(sublinhados meus)
A indignação de Pacheco Pereira e o antissemitismo: Como travestir ressentimento em moral
Pacheco Pereira não precisa de factos, proporcionalidade ou vergonha. Basta-lhe um teclado, meia dúzia de chavões, adjectivos trágicos e uma certeza moral tão inabalável como o Livro Vermelho maoista.
Pacheco Pereira tem um talento raro: de vez em quando indigna-se! Com Israel, a indignação é crónica, uma espécie de gastrite ideológica, sem alívio nem medicação, bastante parecida com o antissemitismo clássico, mas com uma mutação pós-moderna.
No passado sábado avinagrou no Público com uma peça intitulada “Vergonha Absoluta”. Vou analisar a substância da vergonha, com pinças e máscara, não vá o fel escorrer.
PP: «Acho que nunca escrevi um artigo em estado de maior indignação»
Claro que não. Este deve ser só o 89.º. Assim a voo de pássaro, lembro-me que em 2018, por exemplo, teve uma dessas epifanias indignadas contra Israel, que alinhou com outros pacientes nacionais do transtorno antissemita, como José Goulão, Daniel Oliveira, Torgal Ribeiro, etc. A catilinária é sempre a mesma, o estilo é torrencial, e as mentiras vêm embrulhadas em hipérboles. Por vezes os velhos hábitos assomam à superfície.
Pacheco já foi maoísta, depois social-democrata. Navegou do extremismo folclórico para o conforto burguês, trocou a foice por mordomias em Bruxelas, e, enquanto o cheque pingava, indignava-se como nunca (para PP a indignação do momento é sempre a maior de sempre) e era um indomável crítico dos trotskistas, do PCP, do PS, do esquerdismo juvenil e até dos vizinhos barulhentos. Indignava-se, mas sempre com bom repasto e em assento almofadado.
Depois perdeu a sinecura. Apostou no cavalo errado e ei-lo a atravessar o deserto, avinagrado, indignado, sem cargo, sem palco dourado, sem salário europeu. Restava-lhe regressar à ira das origens, aquelas onde o ódio e a veneração pelo delírio utópico andam de mão dada. PP redescobriu velhos companheiros de estrada e fez toda uma carreira a redescobrir utopias de frentes unitárias de esquerda e a ganhar coragem para, como eles, se lançar também na verbalização do ódio a Israel, como se estivesse possuído por um demónio com sotaque de Ramallah.
PP: «o dever de protestar e actuar perante um massacre cruel, diante dos nossos olhos, de um povo, o palestiniano»
A palavra “massacre” tem em Pacheco um valor decorativo. O ódio tem de se embelezar com léxicos tremendos. PP refere-se em concreto a uma guerra desencadeada pelo Hamas, à qual Israel, como qualquer outro estado no mundo, reage com objectivos racionais: libertar os civis sequestrados e aniquilar o grupo invasor. Este grupo jihadista invadiu Israel, matou, violou, espancou e sequestrou deliberadamente civis, apenas porque eram judeus. Isto é um caso claro de genocídio mas PP poupa-se a indignações porque o “genocídio” deixou de ser um conceito objectivo e passou a ser apenas um slogan a usar contra os judeus. É curioso como certos intelectuais do ressentimento só descobrem “massacres” e “genocídios” quando se trata de acusar o Estado judaico. Já quando o massacre é perpetrado contra judeus, chamam-lhe “contexto”. O Holocausto? Um embaraço histórico que agora serve apenas como ferramenta retórica invertida para culpar as vítimas. A criatividade do antissemitismo moderno é inversamente proporcional à vergonha.
PP: «E não me venham com a história do anti-semitismo, que é um argumento insultuoso para justificar os crimes de Israel»
Nada de novo. Todo o antissemita com pedigree começa sempre por dizer que não é antissemita. É dos livros: quem sofre de um transtorno qualquer, é sempre o último a reconhecê-lo.
Mas PP só tem de responder, para si mesmo, por que razão, havendo tantas guerras no mundo, apenas esta o indigna, levando-o a colocar-se do lado de um agressor que, se puder, como explicitamente o declarou e fez milhares de vezes, voltará, se não for aniquilado, a matar judeus. Por que razão, entre cerca de 200 países no mundo, o radar da indignação de PP só dá Israel, um pequeno país do tamanho do Alentejo, com menos gente do que Portugal e rodeado de milhões de muçulmanos hostis e com vontade de ir “do Rio ao Mar?
Para mim isto é antissemitismo, porque aplica critérios duplos, exigindo de Israel um comportamento não esperado ou exigido a qualquer outra nação.
