Quer parar a extrema-direita? O The Economist diz-lhe como
Onde se unem as cabeças que compõem o sinistro monstro da capa do The Economist? Na centralidade do valor da nação e na defesa da soberania, na importância de resistir à invasão de culturas estranhas.
O circunspecto The Economist não vai em dickensianos espíritos de natais passados, presentes e futuros para chamar à razão, à contricção e à salvação os seus Scrooges. Em plena quadra natalícia, prefere ficar-se pelo Halloween, assustando e entretendo os leitores com as bruxas, os bruxos e as atormentadas almas desse outro mundo que é a “extrema-direita”. Mas o respeitável periódico não se fica pela noite de terror: fornece todo um receituário para uma eficaz “caça às bruxas”.
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Capa negra, pintalgada de bolas azuis e encarnado-sangue e, a preto-e branco, as cinco cabeças do apocalíptico monstro que assombra a Europa – Neil Farage, do Reform Party do Reino Unido, Marine Le Pen e Jordan Bardella, do Rassamblement National francês, Alice Weidel, da Alternative für Deutschland, e Georgia Meloni, dos Fratelli d’Italia, todos com um leve esgar sádico e olhos semi-cerrados. O título, “Europe’s Populist Right: Can They be Stopped?”, também apavora.
Mas a capa induz em erro, porque o objectivo do número de 13 de Dezembro de The Economist é precisamente não falar da extrema-direita em termos apocalípticos e aconselhar “os políticos centristas” a não o fazerem.
Assim, o prestigiado semanário – fundado em 1843 pelo liberal James Wilson, no combate às Corn Laws, e que, a partir de 1860, teve como editor Walter Bagehot, autor de livros como The English Constitution. Physics and Politics e Lombard Street: A Description of the Money Market –, depois de mencionar os contornos catastrofistas com que Merz, Macron ou Starmer falam da possibilidade de vitória dos seus opositores de direita, passa ao receituário, aconselhando em editorial:
“Não falar da Extrema-Direita em termos apocalípticos
As doutrinas da direita populista contêm, na verdade, muita coisa condenável. Mas falar delas em termos apocalípticos é condenar a luta ao fracasso. Em seu próprio interesse e a bem dos seus países, os políticos centristas e os seus apoiantes têm urgentemente de mudar de discurso e de perspectiva.”
E continua, instando os leitores, compreensivelmente aterrados pelo monstruoso todo, a fazerem o esforço de atender às diferenças existentes entre as “várias direitas” – ou, segundo a linguagem mais comum nos meios jornalísticos e comentariais, as várias “extremas-direitas” –, em nome da eficácia do combate. Isto porque um grande número de europeus, de eleitores europeus, parece não acreditar em nada do que lhes chega amalgamado no discurso de ódio dos media, que não distingue Trump de Farage, e Le Pen de Meloni (ou, entre nós, de Ventura).
Sendo, então, certo que a amalgama e a segregação não têm resultado, a táctica deverá agora centrar-se numa cautelosa tentativa de normalização dos famigerados “partidos de extrema-direita”. Normalização a que os poderes instituídos vão resistindo, entrepondo sucessivas linhas vermelhas, mas que The Economist vê como inevitável.
O fenómeno é geral: no Reino Unido, o Reform Party, embora só tenha cinco deputados no Parlamento, está no topo da popularidade nas sondagens, com mais de 30% das intenções de voto; e, segundo um dos artigos consagrados a esta nova “peste negra”, a maior parte dos eleitores de Farage são dissidentes conservadores, desiludidos com o partido. Em França, parte do eleitorado dos “extremistas” vem da direita, mas também há ex-comunistas, especialmente nas zonas desindustrializadas. Na Alemanha, a AFD ficou em segundo lugar nas eleições de 23 de Fevereiro, com 20,8% dos votos, logo a seguir à CDU/CSU e tem uma distribuição eleitoral muito marcada geográfica e politicamente, a incidir nos territórios da antiga República Democrática Alemã.
