sexta-feira, 25 de abril de 2025

Reflexão - Alexandre Borges

 (sublinhados pessoais)


A extrema-era-a-outra-direita

Imaginemos que a direita moderada aceitava formar um governo de maioria com o Chega, para fazer as reformas necessária. O que sucederia depois? Que reformas seriam essas?

Vamos fingir, por um momento, que o Chega não é um partido que quer derrubar o “sistema” e que, em vez disso, poderíamos contar com ele para o reformar “por dentro”. Vamos fingir que o Chega não tem esse nome eloquente quanto ao que pensa e pretende, com um ponto de exclamação no fim. Que não se filia numa família partidária internacional de partidos apoiantes de regimes autocratas, dos Putins aos Orbáns da vida, e que o que faria, se o deixassem, não era implementar um do mesmo tipo em Portugal, naturalmente em torno do seu líder alegadamente indicado por Deus para salvar o país.

Vamos fingir que o Chega não quer, assumidamente, o fim desta república e começar uma quarta, assente num regime convenientemente presidencialista. Vamos fingir que o Chega não tem uma proximidade perigosa com grupos neonazis, que não grita “nem mais um” nas suas manifestações anti-imigração; que não ronda constantemente um discurso xenófobo e racista ou até que se sabe comportar na Assembleia da República. Finjamos que nada disto nos causa repulsa, não ofende os nossos valores, que é tudo exagero, que as “linhas vermelhas” foram um erro e que deveríamos poder contar com o Chega para formar a maioria de direita necessária para fazer as reformas de que o país precisa. Sim, imaginemos que, se os resultados das eleições de 18 de Maio assim o viessem a permitir, a direita moderada aceitava formar um governo de maioria com o Chega. O que sucederia depois? Que reformas seriam essas?

Para chegar a essas respostas, vamos ter de continuar a fingir mais um pouco. Vamos fingir agora que André Ventura aceitava ser número dois de um governo liderado pelo PSD (admitamos, para conveniência do exercício, que aceitava que o primeiro-ministro fosse Montenegro ou que o PSD tivesse encontrado outra solução para a liderança). Que se tornava, de repente, confiável e não no político que foi até agora, com quem não se pôde contar nem para eleger um Presidente da Assembleia. Alguém que quer, assumidamente, destronar o PSD e que, em inúmeras ocasiões, de que o cartaz dos “50 anos de corrupção” é só o último exemplo, não hesitou em declará-lo igual ao PS, pelos vistos não só agora, mas ao longo de toda a sua história.

Finjamos ainda mais um pouco – eu sei que estou a abusar; o leitor já merece um Óscar, mas estamos quase lá. Finjamos que o Chega tem uma boa base de recrutamento para ministros, secretários de Estado, membros de gabinetes. Finjamos que a Spinumviva e as obras do t1 de Luís Montenegro é que são casos graves e que o país sobreviveria a governantes que roubassem aleatoriamente malas no aeroporto, se envolvessem em casos de prostituição de menores, conduzissem embriagados ou o que mais estará para vir, num partido que, promoveu, do dia para a noite, recém-alistados a deputados e autarcas e que filtra tanto quem lá entra como o arraial de Vila Pouca dos Assobios.

Finjamos, por fim, que o Chega é um partido competente, que não falha três vezes o prazo para a entrega do relatório com as conclusões de uma comissão de inquérito que ele mesmo solicitou para, no fim, entregar uma coisa que consegue o milagre de pôr todos os partidos, da IL ao PCP, a chumbar o documento e a dizer que não foi nada daquilo que a comissão concluiu.

Pronto. Ufa. Agora que está tudo fingido, vejamos, então: que reformas é que a direita iria fazer em Portugal com o Chega?

O Chega que, há dias, queria “canalizar” os lucros da banca para pagar rendas e créditos à habitação. Que foi o primeiro, ao lado do Bloco, a contestar a “via verde para a imigração” – e com o mesmíssimo discurso. Que queria fundos europeus para pagar pensões e que os contribuintes continuem a financiar a TAP – pelo menos desde que mudou de ideias e já não é contra a nacionalização. Que propôs aumentar as pensões para o nível do salário mínimo, conta tão astronómica que nunca soube sequer calcular, acabando por cifrá-la entre os 4,5 mil milhões de euros e os 7 mil milhões (uma diferença de 2,5 mil milhões de euros – trocos), qualquer coisa, nos seus valores máximos, a rondar todo o orçamento dos ministérios da Educação ou das Infraestruturas. E que, no somatório das medidas constantes do seu último programa eleitoral, aumentava a despesa do Estado em mais de 5% do PIB, aumento estratosférico que não explicava como pagar, tirando umas ideias vagas sobre cortes nas verbas alegadamente destinadas a financiar políticas de ideologia de género ou que recuperaria através de um miraculoso combate à corrupção.

É com este partido que a direita iria fazer as reformas de que o país precisa? Com o partido que votou, sucessivamente, contra o governo de direita e ao lado do PS? O partido que, a par do PCP, disparou, à primeira oportunidade, uma moção de censura contra o governo, coisa que nem o PS fez?


Ah, talvez tenha sido só agora. Oportunidade política, sabem como é. Cheirou-lhes a sangue na água e atacaram – é da natureza dos partidos. No fundo, no fundo, eles são de direita.

Não. É ver o debate do orçamento de Estado, aquele que André Ventura ora queria “irrevogavelmente” chumbar, amuado por não ter sido o preferido para a negociação, ora estava disponível para deixar passar, a troco de qualquer coisa mais ou menos absurda para as contas do Estado como um referendo à imigração. No fim (contas do Correio da Manhã), o Chega foi o partido que mais propostas de alteração apresentou ao orçamento de um governo de direita – mais do dobro das do Bloco. E quem foi que votou mais vezes a favor das propostas de alteração do Chega? O Bloco e o PAN. Inês Sousa Real concordou com, nada mais, nada menos, do que 426 iniciativas do Chega, e o Bloco com mais de metade. Por sua vez, o Chega votou a favor de basicamente metade das propostas da esquerda: 49,6%. E se continua a achar que isso foi de agora, que era Ventura zangado com Montenegro por não o ter convidado para o governo, vá mais atrás, ao tempo de António Costa. Vá ver se não era já o Chega o partido que mais votava favoravelmente as propostas do PS na negociação dos orçamentos.

Ou seja, mesmo que engolíssemos todos os nossos princípios e acreditássemos, religiosamente, que em três tempos não íamos ter o governo refém dos escândalos de hipotéticos governantes do Chega, diga: que reformas, ao certo, é que a direita ia fazer com o Chega?

O Chega não é bem um partido de extrema-direita; é um partido de extrema-direita com dislexia, como aquelas pessoas que viram à esquerda quando lhes pedimos para virar à direita e a quem depois se diz “era a outra direita”. Sem ofensa para os disléxicos. É um partido unipessoal, em torno do qual se juntou meia dúzia de pessoas convictamente conservadoras, mas que, em nome da ambição de crescer e chegar depressa ao poder, virou bar aberto. Resultado: ou não funciona; ou, quando funciona, não é de direita; ou quando é de direita, é da extrema. Reformas com o Chega? É melhor agarrarem a carteira. (Sim. E, se calhar, também o trolley.)

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