sexta-feira, 14 de abril de 2023

Reflexão - João Miguel Tavares

 João Miguel Tavares

           Público 
(sublinhados meus)

Sejamos honestos: se o primeiro-ministro português se chamasse Pedro Santana Lopes, o Presidente da República estaria neste momento a preparar a queda do Governo e a dissolução do Parlamento. Dispenso essa dissolução, porque o PS deve, por uma vez, beber o cálice até ao fim. Mas o conjunto de trapalhadas desta maioria absoluta, que tem apenas – convém recordar – um ano de vida, atingiu níveis inenarráveis de aldrabice, abuso de poder e incompetência. Eu já esperava que a comissão de inquérito à TAP revelasse jogadas de bastidores e golpadas políticas em barda. Mas confesso que não estava preparado para este Evereste de trafulhices, asco e promiscuidade.
O espaço desta página não chega para descrever as inúmeras barbaridades que ouvimos na passada terça-feira. Mas posso resumi-las em duas palavras: todos mentiram. Christine Ourmières-Widener não dava um passo na TAP sem o Ministério das Infra-estruturas ser informado. A CEO disse no Parlamento que “não estava à espera de tão alta pressão política” e que ela impediu a TAP de “concentrar-se no seu negócio”. O menor vestígio de independência na sua actuação era alvo de raspanetes por parte do secretário de Estado das Infra-estruturas. “Christine, outra vez”, escreveu Hugo Mendes, exasperado, “TODAS as questões relacionadas com o Governo devem ser encaminhadas através de nós. A TAP é a única empresa que se comporta assim. Não há ligações directas entre a TAP e outros ministérios.”
Hugo Mendes é a caricatura do boy socialista: licenciado em Sociologia pelo Iscte (claro); assessor da ministra da Educação entre 2006 e 2009; adjunto do secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro entre 2009 e 2011; assessor do Grupo Parlamentar do PS entre 2011 e 2015; adjunto do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares entre 2015 e 2019; chefe de gabinete do ministro das Infra-estruturas entre 2019 e 2020; secretário de Estado entre 2020 e 2022. Na expressão “secretário de Estado”, a palavra a reter é “secretário” – o secretário de Pedro Nuno Santos. Informava Pedro Nuno de tudo e aprovou tudo com a bênção de Pedro Nuno.
Hugo Mendes chegou a este ponto inconcebível: após o indigno comunicado conjunto dos ministérios das Finanças e das Infra-estruturas de 26 de Dezembro de 2022, no qual era exigido à TAP esclarecimentos sobre a indemnização a Alexandra Reis, Hugo Mendes convocou uma reunião com a CEO da companhia para redigir o esclarecimento por si exigido. Vale a pena repetir: o Ministério das Infra-estruturas não sabia de nada à hora do almoço, e ao final da tarde o secretário de Estado estava a ajudar a administração da TAP a responder àquilo que era suposto ele não saber.
Percebem o asco? Então agora juntem-lhe a promiscuidade das reuniões promovidas por assessores do Governo e deputados do PS para instruir o depoimento de Christine Widener em vésperas de audição parlamentar. Acrescentem as mentiras do CFO da TAP. Somem os fretes do inspector-geral das Finanças (onde ninguém fala inglês) ao patrão. Adicionem o marido da CEO a querer vender equipamentos à companhia gerida pela mulher. Completem com o voo comercial de Maputo que Hugo Mendes quis alterar para dar graxa ao Presidente da República, porque ele é o “principal aliado político” do PS e, “se o humor dele mudar, tudo se perde”. Este é o estado miserável do país. Este é o estado miserável do PS. A TAP devia oferecer um bilhete de avião a cada português, para podermos fugir daqui para fora

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