(Alberto Gonçalves)
O futuro do país está nas cartas
O dr. Pedro Nuno sente-se genuína e compreensivelmente repugnado sempre que um caixote é entregue ao destinatário por uma empresa privada, dedicada ao feio lucro e não, conforme devia ser, ao prejuízo
Muita gente, em geral apreciadora do PS, acha ridículo que nos preocupemos com os CTT em vez de nos ocuparmos com aquilo que, cito oitocentos e trinta utilizadores do Twitter, “verdadeiramente importa aos portugueses”. Vamos por partes.
Em primeiro lugar, a generalização é abusiva. Eu, pelo menos, não me preocupo nada com os CTT, que identifico com lojas melancólicas que vendem livros esquisitos. Como vivo no século XXI e não em 1972, não envio cartas nem as recebo. O que recebo, por regra sem problemas, são compras feitas na internet e depois deixadas em minha casa por uma das inúmeras empresas do ramo. Desde que o produto corresponda ao que adquiri e chegue inteiro e a tempo, o que de resto costuma acontecer, é-me indiferente que venha pelos CTT ou por qualquer das concorrentes. Sei que parece doentio mas, quando vou ao restaurante, ligo mais a que as sardinhas estejam saborosas do que ao registo comercial do barco que as pescou e ao currículo detalhado do sujeito que as assou.
Em segundo lugar, quem pelos vistos se preocupa imenso com os CTT é o PS. Foi um governo do PS a determinar a respectiva privatização (no PEC para 2010) e foi um ministro das Finanças do PS a assiná-la (no “memorando” da Troika em 2011). Foi outro governo do PS que tentou renacionalizar um pedaço dos CTT à socapa em 2020 ou 2021, para agradar aos partidos comunistas com que se aliara ou por ímpeto estatista próprio. E foi um ex-ministro das Comunicações do PS que, em finais de 2023, fingiu que o assunto não lhe dizia respeito para de seguida, no início de 2024, se lembrar que afinal sabia de tudo e, principalmente, concordava com tudo – excepto, presume-se, com a privatização, que considerou “desastrosa” a ponto de a imputar ao PSD.
Em terceiro lugar, o dr. Pedro Nuno não se limita a desejar moderadamente que os CTT regressem à influência do PS, perdão, do Estado: a julgar pela conferência de quinta-feira, o homem encontra-se convencido de que a existência de Portugal enquanto nação soberana depende disso. Para ele, a privatização de um anacronismo “lesou profundamente o interesse nacional”, que este génio das negociatas, digo, dos negócios confunde com “nacionalizado”. É natural que o génio que conseguiu espatifar quatro mil milhões do nosso dinheiro na TAP não se entusiasme com uma transacção que, ao invés de perder, rendeu 900 milhões. As suas intervenções na TAP e na CP provaram que a motivação do dr. Pedro Nuno nunca é económica, e sim simbólica. O dr. Pedro Nuno sente-se genuína e compreensivelmente repugnado sempre que um caixote da Amazon é entregue ao destinatário por uma empresa privada, dedicada ao feio lucro e não, conforme devia ser, ao prejuízo. Uma encomenda da Ali Express manuseada por um funcionário que não seja público representa uma facada na memória de D. Afonso Henriques ou, pior ainda, na de Lenine. Aliás, o dr. Pedro Nuno não despreza a hipótese de, alcançado o poder, nacionalizar a Amazon e a Ali Express a título de companhias-bandeira.
Em quarto lugar, o que move o dr. Pedro Nuno é, nos CTT e no resto, o “serviço público de qualidade”, por acaso um pleonasmo na cabeça de um marxista, desculpem, de um patriota: ou o serviço é público ou não é de qualidade. Só os domínios nas mãos do PS, quero dizer, do Estado é que são, por natureza e desígnio, capazes. O exemplo óbvio é o da saúde, onde a organização e a eficácia do SNS são o farol que ilumina as salas de espera de urgências que, se não estiverem fechadas, atendem os pacientes em meras quinze ou dezasseis horas – e de especialidades tão precavidas que permitem a marcação de consultas com dois anos de antecedência, isto se não calhar em data com tolerância de ponto. Porém, a excelência da saúde pública não nos deve distrair da superioridade da educação pública (com apenas 50 mil alunos sem professores e com quase metade de notas positivas nas provas de aferição) ou da magnificência dos transportes públicos (sem greves na maioria dos dias). Para o dr. Pedro Nuno, e bem, o que é nacionalizado é bom.
