terça-feira, 26 de julho de 2011

Sociedade - Alberto Gonçalves

Queremos fiado: toma!
por ALBERTO GONÇALVES
25.07.11

Desde que a Moody's nos decretou "lixo" económico, os portugueses já: 1) reagiram oficial e informalmente à classificação com críticas e insultos à dita agência; 2) organizaram o envio postal de lixo autêntico para a sede da agência; 3) sabotaram o site da agência. Faltava alguma coisa? Pelos vistos, faltava produzir uma série de bonecos do Zé-Povinho em pose de manguito e com a inscrição "Toma, Moody's!". Felizmente, a Vista Alegre e as Faianças Bordalo Pinheiro, que prevêem alargar as vendas do boneco a Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (os PIIGS restantes), trataram do assunto.
Decerto estarei enganado, mas era capaz de jurar que a melhor resposta a quem acusa o País de ser um monumento ao descrédito passaria por provar que o País merece crédito, do tipo que é sinónimo de confiança ou, no limite, do tipo que é sinónimo de juros. A ideia da Bordalo Pinheiro apenas prova que conseguimos produzir caricaturas alarves e despeito. Assim de repente, ocorre-me que seria preferível cortar na despesa pública, reduzir a carga fiscal, mexer a sério nas leis laborais, na Justiça e na Educação e outras minudências que desmentissem o facto, até agora por desmentir, de que cada euro empregue em Portugal é, com altíssima probabilidade, um euro mal empregado.
Obviamente, as medidas acima dão um trabalhão e não aliviam a alma. Obviamente, preferimos a via alternativa, que consiste em chamar ao mensageiro da desgraça o que Maomé não chamou ao vinho e, para efeitos práticos, esquecer que a desgraça é real. Samuel Johnson estava de mau humor quando afirmou que o patriotismo é o refúgio dos canalhas. Com frequência, é apenas o abrigo de trapaceiros, tontos e oportunistas. Os primeiros assinam o desastre, os segundos legitimam-no e os terceiros ganham uns trocos à sua custa, ou mais exactamente 33 euros nos bonecos pequenos e 64 euros nos maiorezinhos.
Tem graça? Tem a graça dos pelintras orgulhosos, incapazes de sobreviver sozinhos e convictos da própria superioridade face a quem os sustenta. Ainda não consegui parar de rir. Logo que consiga, irei a uma loja da Vista Alegre adquirir, a título de lembrança, um exemplar do boneco endereçado à Moody's mas que poderia ser endereçado ao dólar, à sra. Merkel, ao capitalismo, à globalização, aos especuladores ou aos mercados. O fundamental é usar o mundo exterior como bode expiatório dos nossos desvarios. E rezar para que continue a patrociná-los.
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