(Miguel Poiares Maduro, o autor do texto, continua a ser, para mim, uma das pessoas mais lúcidas do actual panorama político).
Interesse político e interesse público
Uma das causas do nosso atraso é a desvalorização do papel das entidades independentes e as frequentes tentativas do poder político em diminuir ou acabar com essa independência.
É usual presumir-se que é ao Governo e Parlamento que cabe sempre a prossecução do interesse público, sendo estranho atribuir essa responsabilidade a uma entidade independente. Isto ainda que exista uma função pública de soberania que ninguém questiona entre nós dever ser responsabilidade de órgãos independentes: a justiça. Na verdade, existem outras matérias em que faz democraticamente sentido atribuir a prossecução do interesse público a entidades que não estejam dependentes das pressões e preferências políticas do momento. Seja porque essa independência do poder político procura reduzir os riscos de enviesamento político para o curto prazo; seja porque a disputa política democrática necessita de árbitros neutrais face aos diferentes interesses políticos; seja porque há matérias e interesses em que a excessiva proximidade à política pode conduzir ou à instrumentalização desses interesses pelo interesse político partidário ou à captura da política por esses mesmos interesses (o Processo Marquês ilustra bem os riscos de não termos entidades independentes fortes a fiscalizar estas fronteiras).
Dois temas atuais ilustram a importância do tema. As nomeações familiares deste Governo para cargos de confiança política suscitam um juízo político que já aqui fiz. Mas há também nomeações para cargos da Administração Pública. É verdade que não podemos excluir os familiares dos governantes de todo e qualquer cargo na AP. No entanto, a única forma de garantir que tal não abre a porta a favorecimentos é a credibilidade e independência dos processos de seleção. Se fossemos consequentes, estaríamos agora a exigir um reforço dos meios e papel da CRESAP e não a assistir impávidos ao seu fim.
O mesmo com o debate sobre "fake news". Um dos aspetos mais correlacionados com o sucesso das fake news é a perda de credibilidade dos media tradicionais. Se também estes são vistos como estando ao serviço de interesses económicos e políticos tudo é "fake news". Neste contexto deveríamos apostar em reforçar as entidades independentes que têm um papel nesta matéria e não estar a discutir o aumento do controlo político sobre os media.
Em Portugal, basta uma entidade independente tomar uma decisão com que não se concorda para aparecerem os apelos à intervenção política. Não nos damos conta que apenas abrimos a porta para se confundir o interesse político com o interesse público.
P.S.: Atendendo à minha participação (ainda que meramente simbólica, no último lugar) nas listas para o Parlamento Europeu do PSD suscitei ao diretor do JN a suspensão da minha colaboração regular no jornal. Este comunicou-me que já o tinha previsto para todos os candidatos, com o que concordo plenamente. Regressarei após maio.
Professor universitário
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