No meio do exercício de absoluta banalidade,- o poder gosta da banalidade, - em que tudo foi mau, as declarações irrelevantes, a música mal ensaiada, o tipicismo de uma cozinheira angolana destinado a dar cor local, num hotel de luxo que seria um melhor retrato da realidade angolana, e de umas conversetas sobre “cultura” ao nível daquelas galerias de arte que vendem reproduções de um menino a chorar, lá houve uma pergunta mais que estudada, mais que prudente, mais que temerosa, sobre a corrupção, quase como se se pedisse desculpa de a fazer. Que a pergunta era um proforma, provavelmente negociado com o ministro (ele próprio envolvido em vários casos de corrupção), está na forma artificial como tudo se desenvolveu, como se tudo fosse apenas um problema de “percepção” de estrangeiros que não conhecem Angola. Sim, havia de facto alguma corrupção, mas isso devia-se à burocracia. Sim, havia de facto alguma corrupção, mas isso devia-se à juventude do país e à guerra. Sim, era um “problema doméstico”, mas já há umas leis excelentes e duras que permitem combatê-la. Na sala estavam vários exemplos de gente que ganha umas centenas de dólares de salário formal e detêm fortunas de milhões. Isto num país em que a maioria da população vive na miséria e em que não há verdadeira indústria, apenas rendimentos de petróleo ou diamantes, controlados na sua distribuição pelo MPLA e pelo Presidente da República e a sua entourage.
Jornalismo? Deixem-me rir.
COISAS DA SÁBADO: PARA QUE SERVE A “INFORMAÇÃO” DA RTP?
Um bom exemplo da razão pela qual o governo pretende ficar com um canal informativo na RTP, a mais escusada das razões porque a SICN e TVI24 cumprem essa função, é porque o poder politico quer controlar a propaganda dos seus actos. O último Prós e Contras, realizado em Luanda, é um bom exemplo de como nada mudou desde as sessões de propaganda típicas de José Sócrates. Agora são com Miguel Relvas, antes eram com Sócrates, antes eram os aviõezinhos a levantar da OTA em videogame e agora é uma sessão que podia bem ter sido feita antes do 25 de Abril. Até o toque do folclore exótico a despropósito com umas pretas de tronco nu vestidas com os ademanes tribais, podiam bem passar num documentário do SNI.
De facto, o que leva a RTP em aperto financeiro a enviar uma equipa à cidade mais cara do mundo, gastar tempo de satélite, deslocar pessoas e bens para acabar por fazer um pífio exercício de propaganda centrado nos estereótipos sobre a relação entre Portugal e Angola, bem longe de qualquer realidade? O que leva a tão deprimente e caro exercício de banalidade absoluta, a não ser dar tempo de antena a um ministro, por singular coincidência o mesmo que tutela a RTP, acolitado pelos mesmos de sempre, os mesmos que acompanhavam José Sócrates e lhe davam a mesma caução que agora dão a este governo como a darão a outro que venha a seguir?
Eu compreendo que, sendo tudo tão mau e banal, por cá a propaganda não seja muito eficaz, mas o mesmo já não pode ser dito por lá. Por lá, há um efeito de poder neste pobre programa: nenhum membro da elite angolana poderia perceber que um ministro português fosse importante e poderoso se ele não andasse, como eles andam, com a televisão do estado à rédea. Relvas quis mostrar em Angola que por cá é poderoso, tão poderoso que traz a televisão pública à ilharga como qualquer general-empresário angolano faz com a TPA. Já não é a primeira vez que isto acontece: com o mesmo ministro em Moçambique, a falar à vontade das instruções que deu à Lusa para a cobertura de um colóquio em que participou e que, aliás, não correu bem lá, mas isso foi por cá foi silenciado.
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