A direita do Chega arrisca ser a que sobra
De acordo com Sua Sumidade, os resultados foram claros: ganhou a esquerda, já que teve mais votos e mandatos que o centro-direita e a extrema-direita separados.
O dr. Tavares é uma inteligência. Um dia caiu-lhe uma maçã na cabeça e no interior desta germinou a tese dos três blocos. Quer dizer, o dr. Tavares apenas lhe deu o nome, se tanto. O resto ficou a cargo dos “media”, que por insondáveis motivos acham graça ao personagem e resolveram atribuir-lhe a autoria de um truque obviamente inventado, ou no mínimo popularizado, há anos pelo dr. Costa e adoptado pela esquerda em peso e pela parte da “direita” que se julga virtuosa.
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O truque – perdão, a tese –, é o seguinte. Existe a extrema-direita, que é o Chega, o centro-direita, composto por PSD e IL, e a esquerda, que agrupa a rapaziada remanescente. A esquerda, que mistura o PS com os “franchises” locais de Putin, Lula, Maduro e do Hamas, é o único conjunto de forças verdadeiramente democráticas e pode fazer o que lhe apetecer, incluindo, se necessário, acordos escritos com os canibais do Haiti. O centro-direita não pode fazer nada, excepto sonhar com a consideração de uma esquerda que lhe dedica sistemático asco. E a extrema-direita não entra nas contas.
Quem entra destravado pelas contas é o dr. Tavares, a explicar aos leigos os resultados eleitorais que os leigos, coitados, pensavam ter influenciado e percebido. De acordo com Sua Sumidade, os resultados foram claros: ganhou a esquerda, já que teve mais votos e mandatos que o centro-direita e a extrema-direita separados. A separação é fundamental a todo o edifício teórico, dado ser preciso que os primeiros dois blocos não se juntem para que o terceiro seja justamente consagrado vencedor. Alguns leigos, casmurros, talvez perguntem porque é que a esquerda, ainda que venere “Che” Guevara e conviva com ex-Stasi, nunca é “extrema” e nunca se sujeita às restrições morais que impõe à direita. Ora essa: porque o dr. Costa, o dr. Tavares e a esquerda em peso assim o decretaram, e a “direita”, ou a parte “virtuosa” da “direita”, aceitou toda contente o decreto.
Um estrangeiro, um ermita ou qualquer indivíduo pouco familiarizado com o estado a que desceu a política caseira lê o acima descrito e imagina tratar-se de brincadeira. Não, senhor. Por incrível que pareça, o dr. Tavares é real. A conversa dos três blocos anda por aí. E há gente à “direita” que admite, e aplaude, tudo. Ou seja, no passado Domingo, a esquerda foi arrasada nas urnas de maneira quase inédita e, apesar das recusas dos chefes de PS e do BE em aderir ao delírio, o dr. Tavares continua a tentar convencer-nos do contrário. E o extraordinário é que o ouvem. Detesto analogias futebolísticas, mas é como se a equipa goleada quisesse levar a taça sob o argumento de que o adversário não podia ter jogadores com nomes começados por “C” – e os painéis da especialidade debatessem a pertinência do tema dias a fio. Vendo bem, é pior que isso.
Surrealismo de lado, os partidos não socialistas, ou menos socialistas que o PS, conseguiram a 10 de Março uma vasta maioria parlamentar. É uma oportunidade rara, que, sujeitos às respectivas consequências, aproveitam ou desperdiçam. Ao invés do que finge a brigada das “linhas vermelhas”, o problema do “não é não” jamais passou pela mera, e parcialmente inevitável, rejeição do Chega, e sim pelo fervor com que a rejeição do Chega desviou o PSD (e a IL) da rejeição do socialismo. Na mesma linha (de cor facultativa), a alternativa ao “não é não” não implica puxar o Chega para o governo, com as pastas da Administração Interna, da Defesa e da Justiça. Não faltam tons intermédios na gestão das coisas, possíveis através de negociações, cedências, expectativas, dependências, medos, bluffs e chantagens, afinal a matéria da política. O que não é possível, ou não devia ser, é permitir que escrúpulos postiços devolvam em breve o poder ao PS e seu actual séquito de leninistas. Os leninistas não têm escrúpulos.
E receio que certa direita não tenha juízo. Após se constatar o sensacional fiasco da “cerca sanitária”, dois ou três dos iniciais adeptos da estratégia reconheceram o erro, uns tantos continuam calados e muitos, à semelhança dos sábios que vão contra um poste até que o poste se queixe, insistem em demonstrar a sua razão. A demonstração é que não é fabulosa: consiste em exibir provas de que os dirigentes do Chega, os deputados do Chega e os votantes do Chega são, cito, “grunhos”, presume-se que por comparação com os vultos intelectuais que votaram no dr. Tavares, na dra. Mariana e no dr. Pedro Nuno, eles próprios monumentos à sofisticação. E em simultâneo fala-se de “princípios”, os exactos princípios que impelem a brigada das “linhas vermelhas” a preferir o radicalismo da esquerda mais selvagem a sequer acolher uns palpites de uma “extrema-direita” cujo maior desvario são as exalações “sociais” e estatistas.
Pendurado na fragilidade do tipo de governo que ameaça escolher liderar, o dr. Montenegro vai distribuir brindes pelo povo, na esperança de que os brindes comprem a aprovação da esquerda. Não compram. Com jeito, garantem o enterro da direita. Menos a direita do Chega, que arrisca ser a que sobra.
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