E lucevan le stelle...
No céu brilhavam as estrelas! Os portugueses distinguiam-se em várias modalidades desportivas. Os cruzeiros internacionais chegavam cada vez mais ao porto de Lisboa. Aumentava o número de estrangeiros que desejavam viver em Portugal. Abriam hotéis todos os dias. A temporada turística era maior do que a estação de Verão.
Estava tudo a correr tão bem! As agências internacionais tinham-se finalmente rendido à justeza da política do governo. A economia crescia. O desemprego baixava. A exportação aumentava. Os investimentos estrangeiros batiam à porta. O Novo Banco estava vendido. O Orçamento negociado: o Bloco gabava-se de tudo o que era bom, mesmo do que não era obra sua. O PCP exigia tudo o que já obtivera. O governo tinha folga para dar ao Bloco e ao PCP o que queriam.
Apesar de a CGTP resmungar e a Fenprof vociferar, reinava a paz social. Magistrados e enfermeiros juntavam-se aos sectores laborais em luta, mas sem ameaça. O Bloco e o PCP defendiam a solução de governo. O PSD entrava em crise de liderança e, com eleições dentro de alguns meses, deixava o governo em paz. O julgamento de Sócrates anunciava-se para mais tarde e cada vez desaparecia mais a ligação daquele malfadado governo ao Partido Socialista e aos actuais governantes. As ligações perigosas reveladas pelo processo Sócrates podiam esperar. Os fantasmas de Lula, Chávez e Maduro deixavam de ameaçar. O julgamento de Ricardo Salgado parecia estar cada vez mais longe, dissolvendo-se no tempo as interacções daquele grupo com os governos, especialmente os socialistas. Pensava-se que era fácil arranjar uma explicação para o insólito desaparecimento de Tancos e a extravagante aparição da Chamusca. Manhãs gloriosas e noites tranquilas! Não é possível pedir mais! Brilhavam as estrelas! E muitos nunca se tinham sentido tão felizes!
Eis senão quando... Parece uma tempestade perfeita! Tudo ruiu, a confiança e a esperança. A epifania terminou bruscamente. Ao revelarem a incompetência das instituições, a impreparação dos serviços e talvez o clientelismo da Protecção Civil, os fogos de Verão destruíram a confiança reinante. Os relatórios de Pedrógão deixaram a Administração de rastos. A segunda vaga de incêndios gerou perplexidade e insegurança. Mais de uma centena de mortes mostraram a vulnerabilidade de um país, a fragilidade de um povo e a incompetência de um Estado.
Os co-responsáveis por este governo, Bloco e PCP, depressa declararam que nada tinham que ver com a Protecção Civil e que os verdadeiros culpados eram os governos de direita. Depois de perderem as eleições autárquicas, os comunistas decidiram atacar. O Bloco também e entendeu chegado o momento de rever a sua posição e pensar no futuro.
Hábil e habilidoso, como é reputado, o primeiro-ministro preparou-se para gerir a crise, como hoje se diz: arrumar as crises parciais, dissolver as mais graves, puxar pelas coisas boas, dilatar no tempo as más, adiar problemas, prometer subsídios e anunciar medidas e dinheiro. Mas essa é a gestão de crise dos burocratas e dos políticos de laboratório. Está tudo certo, menos o imprevisto, o vital, o sofrimento, a confiança... E faltam sinceridade e prontidão. E, algures, uma réstia de humanidade.
A verdade é que quase não há quem pense a floresta, raros consideram as árvores, poucos estudam os incêndios. O governo preocupa-se com o Orçamento, os seus aliados e as notícias nos jornais. António Costa pensa em Lisboa e Bruxelas. Os socialistas são urbanos e interessam-se pelo governo. Os comunistas são urbanos e alentejanos. O Bloco é urbano e litoral. O PSD está desgarrado. O CDS não tem força. A direita sonha com negócios, os socialistas com startups e os comunistas com nacionalizações. O governo tem mais que fazer. Os autarcas desesperam e garantem que não têm poder nem meios, mas raros se fizeram ouvir durante o ano. Parece que só o Presidente Marcelo fez o que tinha a fazer e fez tudo o que podia. O Presidente e os bombeiros.
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