PP: «Já sabemos que tudo começou com um massacre perpetrado pelo Hamas e que devia ter uma resposta israelita dura, como teve. Mas…»
Ah, o glorioso “mas”. A arte suprema da retórica moralista. Dizer o politicamente correcto antes da conjunção adversativa e depois largar a verdadeira convicção. Neste caso, a habitual: Israel como vilão, os judeus como opressores. A história que Pacheco conta é a preferida dos manuais ideológicos: apaga-se o início, e depois acusa-se a resposta.
Mas há um problema de substância nesta frase de PP. É que afirma que a acção militar israelita é apenas uma “resposta dura”, uma espécie de punição, assim como um exagerado puxão de orelhas. Como se Israel estivesse apenas a descarregar frustrações e não a tentar erradicar, de vez, uma ameaça existencial.
De facto foi com essa estratégia dissuasora que Israel respondeu até agora aos milhares de ataques do Hamas, desde que este se apoderou há 20 anos da Faixa de Gaza, matando no processo milhares de palestinianos sem que conste que PP se tivesse indignado tanto.
O resultado foi sempre o mesmo: sob os auspícios do Irão, o Hamas atacava, sequestrava, a seguir escondia-se nos túneis, escolas, hospitais, ambulâncias e casas, sempre atrás dos palestinianos, e daí expelia mais uns milhares de mísseis sobre as povoações israelitas, coisa que também nunca suscitou a especial indignação de PP. Israel respondia, com a comprovada preocupação de minimizar danos civis, mas o Hamas certificava-se de os colocar na linha de tiro. Havia depois um cessar-fogo promovido hipocritamente pelo Qatar e pelo Egipto, o Hamas ficava intacto mas ganhava prestígio e poder, o que não mata fortalece, e daí a uns tempos repetia a táctica, em doses crescentes. Esta estratégia, elaborada pelo Irão, tinha como objectivo asfixiar Israel, obrigar os israelitas a abandonar paulatinamente o seu país, tornando-lhes a vida insustentável, (ninguém de bom senso quer ter os filhos à mercê dos humores de um grupo jihadista que dispara mísseis quando lhe apetece) e obrigados a gastar rios de dinheiro simplesmente para se protegerem.
No dia 07 de Outubro de 2023 tudo isto explodiu e Israel percebeu que esta estratégia já não funcionava. O que PP não entendeu, porque não quer, é que desta vez a acção militar, não é uma “resposta”, não é uma “retaliação”, não é uma vingança, não procura a dissuasão. É uma operação que visa aniquilar o Hamas e resolver o problema. É uma guerra. Uma guerra que teria já terminado se os jihadistas que têm os palestinianos como reféns, se rendessem e os libertassem. Uma vez que ainda não o fizeram, é óbvio que a guerra irá continuar, da mesma maneira que foi preciso entrar no bunker de Hitler para que a Alemanha Nazi se rendesse. É assim que as coisas funcionam, é essa a “racionalidade militar” que PP não vê, provavelmente porque o ódio que o cega, não o deixa ver mais nada e muito menos a razão.
PP, claro, não se incomoda muito com os milhares de foguetes disparados por um grupo jihadista escondido em escolas, hospitais e ambulâncias. O Hamas pode esconder-se atrás de civis e alvejar deliberadamente civis que, para PP, a culpa será sempre de Israel.
PP: «É uma política de destruição em massa de um povo»
Infelizmente para PP, as palavras tremendas não mascaram a verdade, nem criam uma nova.
Em Gaza os números necessitam de explicação. Os números de mortos civis são fornecidos pelo Hamas, que os inflaciona deliberadamente, porque tal faz parte da sua estratégia. Também faz parte dessa estratégia fazer com que aconteçam mesmo, e por isso coloca deliberadamente os civis na linha de fogo, impedindo-os mesmo de fugir. Não sou eu que o digo, são afirmações publicadas dos próprios dirigentes do Hamas.
A finalidade táctica é limitar a resposta militar israelita levando a ponderações sobre proporcionalidade e força necessária e suficiente, bem como acções para as minimizar que incluem avisos, suspensão de alvos, etc. A finalidade estratégica é convocar as “indignações” selectivas da Greta e de outras almas ingénuas, e de alimentar o ódio milenar que ferve nas veias de outros. Eles sabem que o antissemitismo é uma força poderosa a ronronar no peito de muita gente, sempre à espera de um pretexto para se expressar.
É também por isso que nos relatórios do Hamas, apenas há civis “na maioria mulheres e crianças”, lengalenga que consta em todos os relatórios e que a maioria dos media ocidentais repete sem mastigar.
