domingo, 28 de janeiro de 2018

Reflexão - António Barreto (DN)

O Presidente da República tem uma maneira muito própria de intervir: exibe o seu optimismo, garante que o que deve ser feito está a ser feito e afirma que o governo está a tomar conta. Este comportamento tem vantagens e riscos. Os ganhos são evidentes e já tivemos várias experiências, a começar pelos incêndios e Tancos, por exemplo. O governo assobiava, mas perante a acção do Presidente teve de passar ao acto. Toda a gente ficou a ganhar. Mas os perigos são também evidentes. Com efeito, se vier a verificar-se que o governo não faz, o PR passa por mentiroso e fica na obrigação de tomar medidas excepcionais.
De qualquer modo, vivemos um período fascinante. O governo estabeleceu uma coligação inédita, fez uma aliança estranha e encontrou uma solução inovadora. O Presidente, por seu turno, definiu um estilo próprio, um comportamento singular e uma actuação imaginativa. Ambos, presidente e governo, estão a contribuir para a reforma política e para a criação de variedades constitucionais. É obra importante.
Não sabemos se este processo tem um fim feliz ou infeliz. Logo se verá. Mas, para compensar, há outros desenvolvimentos que podem ter desenlaces nefastos. A começar pela impunidade nas áreas dos grandes negócios e da corrupção.
Entre parcerias e aventureiros, há centenas de pessoas que lucraram com decisões dos governos, com medidas tomadas pelas administrações dos bancos e de empresas privadas e públicas, medidas essas e decisões aquelas pensadas para defraudar e roubar bens empresariais ou públicos. Há gente que enriqueceu, sem criar valor, só porque recebeu crédito sem garantias. Há gente que concedeu esses créditos e recebeu prémios. Há políticos e gestores públicos nessa condição. Há gestores privados, banqueiros e empresários nessa situação. Há sobretudo as decisões formalmente lícitas, que fizeram a ruína do sistema financeiro português! As designações de "crédito malparado" e de "imparidades" são eufemismos que, na maior parte dos casos, significam fraude, corrupção, gestão danosa, destruição deliberada de valor e locupletação indevida com cumplicidade política! Onde está esta gente? Onde estão os dinheiros que desapareceram?
São todos honestos até ser provado o contrário. São todos inocentes até se ter a certeza de que são culpados. Mas vai ser tão difícil, tão complexo demonstrar a culpa! As decisões dos governos que aprovaram projectos inviáveis, apoiaram créditos impossíveis, garantiram compradores inexistentes, deram aval a negócios improváveis e viabilizaram empreendimentos ruinosos serão sempre decisões políticas lícitas, com boas intenções e com a certeza da procura do bem comum. Demonstrar que tudo isso era uma armadilha e um assalto à riqueza pública vai ser praticamente impossível. E se tal for demonstrado, a incapacidade da justiça, os poderes dos advogados, a influência dos partidos e as artes imaginativas dos recursos e garantias farão que a maior parte desta gente nunca sinta a culpa, muito menos o castigo. Foi tudo a bem do povo. Mas entretanto faliram empresas, arruinaram-se bancos, desapareceram milhares de milhões volatilizados, foram dados sinais de que se pode capturar o Estado, vender papel que nada vale, oferecer crédito sem retorno, financiar obras sem viabilidade e apoiar projectos sem utilidade.
Estamos perante uma situação confrangedora de incompetência de polícias e de ladrões, quer dizer, de inspectores, procuradores, magistrados, secretários de Estado, ministros, gestores e banqueiros. Tire-se da cabeça a ideia ou a esperança de poder ver, um dia, na presente ou na próxima década, explicações cabais para o que se passou, esclarecimentos dos mistérios ocorridos, julgamentos e condenação de criminosos! De recurso em recurso, de adiamento em adiamento, de chicana em chicana, de impossibilidade em provar, de dificuldade em demonstrar, não haverá responsáveis nem culpados!

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