Por fim, custa-me definir o que “verdadeiramente importa aos portugueses”. Serão os CTT? Duvido. E, a acreditar no relativo sucesso do PS nas sondagens, os portugueses também não se importam com a situação do SNS (fabuloso, recordo), do ensino (sublime, insisto) ou dos transportes colectivos (imaculada, volto a notar). Se não estou em erro, os portugueses não estão igualmente importados com a questão da habitação (que o PS resolveu num ápice e com um pacote), o aumento do custo de vida (que o PS compensa com esmolas ocasionais e caridosas), a perda do poder de compra (que apesar da más-línguas o PS manteve acima do da Bulgária) e a subida da carga fiscal (que o PS credivelmente nega). Os portugueses nem sequer se importam com a possibilidade de, após um oportunista sem vergonha, a 10 de Março um irresponsável com alucinações ideológicas subir a primeiro-ministro em parceria entusiástica com as delegações locais de Putin e do Hamas.
Até lá, o irresponsável prosseguirá em campanha triste sob o lema “Portugal Inteiro”, engraçado na medida em que, por causa dele, dos que ele apoiou e dos que o apoiam a ele, o país está em cacos. E, em breve, talvez nem isso. Basta saber ler as cartas, logo que o Estado volte a dá-las.
(Helena Matos)
O diabo veio, veio e veio
“O diabo não veio, não veio e não veio” — três vezes negou António Costa que o diabo tivesse vindo. Mas o diabo veio, veio e veio. A última vez que o viram foi numa urgência hospitalar.
Já tinham passado dez minutos de discurso. António Costa acelerava na retórica num congresso que tem a carga dramática de ser o último da sua carreira como líder dos socialistas: “Nós conseguimos aumentar salários e ao mesmo tempo criar empregos, nós conseguimos aumentar salários e aumentar o investimento das empresas, nós conseguimos aumentar salários e aumentar as exportações, nós conseguimos aumentar salários e melhorar a nossa competitividade”. Mas quando se julgaria que ia fechar a enumeração de um país que o ainda primeiro-ministro vê a mudar em função daquilo que o Governo escreve no Diário da República, eis que António Costa acaba a deixar-nos uma das afirmações mais interessantes sobre aquilo que o preocupou enquanto primeiro-ministro: o diabo.
O “diabo não veio, não veio e não veio” repetia Costa com o arrebatamento de quem faz um esconjuro, para depois, numa inflexão de voz, anunciar como quem partilha um qualquer de retro, “eu vou agora revelar um segredo: porque é que o diabo não veio? O diabo não veio porque o diabo é a direita“. A assistência aplaudia. Muitos sorriam. Todos eles temeram de facto que o diabo viesse. Não Belzebu nem Satanás mas sim aquele outro diabo que no dia 6 de Abril de 2011 viram claramente visto no palácio de São Bento enquanto José Sócrates anunciava ao País que Portugal ia pedir ajuda externa. O slogan das contas certas deixa assim de ser slogan e torna-se mantra quando se ouve Costa repetir o “diabo não veio, não veio e não veio”.
Sim, a preocupação de Costa em não repetir a humilhação por que passou Sócrates e a alteração das regras europeias afastaram do horizonte dos últimos anos o espectro duma falência como aquela a que o PS nos levou em 2011. Mas não impediram que o diabo viesse. Ao contrário do que diz António Costa, o diabo veio. Entrou no SNS onde ora o frio ora o calor, sem esquecer as escalas de férias e dos dias úteis… tudo são pretextos para explicar o não funcionamento. Banalizaram-se as urgências fechadas e os doentes urgentes que morrem à espera de ser observados. Dizem-nos agora que nós é que não sabemos usar o SNS e repreendem-nos porque existe um “afluxo excessivo às urgências“, como se as urgências não fossem a única opção que resta aos 1,7 milhões de portugueses que não têm médico de família. Aliás o número de pessoas sem médico de família não só tem vindo a aumentar — em 2023, mais 155 mil utentes ficaram sem médico no seu centro de saúde — como tudo indica que continuará a aumentar: em Dezembro último, o Governo abriu 924 vagas para médicos de família. Apareceram 143 candidatos. Das 29 vagas para a especialidade de Saúde Pública 17 não tiveram candidatos.
