(sublinhados pessoais)
A liberdade não está a imigrar para aqui
Ou ganhamos juízo ou não tardará o tempo em que, a pretexto dos imigrantes que emigram do “colectivismo”, seremos nós a correr dele.
Por incrível que pareça, cada imigrante miserável que surge por cá é um emigrante que fugiu à miséria de outro sítio qualquer. Nos últimos anos, tem-se debatido muito os destinos da imigração com “i” e muito pouco as causas da emigração com “e”. Quer dizer, “debater” é força de expressão: o Ocidente acolhe sem critério multidões de “ii”, os governos e a universidade e os media atribuem ao remoto colonialismo a desgraceira que motiva os “ee” e, a bem da harmonia cósmica, está o caso encerrado. Beliscar esse abençoado equilíbrio constitui um acto de xenofobia e, provavelmente, de puro racismo, transtornos gravíssimos que, à semelhança da micose fúngica, as pessoas educadas não ousam exibir em público.
Por sorte, há pessoas sem modos que começam a perguntar: porque é que nas conversas sobre migrações o ónus recai sempre nos países de acolhimento, invariavelmente culpados seja lá do que for, e não nos países de origem, invariavelmente inocentes de tudo?
Esta semana, as minhas amigas Margarida Bentes Penedo e Teresa Nogueira Pinto apresentaram-me, através do YouTube, a Magatte Wade. Wade, que nasceu no Senegal e vive no Texas, é uma empresária e – não quero ofender – uma activista pelo progresso do seu continente natal, o progresso autêntico e não o “progresso” das ladainhas. Em numerosas intervenções, a senhora explica o que devia ser óbvio, e não escondido e calado: os milhões de desgraçados que deixam África rumo à Europa e aos Estados Unidos são expelidos pela pobreza; a pobreza é da responsabilidade dos africanos que tutelam os respectivos regimes e não de uma conveniente “herança colonial” com costas largas; os regimes em questão são oligarquias, naturalmente corruptas e de matriz socialista; o socialismo nunca falha no que toca a espalhar penúria; a solução para África não passa pela “ajuda”, a caridade que sob o véu “humanitário” perpetua a dependência e afinal a desgraça daquela gente; África, salvo meia-dúzia de excepções embrionárias, carece de liberdade económica. Vai-se a ver e o “capitalismo selvagem” é uma invenção dos seus inimigos, para disfarçar a real selvajaria das alternativas. Para Wade, o socialismo é um “veneno” (sic) que oprime e mata os seus vassalos: o socialismo, continua ela, é o pior dos colonialismos.
Não custa extrapolar os recados de Magatte Wade ao resto do mundo nada livre, na Ásia e na América Latina, cujos habitantes escapam sem excepção a sistemas dedicados a venerar o Estado e a suprimir o indivíduo. Acredite-se ou não, são raras as lanchas e os iates de luxo que partem de Miami para aceder à doçura nacionalizada de Havana. E, embora possa estar enganado, não conheço êxodos massivos de suíços ou singapurenses a caminho da generosa redistribuição da indigência na Argélia ou no Paquistão.
Por regra, ainda que absurda para alguns, os seres humanos preferem a abundância, ou pelo menos a possibilidade de adquirir uma parcelazinha da abundância, à fome – e deslocam-se, às vezes milhares e milhares de quilómetros, em conformidade, em busca de lugares onde o mercado aberto, o direito à propriedade, a iniciativa privada e demais chavões execrados pela academia e por comentadores de “telejornal” permitem essa coisa mesquinha: a esperança numa vida melhor. A mera existência de migrações é a enésima prova de que o socialismo não funciona.
Infelizmente, certas cabeças também não regulam bem. Ao permitir, e até incentivar, a entrada de incontáveis imigrantes, os “líderes” (?) dos países ocidentais estão a abalar as fundações do modelo que, com variações geográficas, nos permitiu décadas de relativa prosperidade e conforto. Apesar de aconchegar corações e expiar remorsos coloniais, engordar em 10% ou 15% a percentagem das populações autóctones com refugiados de marxismos exóticos e sortidos não pode correr bem. Fazê-lo em períodos breves e concentrados é a receita para um desastre em câmara não demasiado lenta, um desastre previsível e, talvez, sem remédio. Além das evidentes consequências sociais e “culturais”, da exploração à insegurança, há o pormenor da incapacidade, pública e privada, de responder à procura na saúde, na educação, na habitação, no trabalho, no que calha.
Solução? Assim pronta e eficaz, não imagino nenhuma. O que imagino, e que aliás já está em curso, é a tentação de reforçar a intervenção dos Estados em proporção directa ao crescimento da pressão demográfica. O que imagino é o reforço exponencial da retórica (e da prática) assistencialista, um assistencialismo necessariamente diluído nas vantagens e concentrado na minoria de contribuintes. O que imagino é a ruptura dos precários laços que uniam as sociedades e o advento de poderes “altruístas”, prontos a velar por nós e a reinar com redobrada facilidade sobre fragmentos submissos e depauperados. O que imagino é o socialismo, e julgo que os “líderes” (?) dos países ocidentais imaginam o mesmo. A diferença é que uns tantos desejam-no.
A ironia é capaz de ser isto: ou ganhamos juízo ou não tardará o tempo em que, a pretexto dos imigrantes que emigram do “colectivismo”, seremos nós a correr dele. Consta que o Ruanda se tornou capitalista e, surpresa das surpresas, anda a enriquecer com rapidez. Vou apreçar casas por lá.
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