Um Estado Islâmico na esquina mais próxima
O Ocidente precisa de se recordar de onde veio. Defender os judeus é recusar que sejam novamente o alvo preferido. Nomear o islamismo e o “antissionismo” como ameaças não é intolerância, é lucidez.
Comecemos pelo diagnóstico, que não é para estômagos sensíveis: em 2024, os incidentes contra judeus na UE, aumentaram 84%. Judeus agredidos na rua, lojas vandalizadas com a estrela amarela, crianças aconselhadas a esconder certos símbolos no caminho para a escola. Enquanto isso, partidos “moderados”, incluindo o “nosso” PSD e o Dr. Marques Mendes, entretêm-se numa corrida de 100 metros livres para ver quem condena Israel mais depressa e bem. Lá longe, a ONU guterrista continua no seu número de desfaçatez: elege o Irão para comissões de direitos humanos e cospe relatórios contra Israel com a cadência dos sinos da aldeia.
E olhando para certos bairros europeus, surgem ideias tão absurdas que a reação imediata pode ser um esgar incrédulo e um sorriso trocista. Depois, primeiro estranha-se, depois entranha-se. E a realidade começa a tratar de apagar o sorriso. Uma dessas ideias é, por exemplo, num tempo em que se reconhecem estados que não existem, a súbita proclamação de uma zona libertada islâmica, quiçá um califado, não nos desertos poeirentos do Médio Oriente, mas num bairro de Paris, numa parte de Bruxelas, ou até no Martim Moniz.
Há fonteiras, há povo, há um proclamador inflamado, há idiotas úteis. Que mais é preciso?
Parece disparatado? Inverosímil?
Tão inverosímil como um primeiro-ministro com milhares de euros escondidos numa estante ou um Dr. Rangel a ameaçar o reconhecimento de estados imaginários?
E, no entanto, aqui estamos: numa Europa onde tudo acontece, onde tudo pode acontecer, incluindo televisões a passarem ininterruptamente a propagada de grupos jihadistas, e onde multidões ululam pelas ruas, sem sombra de vergonha, a glorificar terroristas e antissemitas, e a berrar slogans que fariam corar Goebbels.
Sim, agora que a velha doença europeia voltou a ter febres altas, tudo é possível. É fácil imaginar que, numa qualquer bela manhã de Verão, um subúrbio de Bruxelas, um bairro londrino ou até a Rua de Benformoso, acordem com o anúncio inflamado de um barbudo enfarpelado num shalwar kameez: “Este território pertence ao Dar-al-Islam, Allahu Akbar, e essas coisas.”
O que fariam as “elites” culturais e intelectuais, como o Dr. Rui Tavares, a Dra. Alexandra Leitão, o Professor Marcelo e os juízes que debitam platitudes a partir do Palácio Ratton?
Fugiriam?
Não, mais provavelmente organizariam uma mesa-redonda na SIC Notícias ou na Aula Magna, enfeitadas com bandeiras palestinianas. Entre um latte de aveia orgânico sem glúten, e um cachecol palestiniano, um fulgurante professor de estudos interseccionais do ISCTE perguntaria se não deveríamos celebrar esta enriquecedora expressão de identidade cultural. Os outros acenariam, compenetrados e risonhos. Os alertas sobre o perigo das reações fascistas e islamofóbicas surgiriam antes do intervalo e o Professor Marcelo iria depois ao Benformoso, para uma selfie sorridente com o novo califa português e as suas 4 mulheres.
Infelizmente, por detrás da ironia está a repetição da História, como tragicomédia. Para já, os judeus voltaram ao tradicional papel de bode expiatório de todos os males do mundo.
Uma minoria irrelevante em número e poder, mas tratada como ameaça omnipotente, que tudo controla e manipula, menos a turba, instruída pelo Tik-Tok, que saltita nas ruas espargindo ódio e ignorância.
“Não é contra os judeus, é contra os sionistas”, dirão, como quem recita um catecismo. Como se a distinção fosse mais útil do que um paraquedas sem pano.
Mas quando no Ocidente, crianças têm de esconder quem são e universidades tratam estudantes judeus como lixo tóxico, percebe-se que a diferença é apenas retórica. E velhaca!
Israel é já hoje o judeu do sistema internacional. Uma democracia liberal cercada por jihadistas, com reféns nos túneis do Hamas, mas condenada com mais fervor do que o Dr. Ventura na SIC N. Os líderes europeus, desde Macron a Starmer, passando por Merz e até Montenegro, juntaram-se de repente aos expoentes do antissemitismo ocidental, o Sr Sanchez e o Sr Higgins da Irlanda num afinadíssimo coro de condenações, exigências e ameaças. De resto, muito aplaudidas pelo Hamas, em sintonia com as respetivas opiniões “públicas”, extremamente bem nutridas de barulhentos palestinianistas de keffieh ao pescoço e companheiros de estrada da “religião da paz”, prontíssimos para o tal califado.
“Exigimos a libertação dos reféns, exigimos o desarmamento do Hamas, exigimos o cessar-fogo”. E pronto!
Mas quem vai libertar os reféns? Quem vai desarmar o Hamas? Como se passa de declarações virtuosas para a efetivação no terreno.