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Se a ideologia do Reform Party anda muito à volta da “Inglaterra, para os ingleses” com a “remigração” dos ilegais, a AFD, além desse tema-chave do novo identitarismo europeu, tem outros pontos de identificação: é empenhadamente hostil ao alargamento da União Europeia e é contra o Euro; é também contrária às medidas de rearmamento, que antevê onerosas e desnecessárias perante um “perigo russo” em que muitos dos dirigentes e eleitores da AFD não acreditam. Numa eleição geral, a AFD atingiria hoje uns 25%; isto é, um em cada quatro alemães votariam por ela.
À semelhança do que sucede noutros países europeus, também na Alemanha é nas zonas de declínio industrial que o apoio à Alternativa tem vindo a subir. A França passou por isso no Nordeste, onde o fecho das fábricas levou muitos eleitores comunistas a passarem para o Front National de Jean-Marie Le Pen. Na Alemanha, ver-se-á se se confirmam as previsões de crescimento em Março, nas eleições em Baden-Württemberg, no coração industrial da Baviera, e na Saxónia-Anhalt e no Mecklenburg-Vorpommern, a Leste.
“O partido mais popular de França”
O Rassemblement National (RN) de Marine Le Pen e Jordan Bardella – que é, segundo The Economist, “o partido mais popular de França” – teve um crescimento muito semelhante ao do Chega em Portugal. Em 2017, o RN tinha oito deputados; oito anos depois, tem 123 e é o maior partido no parlamento francês. E isso apesar das coligações negativas para “cortar o passo ao fascismo” que, nas segundas voltas, juntam todos os outros partidos contra o Rassemblement.
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Sempre segundo The Economist, o fenómeno também se deve a alterações sócio-económicas, entretanto ocorridas, ou a algum “emburguesamento” da base de votantes no partido. Em 2017, apenas 7% dos eleitores, a maioria de classe trabalhadora, tinha curso superior, agora são 22% os eleitores com formação superior, a mesma percentagem dos “centristas” da macronia. E num partido que chegou a ter, num passado não tão remoto (2010), uma eleitora para cada três eleitores, parece que deixou de haver gender gap, agora com 30% de mulheres para 32% de homens.
As elites seguem o povo ou passam a comungar da sua desconfiança em relação a essas outras elites que também as governam e informam. Do mesmo modo que, em Inglaterra, vários ex-ministros e deputados conservadores passaram agora a integrar o Reform Party, também em França, à semelhança de Eric Ciotti, dos Republicanos, outros quadros da “direita respeitável” estão a desertar para o RN. E Bardella tem intensificado os contactos com os meios empresariais, enquanto Marine se mantém mais ao centro e centro-esquerda nas questões económico-sociais (o que já levou o L’Express a tentar explorar, também em capa, o que vê como “uma tensão grave” entre duas figuras de proa do nacionalismo francês).
Este nacionalismo francês, indissociável de toda um historial de laicismo, é, entretanto, diferente em matéria de costumes do dos partidos europeus mais conservadores – da Polónia, da Hungria ou de Espanha. Marine Le Pen deu liberdade de voto aos deputados do RN quando da passagem do aborto a “direito fundamental” e há estudos de opinião que garantem que um terço dos homossexuais franceses votam RN. Também em política externa – NATO, Euro, União Europeia – o partido moderou as suas posições críticas e de rejeição. O alinhamento com Trump e o seu movimento também não é muito popular entre os nacionalistas franceses. E quanto à Rússia-Ucrânia, há diferenças: tendencialmente, os antigos simpatizam com os russos e os novos não tanto.
Enfim, com a Direita e as direitas, por tantas décadas marginalizadas e proibidas, a afirmarem-se nos primeiros países da Europa, as diferenças, internas e nacionais, que sobressaem acabam por ser um sinal de força. Em partidos nacionalistas – logo, ajustados à história e às tradições da sua comunidade ou nação – as diferenças são uma estruturante afirmação de identidade.
Em que é que estão então unidas as cabeças que compõem o sinistro monstro europeu ostentado em capa por The Economist? Na centralidade do valor da nação e na defesa da soberania perante Bruxelas, na importância de resistir à invasão de culturas estranhas e na procura de uma política externa que cuide dos interesses nacionais e não se centre em exportações ideológicas. O que é mais que suficiente para assombrar “a Europa”, ou os seus moderadíssimos políticos e altos-comissários.

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