quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Reflexão - João Miguel Tavares (Público)


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Tudo isto é tão absurdo, e nalguns casos tão contraditório com as várias explicações que foi dando ao longo dos anos, que não admira que José Sócrates faça hoje parte do anedotário nacional. O que podemos nós fazer perante tanta justificação grosseira e tão grande lata se não gozar com a sua cara, enquanto ele continua a
gozar com a nossa? Percebo e comungo desse sentimento. 
Contudo, transformar Sócrates em anedota, por mais que nos apeteça, tem vários perigos. Em particular, este: empurrar para o domínio da comédia aquilo que é da ordem da tragédia — uma tragédia que só foi possível porque muita gente ajudou Sócrates a montá-la.
José Sócrates não é, nem nunca foi, um one man show. Há dezenas de pessoas em posições de destaque que continuam mudas e recatadas, apesar de terem sustentado Sócrates durante anos a fio. Talvez não soubessem do cofre onde cresciam envelopes, fotocópias e livros do Duda — mas tinham a obrigação de ver o dinheiro vivo, o luxo, as mentiras e a manipulação. Essas pessoas estão mortinhas por que Sócrates seja reduzido a uma gargalhada, de preferência bem alta, de forma a abafar a miséria das suas vergonhosas cumplicidades. Se
permitirmos que isso aconteça, a anedota não é José Sócrates — a anedota somos nós.


Comentário o (LBC) - Mas será que ninguém vê esta "banalização da irresponsabilidade" que se apoderou do nosso país??

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