Pluralismo ou irrelevância: o dilema dos media tradicionais
A confiança, uma vez perdida, é muito difícil de recuperar. Os leitores podem discordar do tom, da escolha das palavras, até da opinião – mas não podem sentir que estão a ser conduzidos como crianças.
Os media tradicionais enfrentam hoje um dilema existencial: ou se adaptam ou perdem relevância. Estamos perante uma transformação profunda no espaço público. Cada vez mais, as conversas que realmente interessam, aquelas que procuram compreender o mundo com tempo, profundidade e espírito crítico, acontecem fora dos jornais e televisões tradicionais. São lideradas por ex-políticos, ex-jornalistas, ex-músicos, professores, ou simplesmente pessoas comuns que, através dos podcasts, criaram novos espaços de diálogo. O público procura autenticidade. Quer ouvir ideias desenvolvidas, pontos de vista diferentes, conversas menos formatadas e enviesadas ao mesmo tempo que mais humanas. E é isso que está a encontrar neste novo ecossistema, muitas vezes com mais clareza, pluralismo e liberdade do que nos meios convencionais.
No campo político temos John Anderson, antigo Primeiro-Ministro australiano, que hoje lidera um dos podcasts mais sérios e respeitados do mundo anglófono. Na esfera cultural, Winston Marshall, ex-Mumford & Sons, “cancelado” por elogiar um livro, e que regressou para vencer um debate em Oxford contra Nancy Pelosi. Já no debate intelectual mais amplo, Freddie Sayers, que no UnHerd desafia ideias feitas com consistência e clareza.
Este movimento não é apenas intelectual — é também profundamente popular. Figuras como Piers Morgan, Tucker Carlson ou os omnipresentes Jordan Peterson e Joe Rogan souberam usar a liberdade da internet para recuperar audiência e influência, muitas vezes ultrapassando os próprios canais que os afastaram. Rogan, aliás, é hoje mais ouvido e respeitado do que muitos jornais de referência incluindo o New York Times, cuja credibilidade se tem desgastado devido a polémicas recentes, como a atribuição controversa de prémios Pulitzer. Aliás a atribuição de um Pulitzer a uma investigação infundada sobre Trump é apenas um dos exemplos mais evidentes dessa erosão. A confiança do público está a mudar de lugar — e os media tradicionais perceberam o que isso significa, mas preferem olhar para o lado.
Outro caso exemplar é o de Steven Edginton. Que ainda muito jovem integrou a redação do The Sun, onde se afirmou como jornalista político. Mais tarde, no Daily Telegraph, destacou-se com investigações críticas durante a pandemia, centradas na transparência do governo e nas restrições às liberdades civis. Um dos momentos mais marcantes do seu percurso foi a entrevista dada ao podcast Triggernometry, intitulada “How Wokeness is Destroying the British Army”, onde expôs os efeitos da ideologia de género nas forças armadas britânicas — uma denúncia que causou enorme controvérsia e quase lhe valeu problemas legais.
Hoje, Edginton prossegue esse trabalho como correspondente da GB News nos Estados Unidos, onde tem conduzido reportagens sobre o impacto das políticas identitárias em cidades como Nova Iorque ou São Francisco. É um exemplo claro de jornalismo independente, jovem e corajoso — que ganha espaço precisamente por abordar temas que os media tradicionais evitam.
Tudo isto acontece porque o público está a reagir, a rejeitar filtros, a procurar pluralismo, a querer ouvir ideias sem mediação excessiva. No Brasil, os podcasts de qualidade estão em alta: discutem política, cultura e economia com profundidade e liberdade. E em Portugal, o formato começa também a atrair talentos e audiências que procuram mais do que os soundbites da praxe.
Porquê este fenómeno? Porque, durante anos, muitos media trataram os leitores com desconfiança ou condescendência — como se o seu papel fosse o de educar o povo, e não o de informar cidadãos livres e pensantes. E porque, demasiadas vezes, alinharam-se sem espírito crítico com um só lado do espectro político. Isso empobreceu o debate. Falo com respeito e preocupação: sou leitor habitual e assinante de vários jornais. Estou deste lado, e é precisamente por isso que acredito que o jornalismo precisa, com urgência, de se olhar ao espelho.
Veja-se a plataforma Ground News: uma ferramenta que mostra o enviesamento político de cada fonte de informação. Os leitores querem isto. Querem contexto. Querem saber se estão a ver a notícia ou a versão da notícia. E mais: querem confrontar-se com opiniões diferentes — até para poderem solidificar as suas.
Não precisamos ir longe. Em Portugal, há exemplos que mostram como este problema é real. Veja-se a notícia recente da Agência Lusa sobre os resultados da TAP. Enquanto o ECO noticiava, com precisão, que os prejuízos tinham aumentado para 108 milhões, a Lusa escrevia que as “perdas tinham melhorado” para o mesmo valor. Uma frase que desafia a lógica matemática e o bom senso linguístico. A notícia foi, ao que parece, corrigida mais tarde. Mas o mal estava feito. Porque, como sabemos, o primeiro título é o que fica.
Este é o ponto crítico: a confiança, uma vez perdida, é muito difícil de recuperar. Os leitores podem discordar do tom, da escolha das palavras, até da opinião expressa — mas não podem sentir que estão a ser conduzidos, como se fossem crianças. Porque não são. E porque têm alternativas.
Os jornais são essenciais. Na sua maioria, contam com excelentes jornalistas, boas investigações e equipas dedicadas. Mas precisam de garantir diversidade de pensamento, abertura à controvérsia e uma representação real do pluralismo que existe na sociedade portuguesa. Dar palco constante a micropartidos, por exemplo, não espelha esse pluralismo – e impede que muitas outras vozes, igualmente lúcidas, tenham espaço. Mesmo quando há qualidade investigativa, é frequente ver o comentariado transformado num corredor ideológico unidirecional. É aqui que tudo se joga. Sem diversidade e pluralismo os media tradicionais não resistirão, serão inevitavelmente questionados, postos de lado. Porque, no fim, a credibilidade é como a pasta de dentes: uma vez fora do tubo, não há forma fácil de a voltar a meter lá dentro.
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