Sim, o diabo veio, veio e veio. Estava em Loures quando um idoso morreu num corredor do Beatriz Ângelo depois de esperar seis horas com a anca partida num dia de Agosto em que mais de vinte ambulâncias faziam fila no hospital. E esteve, o diabo, claro, pelo menos onze dias em Penafiel, os mesmos dias que um homem passou numa maca num corredor…
O diabo passou pelas escolas públicas, salta-nos aos olhos quando vemos os resultados das provas de aferição: No segundo ano, quer a Português quer a Matemática os resultados não são positivos em nenhum domínio.
O diabo está sentado à espera dos que se vão reformar a partir de 2026: ano após ano as pensões serão cada vez mais baixas. Em 2045, a reforma será inferior a metade (48,2%) do último vencimento… Sim, o diabo veio, veio e veio. E vai continuar a vir. Só que veio ao encontro do povo e não de quem o governa, que sabiamente repete o esconjuro das contas certas como quem se agarra a um bentinho.
Combater o diabo implica combater o socialismo mas como sabe quem algum vez se interessou pela mefistofélica figura poucas coisas existem mais sedutoras que as palavras de quem nos diz o que queremos ouvir.
(António Marques Mendes)
Pedro Nuno Santos: "diz-me com quem andas e o que fazes, dir-te-ei quem és"
Pedro Nuno Santos lida mal com a verdade, com a modéstia, com a competência e comprometimento, com a transparência, com o caráter. Os socialistas estão a aclamá-lo em Congresso.
O PS aclama este fim-de-semama PNS, uma figura que molda a verdade à medida da realidade num exercício contínuo de propaganda. Mas se os socialistas têm este dever de aclamação, os portugueses não!
No congresso os discursos vão sair inflamados, quentes, quase-épicos (hesito entre um Vangelis ou um Einaudi como música de fundo). As mensagens vão sair curtas, simples, diretas, tal qual os quadradinhos da nova imagem da república. Os conteúdos serão redondos, insubstantes, cheios de promessas sobre “a coisa pública”, e carregados de adjetivações irreproduzíveis sobre a “direita que, qual anjo caído, assombra os dias e as noites dos portugueses”.
Mas os portugueses não se podem esquecer que PNS é o homem que:
- afirmou que salvou a tap, mas se esqueceu que foi com o dinheiro dos portugueses e que deixou um rasto de confusão atrás de si
- aprovou indemnizações de 500 000 euros por whatsapp
- afirmou que é o único que tem experiência empresarial, mas que afinal foram apenas uns meses
- é aquele que acordou uma manhã a dizer “hoje o aeroporto vai ser em Alcochete”, e que ao fim do dia, de rabo entre as pernas, pediu desculpa por ter sido irrefletido, imaturo e incompetente depois de Costa lhe ter tirado o tapete
- afirmou que colocou a CP a dar lucro, esquecendo-se da engenharia financeira que fez e do dinheiro dos Portugueses que lá injectou (para não falar da sucata que comprou a Espanha)
- tem uma consciência social desde menino por toda a pobreza que viu à sua volta, mas que se passeou num Porsche 911 (997) e se divertiu a guiar o Maseratti Quattroporte do pai
- aproveitou o programa de Júlia Pinheiro, para confessar que “este vai ser o tempo de finalmente fazer qualquer coisa decente pelos portugueses”, como se porventura tivesse aterrado de uma viagem interplanetária de 8 anos, esquecendo-se que fez parte, precisamente, dos governos que não fizeram o que era decente pelos portugueses
- que demonstrou que a honra socialista é uma sanduíche requentada, já que os compromissos assumidos quando, aflitos, pedimos dinheiro a financiadores internacionais devido à bancarrota criada pelo PS, não deveriam ser cumpridos e que Portugal devia usar a bomba atómica contra os credores
- que recusou o rótulo de radical de esquerda, “sempre fui social-democrata” , mas que se esquece que a verdadeira social-democracia não cita Karl Marx do palanque ao pequeno-almoço, nem defende indiscriminadamente as nacionalizações
- não sabia, mas que sabia, que não sabia mas não tinha que interferir, que tinha que interferir mas não o fez, que se calhar até cometeu uma ilegalidade de palmatória, no caso da incompreensível e injustificável compra de ações dos CTT
Pedro Nuno Santos lida mal com a verdade, com a modéstia, com a competência e comprometimento, com a transparência, com o caráter. Os socialistas estão a aclamá-lo em Congresso.
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