Pois bem segundo os números martelados do Hamas, nestas condições, inéditas na História da Guerra, terão morrido 50 mil palestinianos, sendo que alguns milhares foram mortos pelos próprios jihadistas. Que aliás combatem à civil e se disfarçam até de mulheres, presume-se que para manterem os uniformes engomados para as “cerimónias” de humilhação de reféns, que também não parecem ter indignado PP. Israel, com números bem mais credíveis, refere que já matou cerca de 20 000 jihadistas.
Ou seja, mesmo tomando como bons os falsos números do Hamas, teríamos uma percentagem de 60% de mortos civis. Muito abaixo dos 85% no Iraque, 83% na Chechénia, ou os 71% na Segunda Guerra Mundial.
De onde vem pois a “indignação” de PP? Porque não se indigna com aqueles que de facto desencadearam e mantém esta guerra usando o seu povo como escudo de carne e instrumento de propaganda?
Infelizmente o Hamas e o Irão sabem como funciona o teatro moral do Ocidente. Basta repetir “civis, mulheres e crianças” e a indignação pavloviana de gente como PP faz o resto.
PP: «como Portugal, que nem sequer o passo de reconhecer o Estado palestiniano são capazes de dar. É uma atitude quixotesca?»
Qual Estado?
O que os árabes recusaram criar em 1948? O que poderiam ter erguido entre 1948 e 1967, nos territórios de Gaza, Jerusalém, Judeia e Samaria, que estiveram sempre sob soberania árabe e que preferiram usar como base de ataque a Israel? O que Arafat rejeitou quando Ehud Barak lhe ofereceu praticamente tudo, preferindo lançar “intifadas” com a mesma irresponsabilidade com que os sindicatos da CP lançam greves?
O Estado de Gaza, onde o Hamas manda há 20 anos, e de onde só saem mísseis, bombas e terroristas?
O território sob controle da AP, que se transformou numa estrutura de apoio ao terrorismo, sob os auspícios da Guarda Revolucionária iraniana, onde o Hamas ganhará eleições se as houver?
Ou o Estado imaginário entre o rio e o mar, onde não haverá lugar para judeus?
Se é esse que quer ver reconhecido, então diga. Mas faça o favor de ser honesto e não nos tome a todos por parvos. E diga, já agora, em qual deles quereria que os seus netos vivessem.
PP: «Acresce que Israel, violando todas as regras do direito internacional, conduzindo um massacre quotidiano…»
Violando o quê, exactamente? Qual a parte do Direito Internacional que proíbe um país de se defender? Há alguma cláusula que diga que um Estado deve abastecer quem o quer destruir? Que deve ignorar mísseis, bombas, invasões, violações, assassinatos e sequestros em nome das indignações de PP e dos seus companheiros de estrada? Se PP realmente sabe tanto de Direito Internacional como parece deduzir-se da peremptória acusação de que Israel “viola todas as regras”, então, ou está a mentir deliberadamente ou não sabe. Prefiro acreditar que não sabe, porque a ignorância tem solução.
PP: «usar todos os meios ao dispor de um Estado da União Europeia para punir os criminosos?»
Eis o moralista totalitário com tiques de juiz e aspirações a verdugo. Decide, sentencia e condena tudo em duas linhas. Quem precisa de tribunais quando o alvo é Israel e os judeus? Basta a indignação!
A qual, todavia, não se activa quando a Autoridade Palestiniana aplica a pena de morte a quem vende terras a judeus. Nem com os salários pagos a terroristas suicidas. Isso, aparentemente, são minudências. O que o parece indignar a sério são os judeus, principalmente aqueles que ainda respiram.
E assim vão as indignações de Pacheco Pereira: inflamadas, selectivas, cegas e, acima de tudo, úteis. Não à verdade, mas ao velho ódio milenar.
No fim, sobra-nos a crónica previsível de um moralista de discutível moral, cuja bússola ética tem o Norte que lhe convém. Pacheco Pereira não precisa de factos, proporcionalidade ou vergonha. Basta-lhe um teclado, meia dúzia de chavões sobre “massacres”, um ou dois adjectivos trágicos, e uma certeza moral tão inabalável como o Livro Vermelho do catecismo maoista.
Com o tempo, aperfeiçoou a arte de se indignar. Hoje fá-lo com a mesma frequência com que outros tomam café, e com os mesmos efeitos: azia. O problema, claro, não é só a sua opinião. É o facto de a embalar como se fosse verdade, e de acreditar, com um fervor quase religioso, que só ele vê o mundo com clareza.
Se o Hamas sobrevivesse e passasse a disparar mísseis com as crónicas de PP, ainda o haveríamos de ver a escrever no Público que se tratava de uma forma legítima de expressão cultural. E que os judeus só tinham de respeitar isso e morrer quietos e calados, como em tempos foi hábito.
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