(sublinhados meus)
O Político Português
O político português, não sendo herói, não é também um vilão. É um espelho do que somos, e aquele que melhor compreendeu que o país aprecia quem não agita águas, não desconforta e não pensa alto.
A figura do político português contemporâneo, tal qual o temos hoje diante dos olhos, não resulta de nenhuma mutação genética extraordinária, embora se julgue herdeiro dinástico do líder histórico que mais aprecia, mesmo que não saiba porquê. A figura do político português, a mais plausível, é a do afilhado de um vereador antigo, colega de faculdade de um qualquer chefe ou de alguém que esteve “na distrital”, antes na concelhia, e foi trepando, como uma hera, por entre despachos, nomeações e lugares em listas repletas de entes iguais – que quem vota não tem sequer a noção de eleger.
Importante é que se aprenda que a carreira começa cedo, construída na premissa de que nunca se deve comprometer, alinhar sempre, aguardar pelo momento certo. Uma vez chegado a algum lado, é procurar “independentes” – porque alguém precisa de saber o que anda a fazer que não seja conquistar poder partidário – e procurar métodos, fórmulas e “personalidades”, mais de marketing eleitoral do que de outra índole, que lhe permitam parecer “abrangente”. O político português não possui biblioteca, e é razoável desconfiar sobre se será capaz de escrever. Se a possui, não a leu. Se a possui e a leu, é altamente provável que acabe por deixar de ser político algum dia, oferecendo o lugar a um qualquer detentor de seguidores digitais.
O político português não acredita em nada, mas sabe dizer tudo com ar de quem pensou nalguma coisa. É muito importante que pareça dialogante e profundamente empenhado em “construir pontes”, como um trolha etéreo. Pode ser de esquerda, de direita, de centro. Pode ser mais brando ou gritar muito. Pode afirmar-se como não-político, normalmente um incapaz que se tem em melhor conta do que devia. Tem um talento infernal para dizer sem dizer, falar sem falar, erguer-se por grandes causas que não são causas, e muito menos grandes, ansioso por ser interpretado, analisado, votado.
Tanto pode falar de empresas, sem ter trabalhado numa, como ver no Estado uma salvação de tudo, talvez por ter a convicção de que serão outros a pagar. Não lidera — gere. Não arrisca — posiciona-se. Não pensa a longo prazo — projeta o calendário eleitoral. Não tem certezas – tem cautelas. Não tem carácter – tem agenda. O seu sonho não é mudar o país: é sobreviver à próxima moção, à próxima sondagem, ao próximo congresso. Tem alergia a rupturas, vertigens diante da clareza e pavor da palavra “não”. É um otimista. Sempre, como os tontinhos. Um reformista condicional, refém de uma condição desconhecida que nunca se verifica. É bem-intencionado, mas não sabe o que fazer. É absolutamente cobarde – excepto quando sabe que as coisas lhe correrão de feição.
O político português, não sendo herói, não é também um vilão. É um espelho do que somos, e aquele que melhor compreendeu que o país aprecia quem não agita águas, não causa desconforto e não pensa alto. Dos mais radicais aos mais moderados, da esquerda à direita, não há na política portuguesa reais alternativas ao que somos. Era assim com o doutor Salazar. É assim hoje, e assim sucessivamente.
O político português contemporâneo é produto de uma democracia sem cultura democrática, de uma cidadania feita de boletins de voto e concertos populares “oferecidos” pela autarquia. Por isso avança. Sobrevive. Garante, de uma ponta à outra do Parlamento, que só existem a Situação e a Revolução – porque nunca concebe a existência de uma Alternativa. E, então, proporciona ao debate mediático (já que o público não existe) a política dos cenários, dos episódios, dos eventos, da frase de belo efeito – e já nem subsiste quem as seja capaz de pronunciar.
É um estado de degradação institucional que atingiu os partidos, há cerca de dez anos sem líderes dignos de apresentação. O país, de resto, chegou mesmo a possuir como chefe de Governo um político que era o oposto de tudo isto – e acabámos com António Costa a chefiar um Governo de pantomima. Em democracia, tem-se o que se merece. As próximas eleições são sobre isto: nada, coisa nenhuma e vice-versa, e sobre o que merecemos. Há quem aprecie as coisas assim – mas sobre esses talvez escreva noutro dia.
Sem comentários:
Enviar um comentário