02.07.2017 - Soror Mariana Alcoforado (Ópera)
São 22 profissionais e 84 amadores os que participam na ópera “Soror Mariana Alcoforado”, que esta sexta-feira, 16 de junho (e com repetição a 17 e 18), tem marcada a estreia mundial no Convento dos Capuchos. Nesse momento, chegará ao fim um processo posto em marcha há seis meses, quando a Câmara Municipal de Almada e a Musicamera Produções encomendaram a obra ao compositor Amílcar Vasques-Dias e abriram as portas daquilo a que chamaram “residência artística para a construção de uma ópera”.
“Um projeto como este não depende dos resultados, mas também da importância do processo. Um não existe sem o outro“, explica Brian MacKay, o diretor musical e coral que desde janeiro está a trabalhar com os músicos ao lado de F. Pedro Oliveira e Aldara Bizarro, responsáveis pela encenação e o movimento. Das mais de 70 pessoas que apareceram nas quatro audições, cerca de 30 foram escolhidas, e destas ficaram 22, com idades a oscilarem entre os 13 e os 70 anos. Porém, a comunidade participa também na elaboração dos figurinos, dos vídeos — está presente em toda a parte técnica, lado a lado com os profissionais.
“É muito gratificante“, diz F. Pedro Oliveira. “A maioria não está porque quer ser artista, mas para se divertir, para usufruir de uma experiência. E isso é ótimo.” E se no início se deparou com algum pudor por parte do grupo, as barreiras foram-se quebrando ao longo dos ensaios. Nos primeiros meses, esse foi o principal objetivo, conseguido graças a 12 workshops com ênfase na expressão corporal, no improviso e no movimento. Mas rapidamente Pedro sentiu a atmosfera distender-se: “As pessoas vão-se conhecendo, começam a dar boleia umas às outras, cria-se uma amizade.”
Ao mesmo tempo, Brian MacKay ia trabalhando as vozes. “Era preciso treinar as competências do canto coral, que não é um canto a solo. No caminho, muitos jovens revelaram um potencial incrível, enquanto os mais velhos traziam a sua própria experiência de vida”, conta o maestro. Alguns nunca tinham cantado e esta ópera representou uma primeira vez. Seis meses passados, é “incrível” o que conseguiram. Para Brian, talvez a parte mais difícil tenha sido estar a ensaiar o grupo enquanto a música estava a ser criada e o libreto escrito. “Tudo acontecia em simultâneo, pelo que eu próprio desconhecia o que viria a seguir.”
E a seguir viria a música, que Amílcar Vasques-Dias compunha em estreita colaboração com a libretista e sua mulher, Helena Nóbrega. O tema que lhes fora proposto era a história de Mariana Alcoforado e as cartas de amor que terá ou não escrito a Noël Bouton, Marquis de Chamilly — que se tornaria Marechal de França durante as Guerras da Restauração —, e em 1669 editadas em Paris sob a forma de um romance epistolar intitulado “Cartas Portuguesas”. “É uma história forte, polémica, cheia de contrastes psicológicos, de tristeza, de alegria, de sensualidade, de dramatismo”, diz Vasques-Dias. A tais mudanças, a música de raiz contemporânea respondia introduzindo o flamenco, o jazz, o canto gregoriano. E o cante alentejano, que surge em evocação das raízes de Mariana Alcoforado, nascida em Beja em 1640 e aos 16 anos ingressada na clausura da Ordem de Santa Clara, onde morreria em 1740, aos 83 anos.
O compositor revela que o cante está presente na música de duas formas: como citação na própria partitura e como elemento cénico. “O cante surge como algo estrutural na composição, mas também é entoado pelo grupo Cantares de Évora, cujo 'cantador-alto', Pedro Calado, também desempenha a personagem do pai de Alcoforado”, explica, revelando-se “orgulhoso” com o resultado. “Comove-me assistir aos ensaios e ver a capacidade e a força de vontade destas pessoas, pois algumas partes não são fáceis nem sequer para os profissionais. Tiveram de aprender um texto, uma partitura e seguir um encenador. E isso é espantoso”, confessa.
Com um elenco profissional formado por Natasa Sibalic no papel de Mariana Alcoforado, Manuel Caldeira, Telma Valente de Almeida e Maria João Augusto, há também uma pequena orquestra especialmente criada para a ocasião. E desta fazem parte Luís Pacheco Cunha, André Fresco, Chiara Antico, Catherine Strynckx, Alejandro Erlich Oliva, Andrew Swinnerton, Paulo Gaspar e Agostinho Sequeira. A figurinista é Maria Luiz.
Depois da primeira edição em Paris, as “Lettres Portugaises”, atribuídas a Mariana Alcoforado, acenderam e mantiveram a discussão sobre a veracidade da história, sendo reeditadas uma centena de vezes até 1800. Em Portugal, aparecem em 1824 — e a sua receção não foi menos controversa. Figuras importantes tiveram algo a dizer ao seu respeito, como Pinheiro Chagas, Camilo Castelo Branco ou Alexandre Herculano. Nunca ficou claro quem escreveu as cartas, se é que foram escritas. Mas a sua popularidade foi tal que elas são lidas até hoje. Em 1972, três séculos após publicadas, inspiraram as “Novas Cartas Portuguesas”, escritas por Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa. São 120 textos de crítica social, que não podiam deixar de fora o papel da mulher na sociedade de então.
Sem comentários:
Enviar um comentário