A inexistência de conflitos de interesses em Portugal resulta da confluência de três explicações que se reforçam. Primeiro, ao arrepio das boas práticas internacionais e de outras culturas, só há conflito de interesses se a lei diz que há. Portanto, se a lei não proíbe, então não há conflito de interesses. A moral pública coincide perfeitamente com a lei - tudo o que a lei não proíbe já sabemos que é ético e moral. A fim de evitar as estéreis discussões sobre moralidade e deontologia, que incomodam outras sociedades, em Portugal, felizmente, combinou-se que, desde que não haja um ilícito, tudo é louvável. Segundo, pessoas honestíssimas nunca enfrentam conflitos de interesses. Logo insinuar que há uma situação de conflito de interesses implica naturalmente suspeitar da honestidade do sujeito. Ora, basta ser um membro da elite portuguesa para tal insinuação ser gravíssima. Por exemplo, se Jorge Coelho e Silva Peneda, para dar dois exemplos de figuras públicas de partidos distintos, atestam publicamente que Vieira da Silva é uma pessoa honestíssima, imediatamente devem cessar quaisquer dúvidas sobre conflitos de interesses. Generalizando, em Portugal, só poderia haver um qualquer indício de conflito de interesses quando a pessoa em causa não estivesse certificada como honestíssima pelas figuras públicas. Terceiro, impondo-se um princípio de presunção de inocência, só podemos identificar conflito de interesses quando ficar amplamente demonstrado que o sujeito do dever público cedeu indevidamente perante um interesse privado. Ou seja, apenas podemos saber que o conflito de interesses existiu depois de provada (e transitada em julgado) a corrupção. Como se ambas fossem a mesma coisa.Na verdade, as elites portuguesas convivem com os conflitos de interesses há séculos. A tradição dos múltiplos chapéus, da acumulação de sinecuras, da plasticidade de nomeações, das amplas portas giratórias entre o Estado e o mundo económico é, em si mesma, o cimento de uma cultura que tolera e estimula os conflitos de interesses. Isso distingue as elites inclusivas e produtivas de outras sociedades daquilo que sempre foram as nossas elites predadoras e rentistas.
Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho a certeza absoluta. (Einstein) But the tune ends too soon for us all (Ian Anderson)
sábado, 13 de janeiro de 2018
Reflexão - Nuno Garoupa
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