quarta-feira, 19 de março de 2014

Reflexão-Manuel Serrão no JN

Sou a favor do contra

Lembro-me que ainda há bem pouco tempo defendi aqui no nosso JN que os dois partidos que integram a coligação governamental deviam fundir-se. Outra coisa bem diferente é pensar que entre o maior partido do Governo, o PSD, e o maior partido da Oposição, o PS, se devam registar as maiores convergências, mesmo que sem nenhuma fusão partidária. Sou claramente a favor do contra neste particular.
Na passada segunda-feira Passos Coelho e António José Seguro, a pedido do primeiro, estiveram três horas reunidos na suposta busca de uma coincidência de pontos de vista sobre os cenários que se podem desenhar para o período imediato à saída da troika do nosso país.
Admito que algumas almas ingénuas tenham alimentado a ideia de que deste encontro haveria de sair fumo branco. Qualquer químico de meia-tigela sabe que a mistura de laranja com vermelho nunca produz um resultado branco. No máximo, de uma mistura destas somos capazes de conseguir uma tonalidade laranja mais avermelhada, ou um vermelho mais alaranjado. Claro que outras almas menos ingénuas estavam à espera que este encontro pudesse reavivar os tempos do Bloco Central. Refiro-me ao Bloco Central formal que existiu no tempo de Mário Soares e Mota Pinto, mas é preciso não esquecer esses tempos do "Bloco Central" informal, que floresceram nos anos que se seguiram, primeiro a coberto do cavaquismo e mais tarde à sombra do guterrismo. Datam destes formatos e destes tempos alguns dos maiores atentados à democracia política, social e económica no Portugal pós-25 de Abril de 74. O Bloco Central destes partidos proporcionou, ou até incentivou, o bloco central dos interesses económicos e financeiros, que estiveram na base da possibilidade legal de existência de negócios e negociatas de milhões, que acabariam a maior parte das vezes como acabou o BPN. Ou o BPP.
Quando nós hoje pensamos nas centenas de milhões de euros de prejuízos que as estórias do BPN causaram e continuam a causar ao Estado português e a todos os portugueses contribuintes, não podemos deixar de nos recordar que foi esse ambiente de conluio entre alguns dirigentes dos dois maiores partidos que permitiu tais desmandos. Claro que é sempre bom dizer que não há nenhum culpado antes das sentenças transitarem em julgado, mas para o cidadão comum já não há prescrições que façam mudar a perceção de que os nomes envolvidos nestes escândalos têm realmente culpas no cartório. Nem sequer vale a pena repetir os nomes destas sinistras personagens, porque todos sabemos que são homens que fazendo carreira individual no PSD ou no PS souberam atirar para trás das costas as suas aparentes divergências políticas, para se unirem, de mãos dadas e corações ao alto, naquelas que já são justamente consideradas as maiores vigarices do século.
Éessencialmente por causa desta memória que rejubilo com a notícia de que Passos Coelho e António José Seguro não foram capazes de se entender. É evidente que um consenso alargado sobre as questões mais cruciais e fundamentais para Portugal é positivo. Mas isso é o que já existe, sobretudo no caso vertente, desde a assinatura conjunta do memorando que possibilitou a entrada da troika no nosso país. A partir daqui qualquer outro documento assinado em comum, mormente para um período em que a troika já de cá saiu, cheira a tentativa de divisão de interesses e tresanda a criação de condições férteis para novas negociatas e novos conluios.

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