. Quixote era uma autoridade indiscutível na aldeia, o Chico-esperto sabe perfeitamente que os norte-americanos nunca foram à lua. Também sabe que as alterações climáticas se devem sobretudo aos foguetões que, de tanto furarem o céu, deram cabo do clima. Sabe igualmente que há bichos mais inteligentes do que os seres humanos o que, a julgar pelo próprio, talvez não seja falso. Graças a este seu universal conhecimento, adquirido na universidade da vida, entre copos de vinho e cortes de cabelo, o Chico-esperto acha que, aqui em Portugal, nunca acontece nada e, portanto, também não há-de ser agora que vai ocorrer uma catástrofe.

(Helena Matos no Observador")
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Num país escandinavo, por exemplo, o que é público é de todos; em Portugal, o que é público não é de ninguém. No norte da Europa, cada morador tem a obrigação de retirar a neve que se deposita à frente da sua casa; em Portugal, há quem deite papéis, ou beatas, para a rua. Confesso que, quando vejo as carruagens dos nossos comboios grafitadas, sinto vergonha alheia: não percebo a irresponsabilidade dos ‘artistas’, nem a sua impunidade, nem o desleixo de quem permite que o património público seja sistematicamente vandalizado. E deixa-me profundamente irritado ver alguém não deficiente estacionar, mesmo que seja por breves instantes, no espaço reservado a quem, tendo essa condição, tem essa necessidade e indiscutível direito.


(João Miguel Tavares no Público)
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Pergunto: há mesmo? Ou a única coisa que o Governo está a fazer neste momento é responder a um pânico social desproporcionado e àquilo que antecipa ser a recusa dos professores em regressar às escolas sem as
devidas garantias de segurança?
Expliquem-me devagarinho, como se eu fosse muito burro: 1) se o crescimento diário das infecções com coronavírus estabilizou abaixo dos 5%; 2) se as medidas de contenção já revelaram a sua efcácia; 3) se tudo indica que se tenha atingido o planalto da epidemia; 4) se a nossa capacidade hospitalar ainda está longe do limite; 5) se há mais meios a
caminho (nomeadamente ventiladores) para reforçar essa capacidade; 6) se o número de pessoas internadas nos cuidados intensivos tem vindo a diminuir; 7) se só vai existir vacina daqui a pelo menos um ano; 8) se a população aos poucos precisa de ganhar imunidade; 9) se a população
activa terá em breve de sair de casa; 10) se os coronavírus tendem a recuar nos meses de Verão para depois regressarem no Inverno; 11)
se a prioridade deve ser a economia, porque a saúde parece controlada; 12) se já todos percebemos que vamos ter de aprender a viver com isto — se esta dúzia de factos está agora bem à frente dos nossos olhos, expliquem-me, por favor, qual é exactamente a razão para o Governo nos dizer que só o 11.º e o 12.º anos é que podem regressar às aulas antes de Setembro, e nem sequer isso está assegurado?
Sinceramente, não percebo.
Mas, mais do que não perceber, aquilo que me está a irritar sobremaneira é a unanimidade instalada. Com a ilustre excepção de meia dúzia de teimosos que levam pancada com fartura, vejo demasiada gente a abanar a cabeça em sinal de reverente obediência a decisões que não justi􀃆cam este grau de consenso. Que mais não seja, haveria certamente outras opções para escolas e alunos que mereciam um debate que não existiu. Por que não olhar para os números de infecções no início de Maio? Por que não prolongar as aulas até ao 􀃆nal de Julho? Por que não ganhar nos meses de Verão aquilo que podemos vir a precisar, em novas quarentenas, nos meses de Inverno? Onde quase todos vêem prudência, eu vejo falta de ambição — e, sobretudo, um enorme dé􀃆ce de discussão e de confronto de ideias alternativas.
Se toda a unanimidade é burra, mais umas semanas como estas e acabamos a zurrar.

(Alberto Gonçalves no Observador)
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A autoridade (sem aspas) decorre da legitimidade. Pelo glorioso desempenho na história da Covid, as “autoridades” (com aspas) não possuem sombra de legitimidade. Os espécimes que decretam normas diárias a fim de regulamentar e restringir o nosso comportamento são aqueles demonstraram um formidável desnorte logo na recepção do vírus, que aconselharam visitas a lares de velhos, que proclamaram o esplendor de um SNS que permite a morte de milhares de pacientes para salvaguardar umas dúzias em cuidados intensivos, que recomendaram o abastecimento em “hortas de amigos” por troca com o supermercado, que proibiram e sugeriram e proibiram repetidamente o uso de máscaras enquanto não descobriram socialistas que as fabricassem, que distribuem a realização de testes médicos a compinchas do partido, que fecharam concelhos às pessoas e abriram aos camaradinhas as portas de “Abril” e do 1º de Maio, que cancelaram festivais de Verão e ponderam a excepção do “Avante!”, que transformaram a gestão anedótica de um problema num “milagre” para consumo de pacóvios, que aproveitaram a docilidade dos nativos para pisá-los com redobrada força, que rebentaram escusadamente a economia e negaram com insolência a chegada da austeridade, que supõem que os negócios particulares sobrevivem aos caprichos de parasitas, que nem por um instante abandonaram a propaganda para reparar nas multidões a caminho de uma miséria sem nome, que driblam a Sagrada Constituição em prol da perpetuação do abuso, que mentem e mentem e voltam a mentir até ao ponto em que a mentira deixa de ser necessária face a uma população sob anestesia. Estes espécimes, meus caros, que nos intervalos da Covid fingem não recordar que despejaram outros 850 milhões nos compadres do Novo Banco, não têm legitimidade para mandar em vocês. Mas muitos portugueses são suficientemente infantis para obedecer-lhes.
Eu não estou para isso. Do senhor Costa (o prof. Marcelo já não conta) ao senhor agente da PSP, passando pelos directorzinhos, os secretariozinhos, os autarcazinhos e restantes bonequinhos do “serviço público”, as leis, directivas e conselhos dessa gente sobre a “pandemia” não me dizem respeito – e não respeito essa gente. Há dois meses que preservo a minha rotina da histeria em redor. Não me “confinei”. Viajei pelos locais que quis sempre que quis. Visitei quem me apeteceu e a quem apeteceu receber-me. Estive com as pessoas que estimo, incluindo, com a aprovação dela, uma mãe de 75 anos. Jantei regularmente acompanhado (veja lá, ó sr. Póssamos). Usei máscara apenas para ir ao dentista. Fui ao dentista. Fui a cafés que me serviram à mesa (bandidos!). Não fui a restaurantes por sumiço destes. Não fui ao barbeiro por não ter cabelo. Não contaminei ninguém. Ninguém me contaminou. Sou hipocondríaco e, adoptado algum bom senso, nunca tive medo do vírus. Tenho medo dos que têm medo, e que por medo abdicam da responsabilidade e se entregam nas mãos de cínicos ou, na melhor das hipóteses, incapazes. Esses que cumpram ordens e se mantenham em casa ou onde os mandarem ficar: de qualquer modo e em qualquer lugar, são prisioneiros. E gostam.


(Tiago Marcos no "i")
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Parece-me ainda relevante questionar como pode ser aceitável que, num momento em que os Estados estão em risco de colapso económico e social, os nossos líderes percam tempo a discutir o regresso do futebol profissional, mas não das outras modalidades desportivas ou espetáculos de risco equivalente. É esta uma atividade essencial?


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