Critica-se Israel, acusa-se de coisas tremendas e já está resolvido o problema, no mundo paralelo da magia. A Alemanha, na sua devoção pelo “nunca mais”, já viu em Berlim manifestações com “Judeus para a câmara de gás”, organizadas por associações subsidiadas pelo próprio Estado. E quando se trata de deportar pregadores radicais, os juízes invocam o direito à vida privada, como se estivessem a decidir sobre um vizinho que estaciona mal.
A Europa, outrora orgulhosa da razão e da liberdade, fala agora o dialeto dos seus inimigos: “resistência”, “colonialismo”, “libertação”. O terrorismo é militância, o sequestro é luta armada, a violação é resistência. As instituições europeias financiam alegremente ONG’s obscuras cujo dinheiro acaba nas mãos dos jihadistas. E redigem resoluções floribélicas como quem escreve cartões de aniversário. Voltaire, se ressuscitasse, choraria e riria ao mesmo tempo. Depois voltaria para a tumba o mais depressa que pudesse, para não ficar preso na estupidez.
Mas ao atacar Israel, a Europa não está a defender causas nobres, está a hipotecar o próprio futuro. Em vez de se colocar ao lado de uma sociedade livre ameaçada por terroristas, prefere recitar os slogans dos mesmos radicais cuja governação faria Orwell parecer um optimista.
A França já tem bairros inteiros onde polícia e bombeiros só entram com escolta blindada, mas os pregadores salafistas têm passe livre. Nas escolas os professores mudam de nome, para evitar retaliações, como Samuel Paty, decapitado em 2020, e de quem ninguém se lembra, porque foi apenas nota de rodapé nas notícias a que temos direito.
No Reino Unido, os veteranos de guerra são aconselhados a esconder a bandeira nacional para não criar “tensões”, enquanto marchas do Hamas desfilam com proteção policial.
Em Lisboa, proíbe-se a exibição de símbolos cristãos e até um tradicional porco no espeto, para não ofender “sensibilidades”. O Porto acende as cores da Palestina no topo da Avenida dos Aliados, com o Dr. Rui Moreira a encenar a preocupação global e a prometer apoteóticas mesquitas, agora que não pode ser reeleito.
Mas não há que temer, o califado não virá a cavalo, com alfanges nas mãos. Virá numa acta de câmara municipal, sob a forma de representação comunitária, apresentado como multiculturalismo virtuoso. Até ao dia em que os direitos das mulheres forem dissolvidos num véu imposto à paulada, a biologia seja substituída por teologia e a sátira transformada em crime. Não pela espada, mas pela ignorância e cobardia moral.
Os judeus, nessa altura já terão partido. Talvez para Israel, o país que a Europa se afoba em demonizar e boicotar. E levarão com eles o último vestígio da espinha dorsal moral do continente, deixando-o tão mole como uma banana esquecida na fruteira. Os sinais sempre estiveram à vista: Rushdie, Hirsii Ali,Charlie Hebdo, Kurt Westergard, listas intermináveis de ataques e ameaças; clérigos barbudos a pregar sermões que fariam corar Torquemada; políticos a bajular líderes comunitários que se recusam a condenar sequestros, violações e homicídios. Marchas, hashtags, je suis qualquercoisa e, no dia seguinte, o regresso ao apaziguamento e à abdicação.
Já Israel é arrastado todos os dias para o tribunal da opinião pública por ousar defender-se.
A mensagem é clara: atacar judeus em nome do islamismo radical é aceitável desde que se diga que “não surge do vazio”, como ensinou Guterres e mostram Universidades e políticos que convidam jihadistas para conferências sobre direitos humanos e epistemologias do sul.
Eis a suprema ironia: a Europa, na sua sanha contra os judeus, convence-se de que está a praticar elevadas virtudes morais. Na verdade, está a serrar a trave onde se senta. Ao hostilizar Israel, fica mais fraca; ao ignorar o islamismo, fica menos livre; ao afastar os judeus não fica mais inclusiva, fica mais ignorante. E intolerante. Baruch Espinoza era de origem portuguesa. O seu talento foi parar à Holanda, porque os seus pais foram expulsos de Portugal.
Talvez ainda não seja tarde, mas já é tarde para ilusões.
O Ocidente precisa de se recordar de onde veio. Defender os judeus não é canonizá-los, é recusar que sejam novamente o alvo preferido. Nomear o islamismo e o “antissionismo” como ameaças não é intolerância, é lucidez.
Caso contrário, um dia acordaremos sob leis que nunca votámos, governados por quem nunca elegemos, e a suspirar por liberdades que dávamos por eternas, no tempo em que achávamos que tudo isto era só uma piada.
Não confundir Islamismo com Islão. Este é a religião em si, a fé religiosa dos muçulmanos, com base no Alcorão, e outros textos. Já o Islamismo é uma ideologia político-religiosa, que procura impor a religião islâmica à vida pública e ao Estado. Tem a sharia como base legal, rejeitando, muitas vezes, a separação entre religião e política.O islamismo existe num leque de variabilidade que vai do “moderado”, implantado, por exemplo, pelo actual poder na Turquia, até ao mais radical, o jihadista. Por vezes a diferença é apenas táctica. A Turquia é um dos grandes apoios do Hamas, partilham a grande pertença da Irmandade Muçulmana.