O Estado frágil
O Estado português é gordo, mas é fraco. É pesado, mas não é firme. É um Estado fraco que torna vulnerável o seu povo. Entre incêndios, assaltos e acidentes, o Estado falhou. Nas previsões e na prevenção. Na prontidão do socorro e na rapidez da ajuda. Na humildade com que se devem tratar as vítimas, na coragem com que se reconhecem culpas, na seriedade com que se estudam as causas, no rigor com que se apuram as responsabilidades, na eficiência com que se distribuem auxílios e na honestidade com que se deveriam repartir ajudas solidárias.
São tempos de falhanço do Estado. Do Estado central e local. Do Estado político e administrativo. Do Estado civil e militar. Pelas vítimas, os acidentes de Pedrógão foram os mais dolorosos, mas não pela extensão e pela intensidade. Os fogos insistem. A prevenção continua a falhar. As comunicações permanecem erráticas e em regime de avaria. A coordenação é deficiente, foi-o desde o primeiro dia, melhorou aqui e ali por força das circunstâncias, está longe, muito longe, de ser satisfatória. Ou sequer de dar um pouco de segurança.
Há uma espécie de incúria generalizada em que se repetem os acidentes e os prejuízos. A ajuda atrasa-se. Os socorros ditos de solidariedade chegam tarde, quando chegam. Na maior parte dos casos, as ajudas imediatas para reconstrução e reinício de actividade, que deveriam demorar dias, não chegaram ao fim de semanas. Toda a gente do Estado tem algo a dizer, a garantir o que não têm e a prometer o que não podem. A culpar os outros, sempre os outros, os de baixo, os do lado, os de cima e os da oposição.
Os autarcas procuram a reeleição e queixam-se do governo, se forem de diferente cor política, ou dos serviços, se forem do mesmo partido. O governo faz promessas e bate na oposição, esperando subir nas sondagens. A oposição garante que não quer aproveitar e não faz outra coisa. Só os bombeiros parecem estar à altura.
Preparam-se já leis magníficas, como se o problema fosse esse. Não vão faltar os planos miríficos a longo prazo, o planeamento integrado, o ordenamento estratégico e o equilíbrio sustentável. Vão demorar anos a regulamentar, décadas a elaborar e eternidades a concretizar, enquanto persiste a palha à volta das casas, o mato nos baldios e nas florestas, o matagal nos caminhos, o restolho seco, os combustíveis vegetais prontos a disparar, a insuficiência de sapadores, as falhas de comunicações... Culpas de muitos a começar pelos aldeões que não tratam das suas casas e das suas fazendas, pelos lavradores que não querem gastar, mas tão-só encaixar, dos autarcas que preferem rotundas feitas pelos amigos artistas e pavilhões desportivos pagos pela União Europeia...
Em Tancos, falhou a disciplina, a responsabilidade e a noção de dever público. Falharam os militares directamente encarregados, por preguiça, por inconsciência e não se sabe se por coisa pior. Falharam os responsáveis por não ter acudido. Falharam os dirigentes militares e políticos pelo espectáculo lamentável, quase indecoroso, de esquiva culpas e de redução da importância do ocorrido.
Até uma procissão no Funchal trouxe mais de uma dezena de vítimas mortais, esmagadas por uma árvore, em acidente impensável, a que não falta desleixo e imprevidência, com uma polémica típica entre responsáveis, do proprietário à câmara, passando pela freguesia. Vai discutir-se seriamente a localização da responsabilidade entre o solo, a raiz, o tronco e os ramos ou pernadas assassinas...
Perdidos no imprevisto, os dirigentes políticos iniciam as suas intervenções com frases desajeitadas: "Trago uma palavra de esperança"... "Quero deixar uma mensagem de solidariedade"... Percebe-se logo o artificial. Sente-se a compaixão forçada do dever e do lugar-comum. A esperança e a solidariedade não se anunciam.
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