Bola para a frente
Por
Alberto Gonçalves
OS
CANAIS noticiosos
passaram a noite a transmitir o oposto de uma notícia. Com repórteres nas
saídas do Estádio da Luz e na rotunda do Marquês de Pombal, perguntou-se
centenas de vezes a adeptos benfiquistas se tinham gostado da vitória do
Benfica. A expectativa face às respostas fazia tremer o espectador. Além disso,
as respostas possuíam enorme importância em si mesmas: nos dias que correm, não
me lembro de nada tão essencial para o futuro colectivo quanto um clube da bola
eliminar uns turcos e atingir a final de um torneio europeu. Aliás, houve um
inquiridor ou um inquirido que ressalvou exactamente o facto de o triunfo no
campo compensar o que sucede fora dele. Isto é, perante a crise, valem-nos as
alegrias do futebol.
É
um raciocínio possível. E, principalmente, uma solução viável. Em lugar de
tentarmos, pelos vistos em vão, controlar o défice, estancar o desemprego e, em
suma, salvar a pátria, basta que o Estado invista tudo na produção de equipas
imbatíveis, capazes de monopolizar as conquistas de torneios internacionais e
manter uma população falida sob euforia permanente. Afinal, que interessa o T2
por pagar se o emblema do nosso coração só nos dá felicidade? E que
interessariam o aumento de impostos, a redução dos subsídios e o carácter
irreformável da máquina pública se o Benfica e o Porto e o Sporting e o Braga e
o Sacavenense humilhassem adversários estrangeiros semana sim, semana não?
Quando
se diz que o povo não aguenta mais sacrifícios, subestima-se o povo. Após o
desafio com o Fenerbahçe (?), um cartaz empunhado por devotos rezava:
"Benfica, se jogasses no céu morreria para te ver". Sacrifícios? Ai
aguenta, aguenta, incluindo o último. E o penúltimo, que é ouvir o treinador
dos populares "encarnados", hoje elevado a alturas celestiais,
proferir a já imortal frase: "Fomos uma equipa que éramos melhores."
Portugal também foi um país que éramos fantásticos. Foi. Éramos. A exactidão
linguística é, como a bola, fundamental.
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